No Globo de Ouro, Meryl Streep rouba a cena e a indústria supreende

'La la land: Cantando estações' dominou a premiação, mas um discurso político da atriz fez Trump reagir e chamá-la de 'superestimada'

por Mariana Peixoto 10/01/2017 09:00

Alberto E. Rodriguez/AFP
Meryl Streep recebe o prêmio Cecil B. DeMille no 74º Globo de Ouro. (foto: Alberto E. Rodriguez/AFP)

Se houve alguma surpresa com os troféus que La la land: Cantando estações recebeu no Globo de Ouro, foi na quantidade. Esperava-se que o musical de Damien Chazelle levasse vários, mas não todos os sete (melhor filme, diretor, roteiro, ator, atriz, trilha e canção) a que havia sido indicado.

Mesmo sendo o campeão da 74ª edição do prêmio, a noite não foi dele, mas de Meryl Streep. Em um discurso que dosou, em boa medida, emoção com política, a veterana atriz (vencedora de oito Globos de Ouro), ao receber o prêmio Cecil B. DeMille pelo conjunto da obra, foi direto ao ponto.

A 12 dias da posse de Donald Trump na Presidência dos EUA, Streep, sem citar o nome dele em nenhum momento, criticou as posições anti-imigração do republicano, assim como sua perseguição à imprensa. Foi o grande momento da entrega de prêmios da Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood, no domingo à noite.

Abuso
''Quando os poderosos usam sua posição para abusar de outros, todos perdemos'', disse Streep, lembrando-se das origens de parte dos atores e atrizes que estavam ali. Citou Amy Adams, que nasceu na Itália; Natalie Portman, em Jerusalém; Ruth Negga, na Etiópia; Dev Patel, no Quênia.

Sobre a tensa relação do futuro ocupante da Casa Branca com a imprensa, Streep citou o episódio em que Trump é acusado de humilhar propositalmente um repórter com necessidades especiais e pediu à comunidade de Hollywood  que proteja os jornalistas, ''porque vamos precisar deles no futuro para nos protegerem''.

A reação quase imediata de Trump ao discurso de Streep colocou mais lenha em uma fogueira que não pretende dar sinais de se apagar tão cedo. ''Uma das mais superestimadas atrizes de Hollywood'', escreveu ele, em sua conta no Twitter, acrescentando que a atriz era uma ''apoiadora de Hillary''. Foi Meryl Streep quem apresentou Hillary Clinton na convenção democrata, no verão passado.

O resultado do Globo de Ouro traduziu esse preâmbulo da Era Trump de duas maneiras bem distintas. Ao conceder acachapante vitória a La la land, o prêmio apostou numa solução escapista. Ou seja, quando há problemas, nada melhor do que olharmos para nosso próprio umbigo (o filme trata de dois artistas que tentam fazer sucesso em Los Angeles) e esquecermos o mundo lá fora.

Por outro lado, numa resposta ao ''Oscar tão branco'' de 2016 (quando não houve indicados negros), a premiação destinou troféus, tanto no cinema quanto na televisão, a produções com temáticas raciais. Não há influência alguma do Globo de Ouro no Oscar (os vencedores do primeiro são decididos pelo voto de jornalistas estrangeiros, que não são membros da Academia de Hollywood, onde estão os votantes do segundo). Mas a amplitude da discussão deve abranger todas as searas da indústria.

Mas o mais importante troféu do Globo de Ouro (filme em drama) foi de Moonlight: Sob a luz do luar. Produção de baixo orçamento ambientada num gueto de Miami, foi criada por um diretor negro (Barry Jenkins). Na história, um jovem pobre e negro tenta escapar da criminalidade, enquanto lida com sua homossexualidade.

Na TV, as apostas também foram na renovação. Tradicionalmente o Globo de Ouro premia séries que o Emmy deixou de lado. Duas comédias com temática racial – Atlanta e Black-ish – receberam troféus. Nos agradecimentos, os vencedores politizaram o tom: ''Eu quero agradecer aos negros de Atlanta só por estarem vivos'', afirmou Donald Glover, criador e estrela da série.

