Em 'Ninfomaníaca', o polêmico diretor Lars von Trier peca pela frieza

Filme que estreia nesta sexta-feira narra a história de mulher de meia-idade que se culpa por sua vida pervertida

por Mariana Peixoto 16/01/2014 06:00

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Zentropa/Divulgação
(foto: Zentropa/Divulgação)
Segundo filme da chamada trilogia da depressão, conjunto de obras que retratam o que passou pela cabeça do cineasta Lars von Trier quando ele sofreu da doença, 'Melancolia' estreou em Belo Horizonte em 5 de agosto de 2011. Em duas salas, uma delas o Cine Belas Artes, tradicional espaço dedicado ao cinema de autor. 'Ninfomaníaca – Volume 1', primeira parte da narrativa que encerra a mesma trilogia, entra em cartaz nesta sexta-feira em cinco salas da cidade, inclusive no Cidade, um dos multiplex de maior vocação popular de BH. O motivo é simples: o cineasta dinamarquês, mestre tanto das imagens quanto do marketing, vem cozinhando a curiosidade do público para receber o filme. Que dispensa, como toda a obra de Von Trier, comentários reducionistas de “gostei” ou “não gostei”. 'Ninfomaníaca' não é um filme para gostar. Porém, e esse é um defeito, tampouco para sentir.

Ao longo de 2013, Von Trier e sua produtora, Zentropa, lançaram chamarizes em torno da produção. Cartazes com imagens do elenco – Charlotte Gainsbourg, Uma Thurman, Willem Dafoe, Christian Slater, Shia Labeouf, Stellan Skarsgard – simulando orgasmos; um trailer muito picante; e informações que só fizeram crescer o interesse pelo filme. A produção teria duas versões, uma de quatro horas e outra, essa a chamada versão do diretor, de cinco horas e meia (que deverá ser exibida no Festival de Berlim, em fevereiro). Cada país ainda, de acordo com suas próprias leis, poderia fazer mudanças no filme. O que chega aos cinemas de BH é a primeira parte da versão reduzida, com 110 minutos de duração (a segunda, com 130 minutos, tem previsão de estreia para março).

Charlotte Gainsbourg, musa de Von Trier, é Joe, mulher que Seligman (Skarsgard) encontra ferida na rua. Ele a leva para a casa dele, cuida dela e, em meio a boas doses de chá, ouve sua história. Joe diz não ser uma boa pessoa, no que é contestada por Seligman. Ao longo da conversa, ela tenta provar a ele sua teoria por meio de sua vida sexual. Ninfomaníaca hoje na meia-idade, a mulher (na juventude vivida pela atriz Stacy Martin) despeja, sem meias palavras, um cotidiano de múltiplos (por vezes, uma dezena por dia) parceiros. A narrativa é dividida em cinco capítulos, outra marca da filmografia de Von Trier: 'O pescador exemplar'; 'Jerome'; 'Senhora H'; 'Delirium'; e 'A pequena escola de órgão'. Cada relato é entremeado por observações do ouvinte, que faz suas próprias analogias (que vão de uma simples pescaria, passam pela vida de Edgar Allan Poe até chegar à polifonia de Bach).

Nesse ir e vir de amantes – e cenas de felação, closes de órgãos sexuais masculinos e até mesmo uma punção vaginal, um dos poucos momentos realmente incômodos –, alguns personagens se destacam: o pai de Joe (Christian Slater, em papel que deve lhe dar o prestígio que nunca teve) em seu delírio pré-morte; e a Senhora H (Uma Thurman, sempre competente), na sequência mais leve da narrativa, como mulher traída que se aproveita dos filhos pequenos para ter o marido de volta. A narradora conta todas as histórias sem um pingo de sentimento. Não há amor, mas também não há prazer. A “menina má” se revela uma mulher incapaz de sentir. Espertamente, Von Trier deixa cenas dos próximos capítulos para o final. Em 'Volume 2' vemos Joe em relações sadomasoquistas e lésbicas. É esperar até março para ver se Von Trier vai conseguir o impacto desejado, porque em sua primeira parte, 'Ninfomaníaca' é marcado por uma ausência de empatia com o espectador.

