Animação 'O touro Ferdinando' chega nesta quinta (11) aos cinemas

Longa dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanhas mostra animal que foge do destino de duelar com toureiros e busca ajudar os companheiros a escapar do matadouro

FOTOS: FOX/DIVULGAÇÃO
(foto: FOTOS: FOX/DIVULGAÇÃO )
Em 1939, a história do Touro Ferdinando, lançada em livro três anos antes pelo norte-americano Munro Leaf, conquistou o Oscar de melhor curta-metragem em animação. Os pouco mais de sete minutos de projeção mostravam a hoje popular saga do animal que preferia cheirar as flores a brigar nas touradas. Quase 80 anos depois, Ferdinando volta à telona, a partir desta quinta (11), na forma de longa-metragem, com sua trama ainda mais adequada aos dias atuais e uma provável indicação ao Oscar – os concorrentes serão divulgados no próximo dia 23.

O filme é dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, responsável também pelas franquias Rio e A era do gelo, igualmente produzidas pelo estúdio Blue Sky. Dessa vez, a história se passa na Espanha de hoje, com a prática generalizada de fazer selfies e o trânsito caótico de Madri presentes nas cenas, assim como uma moderna indústria frigorífica.

Embora não seja abertamente partidário da causa animal, o filme dialoga com a questão. Mais do que um touro que contraria a ordem vigente – por ser avesso à violência e negar-se a brigar –, a nova versão de O touro Ferdinando expõe também a crueldade nas relações dos humanos com os bichos. Mesmo sem nenhuma cena minimamente chocante ou inadequada a crianças, há uma sutil denúncia contra as touradas, hoje rechaçadas pela maioria da população espanhola.

Apesar de já proibida em algumas localidades e restringida em outras, a legislação nacional ainda considere a prática patrimônio histórico e cultural do país. Em uma de suas falas, o protagonista descreve as arenas como “um outro matadouro”, ao evidenciar que o destino dos bovinos nessas disputas é sempre o mesmo.

FUGA No longa de Saldanha, Ferdinando nasce em um criadouro no qual os touros sonham em ser selecionados para desafiar um toureiro na arena. Apenas os mais fortes e bravos são escolhidos. Mas Ferdinando não dá a mínima para isso e prefere viver em harmonia com todos os seres ao redor, apesar das provocações de seus semelhantes. Quando percebe que seu pai jamais retornaria da tourada para a qual fora levado, ele foge do local, ainda bezerro, e é adotado por um homem e uma menina que o tratam como animal de estimação em sua fazenda florida.

Contudo, a trama reconduz o personagem ao mercado da tauromaquia, onde ele mostra mais virtudes além do pacifismo das versões anteriores para salvar outros touros, uma vez que os descartados pelas touradas têm o abate como destino. Além de mansinho e apaixonado pelo aroma das flores, o novo Ferdinando é corajoso, companheiro e perseverante.

Se a nova releitura cinematográfica da obra de Leaf for interpretada como ideológica, isso não será novidade. Quando lançado, na década de 1930, o livro infantil chegou a ser proibido pelos regimes ditatoriais de extrema direita na Espanha de Franco e na Alemanha de Hitler, considerado pacifista, o que vinha a ser um defeito. Em tempos de opiniões exaltadas sobre assuntos mais polêmicos, vale ressaltar que à parte as mensagens implícitas no roteiro, o filme traz uma história divertida para todas as idades, com boas cenas de ação, fotografia e direção de arte caprichadas nos detalhes para recriar os ambientes rurais e urbanos da Espanha, além de coadjuvantes carismáticos de várias espécies animais.

Diretor brasileiro diz que filme é sobre “ser honesto com o que você é”

Jean-Baptiste Lacroix/AFP
Carlos Saldanha (foto: Jean-Baptiste Lacroix/AFP)
Foi logo depois de Rio, de 2011. Em conversa com a cúpula da Fox, que lhe propunha novas parcerias com sua produtora Blue Sky, Carlos Saldanha falou do seu desejo de fazer um filme sobre um touro “diferente”. Não pensava especificamente no personagem do livro cultuado de Munro Leaf, mas, quando viu, a Fox estava conversando com os familiares do escritor, que o autorizaram a fazer as mudanças necessárias. “Pois esse era o problema que eu via. O livro é fininho, em preto e branco, não me permitiria fazer um longa. Daria, no máximo, outro curta como o da Disney, nos anos 1930. Com a família e o estúdio me dando corda para criar, seria louco se não me lançasse nessa aventura”, conta o cineasta brasileiro diretor de O touro Ferdinando.

