Blocos carnavalescos protestam no morro e no asfalto: chega de racismo, inclusão social já!

Seu Vizinho e Rapique defendem inclusão social e condenam racismo. Política deu o tom no Garotas Solteiras e Corte Devassa

Ana Mendonça* Pedro Lovisi* Roger Dias 25/02/2020 04:00
Roger Dias/EM/D. A Press
Seu Vizinho desceu do Aglomerado da Serra com o lema 'Sou poeta, sou favela, sou travesti, sou mulher, sou pobre' (foto: Roger Dias/EM/D. A Press )
O carnaval de Belo Horizonte já é um marco não só pela quantidade enorme de foliões, mas também pelos diversos protestos sociais e políticos engajados nos blocos. A tarde de ontem foi de manifestações contra os governos de Romeu Zema (Novo) e Jair Bolsonaro no Repique, Seu Vizinho, Corte Devassa e Garotas Solteiras, com críticas pesadas ao desrespeito às minorias. Seja nas comunidades mais carentes ou em áreas da Região Centro-Sul, a mensagem passada pelos foliões e blocos foi uma só: é preciso que os governos sejam atuantes nas políticas de inclusão social e também no repúdio ao preconceito.

Com rap e funk no repertório, irreverência e batalha de rimas, os blocos Rapique e Seu Vizinho mostraram ao Brasil que, pelo menos na capital mineira, a música da periferia também faz parte do carnaval de rua. Um dos destaques do Rapique foi a presença do rapper mineiro Djonga. Ao lado do músico Kdu dos Anjos, do Lá da Favelinha, o bloco arrastou uma multidão de jovens pela Avenida dos Andradas, no Bairro Santa Tereza. Por lá, o som também ficou por conta dos cantores Rosa Neon e Hot e Oreia.

Leandro Couri/EM/D.A Press
O Corte Devassa, que levou uma multidão às imediações da Rua Sapucaí, não poupou críticas a Zema e Bolsonaro (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Com músicos que fazem sucesso entre jovens de várias classes sociais, o bloco tinha o objetivo (e conseguiu) de arrastar pessoas de várias regiões periféricas à Região Central de BH. Leonardo Salles, de 20 anos, morador de Venda Nova, foi à Região Leste da capital só para ouvir Djonga. O folião disse que assistiu a um show ao vivo do cantor pela primeira vez no Planeta Brasil. “Conheci o Djonga por causa do Sidoka. Esses caras são brabos”, afirmou.

E há quem tenha saído de ainda mais longe do Santa Tereza só para acompanhar o rapper.  Regiane Cristina, mãe de Vitória Camila, de 18, é moradora do Bairro Citrolândia, em Betim, na Grande BH. “Aprendi a gostar dele, porque onde ele vai, ela quer ir e eu acompanho”, conta. Assim que Djonga chegou ao local, ainda no momento de concentração do bloco, os foliões já se embalaram com o hit do rapper: “Abram alas pro rei”, cantavam os enlouquecidos fãs.

No momento de manifestação política, quem teve a voz de destaque foi Kdu dos Anjos. Enquanto os foliões entoavam canto contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o músico pediu: “Pessoal, vamos mudar. A música correta é Bolsonaro vai tomar polícia porque tomar no c* pra muita gente é uma delícia”.


Leandro Couri/EM/D.A Press
Priscila Pratta se diverte com outros foliões no Devassa e manda recado: %u201CA ironização da monarquia é uma metáfora da crítica contra o sistema hoje%u201D (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

DENTRO DA FAVELA 


No Seu Vizinho, que nasceu no Aglomerado da Serra, a temática mais forte foi a luta contra as desigualdades sociais e raciais. “Sou poeta, sou favela, sou travesti, sou mulher, sou pobre, sou do axé”, dizia o slogan fixado no trio elétrico. O bloco que desfilou pela Avenida Mendes Sá, no Santa Efigênia, contou com a presença da cantora Babi Carvalho e do rapper MC GTA da Serra, que comandaram a festa. Mas o momento de maior vibração dos foliões foi quando o adolescente Daniel Tubarão, de 13, assumiu a regência da bateria composta por 50 músicos. “É um momento emocionante. Já regi a bateria nos ensaios, mas aqui, com essa multidão, tudo é muito diferente”, conta Tubarão, que cresceu no Aglomerado da Serra ouvindo rap.

“Esse bloco aqui é o melhor de Belo Horizonte. Valorizamos todos”, afirmou Babi, que, além de hits da Banda Eva e Ivete Sangalo, interpretou músicas próprias do Seu Vizinho, contando o dia a dia da comunidade do Aglomerado da Serra. Segundo a organização do evento, 40 mil pessoas participaram do desfile.

