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Escritora Conceição Evaristo lança livro dando voz às mulheres negras brasileiras

Autora também participará de debate sobre Histórias de leves enganos e parecenças neste sábado

Márcia Maria Cruz
- Foto: Luciana Serra/Divulgação
“A racionalidade não explica nem a vida nem a morte”. A constatação da escritora Conceição Evaristo bem pode ser aplicada à experiência de vida dessa mulher que completa 70 anos no próximo 29, e, apesar das dificuldades impostas por uma infância pobre e atraso em sua formação, criou identidade literária que propõe deslocamentos. Na data comemorativa, ela pretende percorrer as ruas de Belo Horizonte onde passou parte da vida, antes de se radicar no Rio de Janeiro, e ainda dedicar momentos à mãe, Joana Josefina Evaristo Vitorino, que mora em Contagem.

Conceição será homenageada no lançamento da coletânea Escrevivências: Identidade, gênero e violência na obra de Conceição Evaristo, da Editora Idea, organizado por Constância Lima Duarte, Cristiane Côrtes e Maria do Rosário Pereira, com quem a autora divida a mesa de debate hoje.

No auge de sua produção literária, a escritora lança Histórias de leves enganos e parecenças, pela Editora Malê, no qual mergulha no universo do inexplicável, do encantamento e do mistério. “Algumas culturas têm dificuldade de viver com o segredo. Pensa na psicanálise que busca esgotar a origem do trauma das pessoas. Outras, porém, não estão interessadas em explicar os mistérios. Lidam bem com o encantamento.”

Em Histórias de leves enganos e parecenças, Conceição inaugura estética com a qual flertou em Ponciá Vicêncio: realismo mágico e literatura insólita. “Busco inspiração no universo da hiper-realidade, do realismo mágico.” O livro é definido por ela como um processo catártico, que resultou em 12 contos e uma novela, que trazem à cena mulheres negras e a maneira como as histórias criadas por elas se tornam suporte para lidarem com a realidade.
“São mulheres de quem, historicamente, ouço falar. São mulheres africanas cujos descendentes foram escravizados, que resistiram e palmilharam nossos caminhos”, define.

Nascida na favela do Pendura Saia, no Alto da Avenida Afonso Pena, Conceição foi cercada por mulheres e homens da comunidade. Para ela, essas mulheres, mesmo diante de situações adversas, de luta e dor, criaram espaço para o lazer. “Lembro-me de minha mãe fazendo doces para a congada e flores de papel crepom. Apesar de toda dor e dificuldade, bordava vestidos a mão para os bailes”, diz. Conceição reverencia como “essas mulheres criam espaços para a alegria, riem das próprias dores e, de maneira resiliente, conquistam lugares que lhes são negados por serem negras e mulheres”.

Ao completar sete décadas e com título de doutora, ela sentencia que a filha Ainá Evaristo de Brito, de 35, é sua mestra. “É um mistério. Chegou na minha vida para eu ter a experiência com o mistério. Por causa de uma síndrome, em alguns momentos, tem uma defasagem, mas, em outros, a mestra é a Ainá. Tem uma sabedoria que a razão não explica. É o encantamento”. Ponciá Vicêncio, publicado pela Mazza Edições, foi o livro que a apresentou ao público. Depois veio Olhos d’água, da Editora Pallas, terceiro lugar no Prêmio Jabuti na categoria contos em 2015.

ESCREVIVÊNCIAS

Na avaliação de Conceição, as mulheres negras não deixam de ser abordadas na literatura, mas a forma como aparecem “não contempla positivamente a identidade negra”.
“Estão na literatura como mãe preta, mulheres sedutoras, aquelas das primeiras relações da prole colonizatória, a negra gostosa de cama.” Conceição se lança à tarefa de “ficcionar” as mulheres negras, criar personagens que contemplem sua condição humana, seus dramas vividos, sua resiliência com que tecem a realidade ao redor. Como autora negra, Conceição devolve “o lugar da humanidade que foi retirado do sujeito negro”.

Em Escrevivências, a professora de literatura brasileira da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Constância Lima Duarte chama a atenção para a maneira como gênero, classe e etnicidade se interlaçam nos escritos de Conceição. “Predominam em sua obra as angústias, os temores, a sexualidade e, principalmente, demonstrações de força e de generosidade femininas.”

Fuks vence Jabuti


São 27 categorias, mas, sem dúvida, a mais badalada do Prêmio Jabuti é o de Livro do Ano Ficção, vencido pelo escritor paulistano Julián Fuks por seu A resistência (Companhia das Letras). A trama se passa entre a Argentina e o Brasil na época em que ambos os países viviam sob ditaduras militares, mas é a busca pelo passado e seus elos familiares que é o foco da narrativa. O escritor já havia sido finalista do prêmio com Procura do romance (2012)Fuks declarou não esperar vencer a 58ª edição do prêmio, pelo qual receberá R$ 35 mil, valor que será dividido entre os vencedores do prêmio de Livro do Ano de Não Ficção, concedido a Dicionário da História Social do Samba (Civilização Brasileira), de Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, e a Mario de Andrade: Eu sou Trezentos: Vida e Obra (Edições de Janeiro), de Eduardo Jardim.

A edição de 2016 prestou homenagem à escritora Lygia Fagundes Telles, com o prêmio Personalidade Literária. A premiação, organizada pela Cãmara Brasileira do Livro, foi realizada no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, na noite de quinta-feira. Os vencedores deste ano foram escolhidos  por profissionais do mercado editorial entre mais de 2,4 mil obras inscritas.

Na categoria Poesia, foi contemplado Arnaldo Antunes por Agora aqui ninguém precisa de si (Companhia das Letras). É a segunda vez que o poeta e cantor recebe o Jabuti – o primeiro foi por As coisas, em 1992. Entre os infantis, Roger Mello levou por Inês (Companhia das Letras). O Jabuti de Reportagem e Documentário foi para Daniela Arbex.
Ela, que em 2014 havia ficado em segundo lugar na categoria com Holocausto brasileiro (Geração Editorial), ganhou neste ano por Cova 312 (Geração). Seu livro sobre a busca pelo corpo do militante Milton Soares de Castro, único civil da guerrilha do Caparaó, superou A outra história da Lava-jato (também da Geração), de Paulo Moreira Leite, e A noite do meu bem (Companhia das Letras), de Ruy Castro.

ESCRIVIVÊNCIAS: IDENTIDADE, GÊNERO E VIOLÊNCIA NA OBRA DE CONCEIÇÃO EVARISTO
. Organização: Constância Lima Duarte, Cristiane Côrtes e Maria do Rosário Pereira
. Editora Idea, 316 páginas, R$ 40

HISTÓRIAS DE LEVES ENGANOS E PARECENÇAS
. De Conceição Evaristo
. Editora Malê, 108 páginas, R$ 34

Lançamento

Hoje, a partir das 10h, no Idea Espaço Cultural (Rua Bernardo Guimarães, 1.200, Funcionários). Entrada franca..