No intervalo, Saldanha fez Rio 2, o episódio com atores de Rio, eu te amo. Mas estava escrito que ele concluiria O touro Ferdinando. O longa concorreu ao Globo de Ouro de melhor animação no último domingo (7). Perdeu para Viva - A vida é uma festa, da Pixar, que estreou no Brasil na semana passada. Com certeza, deve ir para o Oscar.

No ano passado, Saldanha, que é radicado nos Estados Unidos, veio ao Brasil mostrar cenas do filme, que ainda não estava concluído. À época, afirmou que estava muito feliz. “Para mim, era natural fazer um filme como Rio, contando a história de Blu. Sou brasileiro, estava falando da minha cultura. Aqui, precisava me apropriar de outras culturas, e foi o que fiz. O livro de Munro Leaf, ao contrário do curta da Disney – disponível no YouTube –, é praticamente desconhecido no Brasil, o que me deu toda liberdade para criar.”

Coincidência, ou não, Viva, que venceu o Globo de Ouro, tem raízes no culto dos mortos da cultura mexicana. Ferdinando é enraizado na cultura espanhola. “E eu quis fazer o filme bem hispânico. Viajei ao país, fiz pesquisas. A paleta (de cores) de Rio era natural para mim, mas tive de estabelecer o que seria a (paleta) de Ferdinando. Muito ocre, vermelho. Cores terrosas. E a história progride. Começa no campo, bucólica, com a relação de Ferdinando com a menina, sua dona. Aí ele vai para a cidade, e a feira é muito colorida. À medida que a trama progride, a multidão aumenta. Na cidade, na arena de touros. Em Rio, a cidade já era personagem, com o Blu. Aqui, é essa multidão. Isso exige planejamento, muito trabalho. Não é coisa que se faça sozinho. Posso estabelecer conceitos, parâmetros, mas é um monte de gente trabalhando. E os personagens...”

EXAGERO Saldanha explica. “Adorei fazer meu episódio para Rio, eu te amo. Trabalhar com atores, live action. Quero até ampliar essa experiência e acho que vai ser muito boa. Mas gosto de trabalhar com animais, contar histórias de bichos. Porque dá para exagerar em tudo. Nas cores, nas emoções. Foi o que fiz no Ferdinando.”

O repórter não se furta a observar que o Ferdinando da Disney é muito gay. E o seu, Saldanha? “Acho que se pode fazer essa leitura, mas não era minha intenção, minha prioridade. Para mim, a história do Ferdinando remete a uma questão visceral – você tem de ser honesto com o que você é. Ferdinando é desse jeito, gentil, e vai mudar a vida de todo mundo ao redor dele. Acho que é uma verdade básica. Cada um de nós pode fazer a diferença, mas sendo fiel a si mesmo, à sua verdade.”

Para dublar o personagem no original, Saldanha contou com a colaboração de John Cena. “Olhei para aquele cara e pensei comigo: ele tem força para me arrebentar. Mas John me disse que era o Ferdinando e ia fazê-lo com todo carinho. Trabalhei também com o Peyton Manning, que faz El Guapo.”

O diretor observa que “Peyton não é muito conhecido aqui no Brasil, mas é uma lenda nos Estados Unidos, um grande jogador de futebol americano que atuava como quarterback. O Peyton sempre teve tudo – boa-pinta, seguro de si, um líder no campo. Aí eu cheguei para ele e perguntei se nunca teve dúvida. Se nunca teve um momento de insegurança. Pois era isso que eu queria. Ele adorou fazer, se entregou, como o Johnny (Cena). E eu acho que o Ferdinando é isso. Nós somos o que somos, e o mundo será muito melhor se nos aceitarmos assim, com nossas diferenças”. (Agência Estado)

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