Recentes produções nacionais ficam anos aguardando estreia

Distribuidores cobram maior planejamento e envolvimento da Ancine. Festivais são oportunidade para filmes autorais

por Mariana Peixoto 27/09/2015 07:00

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Paulo Rogério Lage/Divulgação
Cena do filme 'A luneta do tempo', primeiro longa-metragem dirigido por Alceu Valença (foto: Paulo Rogério Lage/Divulgação)

Desde quinta-feira nos cinemas, 'A hora e a vez de Augusto Matraga', adaptação do diretor fluminense Vinicius Coimbra para o conto homônimo de Guimarães Rosa, está sendo exibido em Belo Horizonte em dois horários no Cine BH Shopping. Não é, de forma alguma, a maneira que o diretor esperava lançar o longa-metragem, rodado integralmente em Diamantina.

“O lançamento está sendo bem menor do que eu gostaria (32 salas em meia dúzia de cidades), mas a demora acabou amortecendo a expectativa”, afirma Coimbra. Augusto Matraga, protagonizado por João Miguel e José Wilker, foi filmado em 2009. Pronto em 2011, teve sua première no Festival do Rio daquele ano – onde venceu cinco prêmios, incluindo os de melhor filme pelos júris oficial e popular.

Quatro anos de espera para que a segunda adaptação cinematográfica da história de Matraga e Joãozinho Bem-Bem (a primeira, de 1965, é a histórica versão de Roberto Santos lançada em Cannes) chegasse ao circuito acabam mudando a perspectiva. Coimbra, que lança em 10 de outubro, também no Festival do Rio, seu novo filme ('A floresta que se move', inspirado em Macbeth, com Ana Paula Arósio e Gabriel Braga Nunes), fala em “sensação de gratidão” ao ver o longa chegar aos cinemas, mesmo com tanto atraso. “Eu sabia que a hora do filme iria chegar.”

O exemplo de Augusto Matraga é apenas um no universo do cinema nacional. Produzir um filme é difícil, mas lançá-lo, mais ainda. 'Bonitinha, mas ordinária', adaptação de Moacyr Góes para a obra de Nelson Rodrigues, foi lançado, também num circuito bastante restrito, em 2013. Estava pronto desde 2008. Também filmado em 2008, 'Insônia', de Beto Souza, só conseguiu chegar ao circuito comercial no ano passado. Ambos os filmes passaram quase despercebidos nos cinemas.

DISTRIBUIÇÃO

“Muitos filmes não conseguem ser lançados porque não existe (no Brasil) um pensamento voltado para o lançamento. A verba da comercialização não está embutida na da produção”, comenta Priscila Miranda, da distribuidora Tucumán Filmes. Para ela, o mundo da distribuição é mutável em sua essência. Entre os motivos que interferem na escolha da data, está o perfil do filme, os concorrentes que ele vai ter no período e a verba para o lançamento. Isto ocorre com todo tipo de filme, até mesmo com os famigerados blockbusters norte-americanos.

A Tucumán havia previsto lançar, na última quinta-feira, 'A luneta do tempo', primeiro longa-metragem dirigido por Alceu Valença. Filmado em duas etapas, 2009 e 2011, o projeto só foi finalizado ano passado, quando foi lançado no Festival de Gramado (levou os prêmios de trilha sonora e direção de arte). Por causa dos mesmos fatores citados por Priscila, o lançamento comercial foi adiado. Por ora, não há data prevista. No caso, ela ainda tem que conciliar a agenda do cinema com a do próprio Alceu.

“Tem que haver um mínimo de divulgação, uma verba para o chamado P&A (prints and advertising, ou cópia e publicidade). Apoia-se o filme brasileiro na produção, mas, na distribuição, são poucos os editais (a Ancine tem o Prodecine, que contemplou, entre outros, 'Real beleza', de Jorge Furtado, lançado em agosto). E filmes mais artísticos, autorais, precisam deste apoio de publicidade e marketing”, continua Priscila.

Ela exemplifica com um lançamento recente da própria Tucumán. 'Campo de jogo', de Eryk Rocha, foi lançado em 15 salas. Ficou sete semanas em cartaz. Seu público total no período foi de exatas 2.416 pessoas. “Eu coloquei dinheiro do bolso para o lançamento e não vai haver retorno”, comenta Priscila.