Mais quente

Ainda em cartaz no Cine Belas Artes, o grande vencedor do Festival de Cannes de 2013 tem dividido opiniões. Em 'Azul é a cor mais quente', do tunisiano Abdellatif Kechiche, as descobertas sexuais da jovem Adèle (Adèle Exarchopoulos) são exploradas sem meios-tons. A sequência mais comentada de sexo de Adèle com a artista Emma (Léa Seydoux) dura sete minutos. Sem cortes e com muitos closes.


Sexo,polêmicas e censura


» O último tango em Paris (foto – de Bernardo Bertolucci, 1972)
Maria Schneider ficou marcada definitivamente por seu primeiro papel. E o filme de Bertolucci, apesar da aura cult, é muito mais lembrado pelas cenas explícitas da atriz, então com 19 anos, e um Marlon Brando de quase 50. A mais conhecida delas é aquela em que Paul, personagem de Brando, utiliza manteiga como lubrificante anal.

» Saló ou Os 120 dias de Sodoma (de Pier Paolo Pasolini, 1975)
O derradeiro filme do diretor italiano é um dos mais chocantes da história do cinema. Inspirado na obra do Marquês de Sade, utiliza de toda sorte de perversão (incluindo coprofagia, necrofilia, mutilação) para falar sobre dominação social. Na Itália tomada pelos nazistas, quatro homens poderosos (que representam a nobreza, a Igreja, o Estado e a Justiça) se reúnem para a maior orgia já realizada até então.

» O império dos sentidos (de Nagisa Oshima, 1976)

Hoje objeto de culto, o filme de Oshima, na época de seu lançamento, causou polêmica em todo o mundo. Mostra a relação obsessiva entre ex-prostituta e seu patrão no Japão pré-Segunda Guerra. Os dois se envolvem de tal forma que passam a não se importar com o que ocorre ao redor. Tem cenas antológicas, como o momento em que um ovo cozido é colocado na protagonista, que depois o devolve ao amante.

» Irreversível (de Gaspar Noé, 2002)

Dois amigos matam um homem utilizando um extintor de incêndio. A cena, sem cortes, chama a atenção pela crueldade. Mas foi outra cena, também longa e sem cortes, que fez de Irreversível o assunto na edição de 2002 no Festival de Cannes: o estupro sofrido por Alex (Monica Bellucci), filmado de forma crua e para muitos sádica, que acaba detonando a trama, apresentada de forma não linear.

» Brown bunny (de Vincent Gallo, 2003)
Um motociclista sai de New Hampshire rumo à Califórnia (EUA) para tentar rever a namorada perdida. O roadmovie de Vincent Gallo (também ator, produtor e roteirista do longa) só fará sentido nos 15 minutos finais, tempo em que dura a cena de felação que protagoniza com Chlöe Sevigny. Vaiado em Cannes, o filme saiu consagrado em Veneza, depois que Gallo cortou 20 minutos.

» A serbian film – Terror sem limites (de Srdjan Spasojevic, 2010)
Com problemas financeiros, ex-ator de filmes pornográficos aceita voltar à ativa depois de oferta irrecusável. Só que ele não sabe que a produção que vai participar envolve estupro, necrofilia, pedofilia e variadas perversões. O longa foi proibido em vários países. No Brasil, a polêmica só fez crescer depois que a produção teve sua exibição proibida, em agosto de 2011. O longa só foi liberado no país quase um ano mais tarde, depois de suscitar extensa discussão sobre a censura no país.

» Shame (de Steve McQueen, 2011)
Brandon Sullivan (Michael Fassbender) é um executivo solitário de Nova York. Faz sexo com estranhas noite após noite, masturba-se nas horas vagas, no trabalho. A compulsão sexual só vem reforçar a prisão em que se encontra, a despeito da aparente liberdade de poder fazer o que quiser na cidade mais ativa do mundo. Quando sua irmã o visita, os dois mundos colidem. Vencedor de prêmios em festivais, foi mais discutido do que assistido (sofreu inclusive boicote da rede Cinemark). Na foto, Michael Fassbender e Carey Mulligan.

Assista ao trailer do filme:

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