Festival de Gramado destaca produção mineira e premia pernambucano 'Tatuagem'

Repaginada, 41ª edição do evento inicia retomada da cultura cinematográfica

por Carolina Braga 19/08/2013 00:13

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Edison Vara/PressPhoto
Em um festival aberto às mais variadas linguagens, quase todo mundo saiu de Gramado com um Troféu (foto: Edison Vara/PressPhoto)

Quando embarcou de Belo Horizonte rumo a Gramado, há 10 dias, o cineasta mineiro Gilberto Scarpa carregava muitas incógnitas. Mais que simplesmente apresentar o curta 'Merda!', a missão ia um pouco além: conhecer este tradicional festival gaúcho, que vem tentando mudar de cara. De quebra, daria também para descobrir, com o devido distanciamento, os valores ainda ocultos no próprio filme. A viagem saiu melhor do que a encomenda.

No evento que consagrou o favorito 'Tatuagem', do pernambucano Hilton Lacerda, vencedor do prêmio principal, Scarpa levou o Kikito de melhor montagem, realizada em parceria com Vinícius Gotardelo. “Realmente, a montagem foi muito importante. Mas tem outras coisas boas que descobri aqui, as reações das pessoas, os comentários. Levar o Kikito coroa isso tudo”, comemorou Gilberto Scarpa. O cineasta mineiro pode até ter se surpreendido com o prêmio, mas para além do novo troféu, há algo de interessante por trás da distribuição nem tão inesperada assim dos Kikitos da 41ª edição do Festival de Cinema de Gramado.

DESAFIOS  A confirmação do favoritismo de 'Tatuagem', de Hilton Lacerda; o Kikito de melhor atriz nas mãos de Leandra Leal por sua atuação em Éden, de Bruno Safadi; e a aposta nos diretores Andradina Azevedo e Dida Andrade, estreantes em 'A bruta flor do querer', são os sinais mais explícitos da meta que há dois anos “desafia” os organizadores do Festival de Cinema de Gramado.

“Esse resultado é uma prova de que tem um olhar diferente ali. A curadoria teve um momento muito feliz de trazer alguns filmes que representam tantas possibilidades de cinema”, afirmou Hilton Lacerda. Seu longa-metragem não é propriamente um filme “fácil”. A história, que se passa em 1978, é sobre o conflito entre dois mundos gerados a partir do encontro afetivo de um recruta do Exército com um ator homossexual. Já A bruta flor do querer conquistou defensores e detratores com a experimentação proposta com a trama de um diretor em início de carreira.

A questão é exatamente essa: fazer com que o conteúdo e as linguagens saltem mais das telas do que as estrelas que são veículos disso. Obviamente não é uma tarefa fácil para um evento que durante tantos anos parecia dar mais importância a quem desfilava no tapete vermelho do que aquilo que se passava dentro da sala de cinema. A edição de 2013 deixa o seguinte recado: o processo de retomada da cultura cinematográfica está em curso.

Arte / EM
(foto: Arte / EM)
NOITES FRIAS
“Acho que houve mais uma abertura do que mudança”, avalia o cineasta mineiro Marcos Pimentel. Com 15 curtas no currículo e muita história em festival para contar, apesar de ter sido a primeira vez que esteve em Gramado – com 'Sanã' –, o que observou foi que o eterno dilema entre o cinema de autor e a presença de celebridades ainda abala o evento. “Sinto que tem uma evolução, mas também noto que é tudo milimetrado para não mudar demais do perfil que é importante para a cidade”, completa Gilberto Scarpa.

Como os mineiros salientam, devido à força que o turismo tem em Gramado, há uma espécie de choque cultural envolvendo o festival. Por exemplo, o tradicional tapete vermelho fica montado em uma rua coberta cercada de bares. Durante o dia, o clima é de badalação, quase como se fosse um deck de iates poderosos frequentado pela burguesia. “Esse público vai querer ver filme de autor? Não, não vai”, salienta Marcos Pimentel.

Fruto disso, a relação entre plateia e filme também parece bastante distinta. “Dentro da sala tem muito jornalista, realizador, equipes completas, mas não tem o público da cidade”, comenta Scarpa. Há claramente um público que vem para Gramado atraído pelo festival, mas não necessariamente para consumir os filmes, debatê-los. Enfim, gerar encontros motivados pelo cinema. Restam valiosos retornos da crítica especializada e de colegas realizadores.

Os organizadores estão de olho nisso. Com a plateia cada vez mais especializada, é notório o quanto os aplausos desapareceram, para desespero do curador, Rubens Ewald Filho. “Vocês não sabem como sofro a cada filme que passa. Se não está funcionando, eu fico absolutamente transtornado. Cadê as palmas? Que diabo aconteceu? Os filmes são emocionantes, expressem essa emoção”, provocou o crítico.

A timidez nas palmas não foi exclusividade das sessões. Até mesmo a cerimônia de premiação foi um espetáculo frio. O único momento que destoou disso foi com o anúncio do nome de Walmor Chagas como melhor ator coadjuvante, pela participação em A coleção invisível.

OFICINAS “Acho que estamos em um processo. As pessoas estão se acostumando de novo com a poltrona do nosso cinema. Não tenho dúvida de que à medida que avançamos vamos voltar a ter 10 minutos de aplausos”, aposta Ralfe Cardoso, responsável pela coordenação do festival.

Segundo ele, o objetivo é retomar a cultura cinematográfica na cidade. Está marcado para setembro o início das oficinas de cinema para a comunidade. “Queremos que não só a geração atual chegue ao palácio dos festivais, mas que as próximas nos digam que esse palácio é pequeno. Queremos disputa de ingressos, queremos qualificar esse espectador e sim, eventualmente, ter aqui um grande polo”, planeja Ralfe.

PASSANDO A EXISTIR Por mais que o diretor Hilton Lacerda afirme surpresa em relação ao resultado final em Gramado, desde que 'Tatuagem' apareceu na telona do Palácio dos Festivais a vitória era dada como certa. A conquista de quatro prêmios – três Kikitos para filme, ator (Irandhir Santos) e trilha sonora (DJ Dolores) e o troféu do júri da crítica de melhor longa – o consagra como grande vencedor de uma noite em que ninguém da competitiva nacional saiu de mãos abanando. Todos os filmes que participaram levaram pelo menos um prêmio.

Já na competitivas internacional e de curtas-metragens foi diferente. Entre os estrangeiros, embora o documentário Repare bem, dirigido pela portuguesa Maria de Medeiros, tenha levado o Kikito de melhor filme, o destaque da noite foi o colombiano Cazando Luciérnagas, de Roberto Flores Prieto – ele faturou quatro prêmios. Entre os curtas, o maranhense Acalanto, de Arturo Sabóia conquistou cinco: filme, direção, atriz (Léa Garcia), trilha sonora e direção de arte.

Apesar de seus 41 anos, o Festival de Gramado nitidamente corre em busca de sua identidade. Mesmo que esteja atravessando um momento de calibragem, para o documentarista Marcos Pimentel tudo aquilo que já representou no passado ainda serve como uma chancela poderosa para quem é escolhido para estar nas telas. “É como se aqui você passasse a existir”, resume.

* A repórter viajou a convite do festival

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