Bárbara Carvalho, de 27, esteve pela terceira vez no bloco. Para ela, o Seu Vizinho representa a chance de toda a população dividir o mesmo espaço. “É a chance de juntarmos favelas e periferias com a Zona Sul. Colocarmos ricos e pobres no mesmo lugar.” George Fernando, de 30, percussionista há muitos anos, também teve o mesmo pensamento: “A diversidade aqui é o nosso diferencial”.(RD) (PL*)

*Estagiário sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro



Política e prazer no Devassa


Com o tema “Homenagem às rainhas”, o Corte Devassa empolgou os foliões que foram à Rua Sapucaí, na Região Leste de Belo Horizonte, nesta segunda-feira (24). Formado há nove anos por alunos do curso de teatro da Fundação Clóvis Salgado (Palácio das Artes), o bloco atrai uma multidão bem-humorada e criativa. As fantasias, ponto alto do cortejo, são inspiradas na antiga Corte e misturam carnaval com política. Durante o desfile, houve protestos contra o governador Romeu Zema (Novo) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em meio aos gritos de “Não, eu não me engano, o Bolsonaro é miliciano”, os foliões seguiam o percusso do bloco com perucas à la Maria Antonieta, reis cobertos de pancake, muito laquê e roupas de veludo. A chuva não desanimou quem estava na Sapucaí. O governador Zema também foi duramente criticado, principalmente nas áreas de cultura e educação.

Levantando bandeiras feministas, LGBT e gritando palavras de ordem, o bloco fez também um discurso politizado. “Estamos aqui para zoar esses brancos, héteros, que se acham melhor que nós todos os dias. Isso tudo aqui é uma brincadeira com quem não nos protege”, gritou a organizadora do bloco, Lira Ribas.

Carlos Monteiro passou a segunda-feira na Corte Devassa. “O carnaval é um ato político, principalmente em BH, por ele ter surgido de uma manifestação”, afirmou. Maria Julia, foliã convicta do bloco, aprova o Hino da Corte. “Quando escuto, até arrepio. O hino faz parte do carnaval. Crítica essa gente que critica a gente o ano inteiro”, disse. Vanize Passos levou o filho Felipe, de 7, para conhecer a folia: “Acho importante ele ver esse tipo de manifestação para saber como mundo é. Um movimento importante”. 


MARIA SAPATÃO 


Marchinhas como Maria sapatão e Mamãe eu quero tiveram as letras alteradas pelos foliõe, que cantavam: “Maria sapatão, sapatão, de dia é Maria, de noite é também”. (AM*)

*Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro


Roger Dias/EM/D. A Press
Em defesa da comunidade e direitos LGBT , o bloco Garotas Solteiras levou cerca de 200 mil pessoas à região da Avenida Brasil (foto: Roger Dias/EM/D. A Press)

Sem preconceito de raça e gênero


Em seu quinto ano consecutivo de apresentação nas ruas de Belo Horizonte, o bloco Garotas Solteiras voltou a adotar um tom crítico contra o preconceito com todas as raças e gêneros, além de protestar contra o governador Romeu Zema (Novo) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Num discurso inflamado, os organizadores do bloco se queixaram do posicionamento do mandatário da República em relação à comunidade LGBT+.

O movimento pop, que começou com um pequeno grupo de amigos em 2016, recebeu ontem à tarde cerca de 200 mil pessoas na Avenida Brasil, na Região Centro-Sul da capital. O bloco teve como principal homenageada a cantora norte-americana Beyoncé, mas fez menções honrosas à brasileira Elza Soares. “Elza é uma cantora de quase 90 anos, preta e que nasceu pobre. Mas tornou-se uma gigante”, disse o vocalista Edu Ruas. Além do pop, o repertório fez referências a outros estilos, como o funk e o soul.

O Garotas Solteiras vem crescendo ano a ano, superando a expectativa de público. Em 2019, por exemplo, a expectativa era contar com 50 mil foliões, mas a festa acabou tendo 200 mil. Ontem, a multidão se espalhou novamente e agitou a região. “Em 2016, foi nosso primeiro carnaval. Tivemos a finalidade de promover a música pop no carnaval de Belo Horizonte. Nosso repertório conversa muito com a comunidade LGBT e com o movimento feminino. Por isso, nossa intenção é sempre colocar várias mulheres nos vocais”, afirma o coordenador do bloco, Jhonata Melo.


ACOLHIMENTO 


Apesar de os jovens dominarem o espaço, a festa teve pessoas de todas as idades. É o caso de Rita de Cássia Ferreira, de 51 anos, que faz parte da comissão de frente e participa do bloco desde sua fundação. “Acolhemos todo mundo no carnaval, o que faz com que nosso bloco seja um dos mais democráticos.” Cristóvam Dias, de 25, usou uma fantasia que homenageou Lady Gaga e também o clip da música Contatinho, de Léo Santana e Anitta. “A gente está numa caminhada longa. O desafio é difícil, mas sempre temos de pregar amor, respeito e diversidade.” (RD)

Microfone aberto do Uai

Jesus abençoa

Fred Botrell/EM/D. A Press
(foto: Fred Botrell/EM/D. A Press)

Aparentemente, a chuva atiçou os foliões e fez despencar o nível do “Tô no carnaval, Uai”, nosso quadro em vídeo com um microfone aberto no meio da folia de BH. Pedimos, portanto, licença aos leitores do Grande Jornal dos Mineiros para avisar que no carnaval pode. No terceiro episódio, aprendemos a dançar uns proibidões e a soletrar as palavras “férias” e  “bunyta” – aprenda você também e que Jesus te abençoe, amém. Veja tudo em www.uai.com.br/carnaval.


MAIS SOBRE CARNAVAL