Na seara dos dramas, O povo vs.O.J. Simpson: American crime story, que saiu com dois troféus, é também um reflexo disso. Nos anos 1990, o julgamento do ex-jogador dividiu a cidade de Los Angeles sobre a questão racial. De certa maneira, até o vencedor na categoria animação aposta na diversidade. Zootopia trata da jornada de uma coelhinha discriminada por tentar ser algo muito além do que a sociedade esperava dela. Com temática feminista, o filme politiza o universo infantil. E seus produtores, ao receber o troféu, também mandaram uma indireta para Trump.

Surpresas

Na noite em que a maioria dos prêmios já era esperada, as poucas surpresas também foram o aceno de um posicionamento da indústria. Quando todos aguardavam Natalie Portman ser chamada ao palco para receber o prêmio de melhor atriz em drama para Jackie, eis que o nome da francesa Isabelle Huppert foi anunciado. Elle, também vencedor na categoria filme estrangeiro, é um drama francês dirigido por um holandês (Paul Verhoeven) com uma protagonista politicamente incorretíssima.

Inaugurando a temporada de prêmios em Hollywood, o Globo de Ouro, mesmo sendo concedido por estrangeiros, é uma amostra da guinada mais que necessária à meca do cinema neste momento de mudança de poder nos EUA.

Em entrevista ao New York Times na manhã de ontem, o falastrão presidente eleito não se dobrou à ovação a Meryl Streep, tanto dos presentes na cerimônia quanto na internet, que fez da atriz um dos assuntos mais comentados do Twitter, com maioria de comentários de apoio e elogio ao seu discurso anti-Trump. ''Nós vamos ter uma participação inacreditável, talvez recorde, na posse. Haverá muitas estrelas do cinema. Está difícil encontrar um ótimo vestido (nas lojas de Washington) para o evento'', afirmou Trump. Aguardemos.

ESTREIAS À VISTA
La la land: Cantando estações chega a BH na quinta-feira. A estreia oficial será no dia 19, mas o musical de Damien Chazelle ganha pré-estreias diárias a partir do dia 12. Outro longa premiado da noite, Manchester à beira-mar, estreia também no dia 19. E Moonlight: Sob a luz do luar chega aos cinemas brasileiros bem mais tarde, em 23 de fevereiro, às vésperas do Oscar.


Confira o resultado do Globo de Ouro 2017:

CINEMA

>> Melhor filme – Musical ou comédia

La la land: Cantando estações 


>> Melhor filme – Drama

Moonlight

>> Diretor
Damien Chazelle (La la land: Cantando estações)

>> Melhor roteiro
Damien Chazelle (La la land: Cantando estações)

>> Melhor ator – Musical ou comédia
Ryan Gosling (La la land: Cantando estações)

>> Melhor ator – drama
Casey Affleck (Manchester à beira-mar)

>> Melhor atriz – Musical ou comédia
Emma Stone (La la land: Cantando estações)

>> Melhor atriz – drama
Isabelle Huppert (Elle)

>> Melhor ator coadjuvante
Aaron Taylor Johnson (Animais noturnos)

>> Melhor atriz coadjuvante

Viola Davis (Fences)

>> Trilha sonora

Justin Hurwitz (La la land: Cantando estações)

>> Música original
City of stars (La la land: Cantando estações)

>> Melhor animação

Zootopia

>> Melhor filme estrangeiro

Elle, de Paul Verhoeven (França)

>> Atriz em comédia ou musical
Emma Stone (La la land: Cantando estações)

TV

>> Série – Comédia

Atlanta

>> Série – Drama
The crown 


>> Filme para TV ou minissérie
The people v. O.J. Simpson: American crime story

>> Ator em série de drama
Billy Bob Thornton (Goliath)

>> Atriz em série de drama

Claire Foy (The crown)

>> Ator em série de comédia

Donald Glover (Atlanta)

>> Atriz em série de comédia

Tracee Ellis Ross (Black-ish)

>> Ator em filme para TV ou minissérie

Tom Hiddleston (The Night Manager)

>> Atriz em filme para TV ou minissérie
Sarah Paulson (The people v. O.J. Simpson: American crime story)

>> Ator coadjuvante em minissérie

Hugh Laurie (The Night Manager)

>> Atriz coadjuvante em minissérie

Olivia Colman (The Night Manager)

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