Conheça o trabalho dos produtores de elenco, que encontram a pessoa certa para papel no cinema ou TV

Veteranos e novatos na profissão contam ao EM seus segredos para acertar a escalação

por Ana Clara Brant 05/02/2017 11:00
Ramon Lisboa/EM/D.A.Press
A atriz Erika Januza, de Contagem, foi descoberta pelo produtor Anderson Cassimiro para estrelar a produção global Suburbia (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A.Press)
Em 1990, quando o elenco da novela Pantanal, da extinta TV Manchete, estava sendo escalado, o diretor Jayme Monjardim sugeriu o ator Carlos Alberto para interpretar dois dos personagens mais importantes da trama, o fazendeiro José Leôncio e o enigmático Velho do Rio. A então diretora de elenco da emissora, Márcia Ítalo, pensou em outro nome, Cláudio Marzo. A escolha de Monjardim e da direção do canal acabou prevalecendo.

Quando as gravações se iniciaram, no Mato Grosso, o diretor percebeu que a indicação de Márcia era, na verdade, a mais apropriada. “Ele me ligou do Pantanal e disse que o Carlos Alberto não estava resultando no que ele esperava. Isso não significa que o Carlos era melhor ou pior ator do que o Cláudio Marzo, mas ele não tinha a energia e não se encaixou no perfil que o papel pedia. Isso acontece. O Jayme acabou tendo que reconhecer que, naquele momento, eu tinha razão. Tanto que o Cláudio arrasou e foi um dos destaques da produção. Não há como imaginar Pantanal sem ele”, comenta a hoje diretora de elenco do SBT.

Nesse mesmo folhetim, Márcia acabou sendo responsável por relançar a carreira de uma das grandes atrizes brasileiras, Jussara Freire, que brilhou no papel da dedicada empregada Filó. “Mais do que saber qual intérprete é adequado para determinado papel ou descobrir um novo talento, o produtor de elenco também é aquela figura capaz de relançar um artista”, diz Márcia, que, na década de 1980, junto com José Wilker, inaugurou o primeiro departamento de elenco num canal de TV no Brasil, no caso, a Manchete. “Abrimos um novo mercado. Havia departamento de elenco no cinema, nas agências de publicidade, menos na televisão. Tenho muito orgulho desse pioneirismo”, diz ela.

Essa perspicácia e esse olhar apurado Márcia Ítalo adquiriu assistindo assiduamente, desde menina, a espetáculos teatrais. Uma das montagens que mais a marcaram foi Capitu, inspirada na obra de Machado de Assis e dirigida por Ziembinski (1908-1978). “Eu ia todos os dias. Fiquei amiga do pessoal da bilheteria, conversava com a produção, atores, diretores, acompanhava os ensaios. Ia em todas as peças que eu podia. Esse olhar de saber o que é melhor é uma mistura de intuição, treino e experiência”, afirma.

O mineiro Anderson Cassimiro, que atua no segmento há sete anos e tem uma agência de atores, diz que seu trabalho funciona como uma “lupa” e que, nas pesquisas de seleção de elenco, tenta sempre captar o sutil, aquilo que não se percebe ao acaso. “Creio que os principais desafios numa seleção de elenco, além do perfil solicitado, é que a pessoa tenha carisma e uma espontaneidade natural. Isso tanto para uma campanha publicitária quanto para TV e cinema. O produtor de elenco é, na verdade, um descobridor de talentos, pois grande parte dos perfis encontrados nas minhas pesquisas são pessoas sem nenhuma experiência na área. Funciona exatamente como uma espécie de olheiro no futebol”, define.

Uma das “pedras preciosas” encontradas por ele foi Erika Januza, de Contagem, protagonista da série Suburbia, de Luiz Fernando Carvalho. O produtor lembra que ela não possuía experiência alguma com interpretação e se encaixava no que a Globo buscava na época: uma jovem negra, bonita, espontânea e com habilidades para a dança, pois a minissérie possuía uma linguagem naturalista. “Na verdade, o naturalismo foi tão forte que, em alguns instantes, a história da personagem se parecia com a da atriz e de tantos outros atores do elenco. Depois disso, Erika foi contratada pela emissora e estrelou vários trabalhos, como Em família, de Manoel Carlos, e atualmente está no ar na trama das 18h, Sol nascente. Neste ano, ela ainda estreia no cinema, com o longa O filme da minha vida, de Selton Mello”, destaca.

Anderson Cassimiro acrescenta que o que motiva um bom produtor de elenco é o desafio. Segundo ele, quanto maior o grau de complexidade do perfil exigido, mais prazerosa é a busca. “A partir do momento que recebemos o perfil do personagem, seja das emissoras de TV, das agências de publicidade ou dos diretores, saímos às ruas atrás dessas pessoas. Temos que fazer um estudo muito completo sobre as potencialidades de cada personagem e verificar quais os atores/atrizes estão mais preparados para aquele desafio. Na forma, atuamos como facilitadores. Nosso olhar apurado, adquirido ao longo de anos de experiência, é que nos possibilita acertar nessas escolhas”, diz.

