Desfile da Banda Mole tem críticas à cartilha, homenagem a Son Salvador e sátiras do governo Bolsonaro

Confusão entre foliões, equipe de segurança e Guarda Municipal também marca a programação, que inaugurou a passagem dos grandes blocos pelo Centro de BH

Gabriel Ronan 15/02/2020 20:04
Túlio Santos/EM/D.A Press
Banda Mole fez seu 45º desfile em Belo Horizonte neste sábado (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

 
“Nós nos vestimos assim para homenagear os índios”. Esse foi o tom do posicionamento dos foliões que se vestiram exatamente de maneira contrária à polêmica recomendação feita pelo Conselho Municipal de Igualdade Racial ontem, durante o desfile da Banda Mole, que percorreu a Avenida Afonso Pena entre as ruas Bahia e Guajajaras, no Centro de BH. O bloco mais antigo da capital mineira completou 45 anos e, como é de costume, arrastou diversas pessoas que se vestiram com adereços ligados a diferentes povos e gêneros, que, segundo a entidade ligada à prefeitura, é uma apropriação cultural “estereotipada” e que nada tem a ver com homenagem. O que ficou, sem dúvidas, marcado como tributo foi uma faixa da organização do bloco em referência a um dos fundadores da Banda Mole: o chargista Son Salvador, que ilustrou as páginas do Estado de Minas por 43 anos e faleceu em novembro do ano passado. 
 
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Desfile da Banda Mole tem críticas à cartilha, homenagem a Son Salvador e sátiras do governo Bolsonaro (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press )
 

O desfile da Banda Mole se estendeu da tarde até a noite e foi um teste para ver como os foliões reagiriam à recomendação do Conselho Municipal de Igualdade Racial. Para o funcionário público Paulo Sabino, de 41 anos, as indicações da entidade vão na contramão do que o carnaval, historicamente, carrega simbolicamente. Ele estava ao lado de três amigos, todos vestidos com adereços indígenas. “Eles têm que ouvir os índios. Eu comprei esse colar e esse cocar na mão de indígenas aqui em BH. É o ganha-pão de muitas famílias. Mas, se você fala que não pode, essas famílias vão morrer de fome. É uma maneira de prestar homenagem a eles”, garante o homem. 

Ao lado dele, estava outro funcionário público, que não quis se identificar. “Nós nos sentimos bem assim. A gente sempre se veste assim. Isso não é coisa para o conselho se preocupar”, criticou outro homem. Em sua recomendação, o conselho, no entanto, vai na contramão dos servidores públicos. “Exigimos respeito à nossa cultura e ao que nos é sagrado. As vestimentas e ornamentos indígenas compõem sua tradição e, por usá-las, indígenas são frequentemente violentados(as)”, sustenta o texto publicado no Diário Oficial do Município (DOM). 

Do lado da festa, a Avenida Afonso Pena foi tomada por diferentes gênero musicais: o axé da Banda Mole e o funk improvisado por foliões em caixas de som. O público só começou a ir embora quando tempo fechou, por volta das 17h30, quando uma chuva de pequena intensidade caiu sobre o Centro de BH. “Nesses últimos anos, o carnaval de BH se consolidou. É inegável a nossa contribuição para esse ressurgimento. A Banda Mole é o bloco mais antigo da história da cidade. É uma verdadeira manifestação cultural”, afirma Luiz Mário Ladeira, o “Jacaré”, um dos fundadores da atração carnavalesca. 
 

Homenagem e sátiras


Outro fundador do bloco, o chargista Son Salvador foi homenageado pela Banda Mole com um faixa. Amigos lembravam o legado do ilustrador do jornal Estado de Minas. “Eu participei com o Son da Banda Mole por muitos anos. Estou aqui há 30 anos e sempre com ele ao meu lado. Era um profissional e companheiro excepcional”, destaca Walter Laurindo. Jacaré, o porta-voz do bloco, também lembrou de Salvador. “Um amigo do peito. Chegamos a ser sócios em uma empresa. Tivemos outro projeto paralelo, também dedicado ao carnaval. Era uma alegria muito grande conviver com ele”, ressalta. 

Outra faixa da organização do bloco tirava sarro do ministro da Educação Abraham Weintraub, relembrando as gafes cometidas por ele desde que assumiu a pasta, como escrever “imprecionante (sic)” pelas redes sociais. Entre os bonecos de Olinda que decoravam a festa também havia sátiras do ex-governador Fernando Pimentel; de Fabrício Queiroz, ex-assessor da família Bolsonaro, vestido de laranja; e do presidente Jair Bolsonaro, que voltou a ser alvo de xingamentos. 

Confusão

 
A Banda Mole não só abriu a porta dos grandes blocos do carnaval 2020, mas também inaugurou a onda de confusões que sempre atrapalha a festa de quem só quer curtir. Ontem, na entrada da esquina da Rua Bahia com a Avenida Afonso Pena, foliões forçavam a entrada sem revista de uma empresa de segurança terceirizada pela organização do bloco. A Guarda Municipal precisou intervir e spray de pimenta foi lançado contra as pessoas, que classificaram a ação como abusiva. 

“Não vende comida aqui dentro do bloco, então saímos para comprar uma esfirra. Quando tentamos voltar, estava essa bagunça. Gastamos meia hora para chegar aqui de novo. Começaram a empurrar e deu um tumulto danado. Estava sufocada ali”, reclama Tânia Maria Lopes Pereira, moradora do Bairro Planalto, Região Norte de BH. “Eles jogam spray na cara do trabalhador. Do bandido, não”, completa Aldo Júnior da Silva, morador do mesmo bairro. 

“Ano que vem, eu vou pro Rio de Janeiro mesmo”. Esse foi o tamanho da indignação de Edirlane Oliveira, de 42 anos, que saiu do Bairro São Cristóvão, na Região Noroeste de BH, para ir à Banda Mole com a sobrinha de apenas 5 anos. Ela só conseguiu se livrar da confusão quando um segurança da organização viu que ela estava acompanhada de uma criança e a escoltou até a entrada. 

Procurada, a Guarda Municipal confirmou que o incidente aconteceu na localização informada acima, mas negou o uso do spray de pimenta. Já a Polícia Militar que estava de plantão no local informou que não tinha responsabilidade na confusão e havia registrado apenas ocorrências de pequenos furtos, como objetos pessoais e celulares. 

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