Gabriel Marins/Divulgacao
'Ela volta na quinta', de André Novais, faz circuito de festivais antes de estrear em dezembro (foto: Gabriel Marins/Divulgacao )

FESTIVAIS


O filme de arte, quando chega à rede comercial, geralmente é exibido em um circuito restrito e alternativo. O realizador paulista Gregório Graziosi lançou em agosto seu primeiro longa-metragem, 'Obra'. Até hoje em cartaz em uma sala pequena de São Paulo, a produção ainda não atingiu os 4 mil espectadores.

“Os filmes pequenos acabam sendo mais vistos nos festivais de cinema do que no circuito comercial”, comenta Graziosi, que fez a première do longa na edição de 2014 do Festival de Toronto. “Num só festival, seu filme pode ser visto por 2 mil, 3 mil pessoas.” Para ele, o ideal para esse perfil de produção é conseguir fazer o lançamento comercial casado com algum festival importante.

“As sessões em festivais costumam ser lotadas, e os filmes menores precisam do embasamento que um festival traz. Se um evento do porte da Mostra de São Paulo ou do Festival do Rio criasse seu próprio selo de distribuição, as produções poderiam circular mais”, sugere Graziosi.

Outro que acredita que o circuito de festivais é essencial para a vida de um longa-metragem é o produtor mineiro Thiago Macedo Correia, integrante do coletivo Filmes de Plástico, de Contagem, que vem realizando curtas e longas celebrados em festivais nacionais e internacionais. Correia foi o produtor de 'Ela volta na quinta', primeiro longa-metragem de André Novais.

O filme sobre a crise no relacionamento de um casal, que tem os próprios pais do realizador como protagonistas, foi exibido em première no Festival de Marselha, em julho de 2014. Já em setembro do mesmo ano chegou ao circuito de festivais brasileiros, levando dois Candangos em Brasília. “Hoje, 100% dos filmes independentes brasileiros estreiam em festival. Sem esse circuito, os filmes com um perfil mais autoral não existem”, diz ele. Para Correia, o festival serve para balizar um filme. Ele anuncia para dezembro a chegada de Ela volta na quinta ao circuito comercial. Mesmo assim, o filme continua fazendo carreira em festivais. Nos últimos meses, participou de competições no Canadá, no Rio e em Vitória. “Se ele for bem, a carreira de um filme em festival pode durar pelo menos um ano”, finaliza.

Paula Huven / Divulgação
José Wilker em 'A hora e a vez de Augusto Matraga', longa-metragem dirigido por Vinicius Coimbra (foto: Paula Huven / Divulgação)

'Matraga' domestica Guimarães Rosa


Se a ousadia é uma virtude, o primeiro ponto é a favor de Vinicius Coimbra: ela não falta a um estreante que, tendo por lastro seu trabalho em TV, atreve-se a adaptar um monumento literário como 'A hora e a vez de Augusto Matraga', de Guimarães Rosa, e, mais ainda, propor o remake de um clássico – o filme de Roberto Santos (1965). Mas tamanho desafio coloca o autor em situação delicada. Logo de cara, topamos com um plano aéreo, desses que sobrevoam suavemente as serras. Pouco depois, encontramos Augusto num tiroteio, tão picotado quanto convencional (ah, podia ter se inspirado nos de Glauber).

Os problemas não param por aí. Ora vamos à câmera lenta, ora a evocações de Deus que não se assemelham à religião tal como nos parece comunicar Rosa. Cada plano parece nos afastar de Rosa e nos projetar numa novela de TV. Talvez seja exagero usar a palavra vulgaridade. Mais próximo do que acontece seria notar que o novo 'Matraga' nos entrega uma espécie de Rosa atapetado, domesticado, destituído da aridez sertaneja de seu texto. Parte vem do elenco: uma Diadóra muito urbana, um Joãozinho Bem-Bem que parece chegado de Ipanema...

Assim também o falar, pitoresco, não arrasta consigo nenhum significado, nada disso que faz dos contos de Rosa uma parábola, algo que transcende o acontecimento. Se essas e outras afastam o filme de Guimarães Rosa, em troca lhe conferem uma qualidade comunicativa evidente. Além do conforto da formulação, da maneira como se faz imediatamente familiar ao espectador, um elenco com Irandhir Santos, José Wilker, Chico Anysio e alguns outros rostos conhecidos reforça essa virtude. Por fim, João Miguel é uma bela escolha para Matraga.

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