Rodrigues/TV Globo
A aptidão de Erika Januza para a dança foi decisiva para que ela conquistasse o papel na série de Luiz Fernando Carvalho. Hoje, a atriz está no elenco de Sol nascente (foto: Rodrigues/TV Globo)

REALITY Cássia Guindo, produtora de elenco da Moonshot Pictures, que produz tanto para o cinema quanto para a TV, revela que o trabalho começa com a leitura do roteiro. A seguir, vem o estudo completo das personagens. “Logo depois, me reúno com a direção para ver se nossas ideias são semelhantes ou diferem totalmente sobre cada personagem. Fazemos os testes e começamos a seleção. Só quando a direção/produtor de elenco não tem dúvida ou já trabalhou com determinado ator/atriz chamamos direto. Depois de contratar os atores, acompanhamos a preparação, leitura do roteiro, ensaios e o cotidiano da filmagem. É uma jornada longa. A equipe de elenco normalmente é a primeira a chegar no set e a última a sair”, descreve.

Além de longas e seriados, a Moonshot se destacou em produções de televisão, como The taste Brasil, Cozinheiros em ação e Brazil’s next top model, do universo dos realities. Cássia explica que, nesses programas, a busca por participantes ocorre em contextos totalmente diferenciados. “A pesquisa começa com o cardápio do que se pretende mostrar. Depois vamos à procura dos participantes, sempre procurando realidades de vida diferentes, para que o público se espelhe e tenha afinidade com o programa. No caso da busca pelo artista, é bem diferente. O universo do ator, que está sempre se aprimorando em sua técnica, é o conhecido; seu trabalho será ficcional, a partir de um texto ou roteiro anteriormente já definido”, diz.


Jeitinho mineiro de selecionar

 

Vencedor da Mostra Autora do 20º Festival de Tiradentes, que terminou na semana passada, o filme Baronesa teve a própria diretora, Juliana Antunes, como produtora de elenco. O processo não foi fácil. Para contar a história de duas vizinhas de um bairro da periferia de BH que tentam se desviar dos perigos de uma guerra do tráfico e evitar as tragédias trazidas junto com a chuva, a cineasta percorreu pelo menos 50 bairros da capital, até encontrar suas protagonistas.

“Nossa equipe de quatro profissionais começou a frequentar os salões de beleza, porque são lugares onde a mulherada se encontra, fala da vida. Não dava para chegar e bater na porta da casa das pessoas na cara dura”, lembra Juliana. Depois de muita luta, ou melhor, de um processo de “guerrilha”, ela finalmente encontrou as suas estrelas, Andreia Pereira e Leidiane Ferreira.

Pepeca Pictures/Divulgação
Leidiane teve de ser convencida pela diretora Juliana Antunes a participar do longa Baronesa, vencedor da edição 2017 da Mostra de Tiradentes (foto: Pepeca Pictures/Divulgação )

ENCAIXE Depois da descoberta, começou o processo de convencimento, já que ambas relutaram em participar. “Acho que o segredo do produtor de elenco, ainda mais aqui em Minas, onde a gente não tem tanta estrutura e a coisa é mais artesanal, é não ficar muito preso se a pessoa tem DRT, se é ator de formação. O importante é se ela se encaixa na proposta do filme, do roteiro”, afirma.

Novato no ramo, Gustavo Ruas estreou como produtor de elenco em Arábia, filme de Affonso Uchoa e João Dumas, que participa da edição 2017 do Festival de Roterdã (Holanda), que termina hoje. “Geralmente, quando recebo o roteiro de um filme, faço uma análise dos personagens e apresento para a direção as minhas ideias de elenco para cada personagem, falando o que já vi (espetáculo, filme, performance) da pessoa, porque acho que o perfil se encaixa e faço a minha defesa para um possível teste”, revela.

Ruas diz que o produtor de elenco apresenta possibilidades para que a direção do trabalho selecione o ator. A autonomia do produtor de elenco, diz ele, se restringe à apresentação dos possíveis escolhidos, com liberdade para defender a escolha que julgar mais adequada. “Nas minhas experiências, após um teste, a direção e eu sempre nos sentamos para conversar sobre as potências ou fragilidades do ator. Acho que o que mais atrai nessa profissão é a possibilidade de ver tanta gente potente, talentosa e incrível do teatro começar a trabalhar com cinema e/ou vídeo, pois sei que muitas vezes o que falta é apenas uma oportunidade”, opina.

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