Casos de depressão aumentam 18,4% em uma década, e doença é o mal do século para a OMS

Médicos defendem que o tema seja mais discutido para acabar com o estigma e esclarecer os mitos comuns ao debate

*Enviada Especial

Reprodução/Internet/fibromyalgia.newlifeoutlook.com
(foto: Reprodução/Internet/fibromyalgia.newlifeoutlook.com)

São Paulo -
O jovem Orestes está triste. Sentado em uma posição displicente, ele parece olhar para o nada, cabisbaixo. Ao seu redor, o sacerdote tenta curá-lo, em uma cerimônia de purificação. Sabe-se, pela peça de Eurípedes, que ele é atormentado pelas Fúrias. São espíritos que roubaram do príncipe de Micenas a fome, a motivação (até para tomar banho) e o vigor. Desde que, estimulado pelo deus Apolo, Orestes matou a própria mãe, ele só quer saber de dormir, chora frequentemente, sente-se exausto e desesperançoso. Em um vaso grego de 400 a.C., a representação visual da tragédia não deixa dúvidas: ele sofre de depressão.

Escolhida como tema do ano pela Organização Mundial de Saúde (OMS), essa é uma doença crônica tão antiga, que textos babilônicos e egípcios de 4 mil anos atrás já faziam referências aos sintomas. Naquela época, qualquer perturbação da mente era atribuída à possessão demoníaca. Hoje, esses “demônios” internos atormentam 320 milhões de pessoas pelo globo, um aumento de 18,4% no número de diagnósticos em comparação com 2005. Apesar de milenar e de atingir tanta gente, a depressão ainda é mal compreendida pela população em geral. Mitos sobre uma condição que por muito tempo foi conhecida por melancolia (bílis preta, em grego) perduram e podem afastar o paciente do tratamento.

“As pessoas não falam de depressão, têm vergonha e preconceito. Elas são estigmatizadas, tratadas como inúteis, preguiçosas, inseguras, descontroladas”, lamenta o psiquiatra Teng Chei Tung, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e membro da comissão científica da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata). “O primeiro conceito que as pessoas confundem é o de ser algo só psicológico, uma espécie de sofrimento maior. Esse é um fato parcial. A depressão é uma síndrome, com aspectos psicológicos e biológicos”, afirma.

Não se pode, inclusive, falar de depressão como uma única doença. Há nove tipos descritos até agora, incluindo a pós-parto. Hoje, já se sabe que processos neurodegenerativos também estão envolvidos, e a depressão é considerada fator de risco para Alzheimer. Além disso, pesquisadores investigam a influência mútua de alterações metabólicas: aparentemente, problemas cardíacos e diabetes podem levar à depressão, e vice-versa.

De acordo com Tung, isso se deve a substâncias tóxicas geradas pelas inflamações crônicas. “Um infarto lesiona as células do coração. Quando isso acontece, as células liberam fatores inflamatórios que chegam ao cérebro, para sinalizar que o corpo não está aguentando. Mas, se é algo crônico, o cérebro fica sofrendo e não dá conta”, diz. Por sua vez, a química cerebral alterada também pode desencadear doenças metabólicas. Fatores genéticos/hereditários e alterações hormonais também estariam por trás da doença.

Não à toa, as mulheres são as mais afetadas. Segundo o Ministério da Saúde, 25% da população adulta feminina sofre de depressão— para cada homem com a doença, há duas mulheres. Aquelas entre 20 e 40 anos são as mais vulneráveis. “A mulher passa por muita oscilação hormonal. É gravidez, puerpério, menopausa”, enumera a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

As oscilações hormonais têm um impacto tão forte que, na gestação, até 26% das mulheres podem desenvolver o problema; de 10 a 15% sofrerão no puerpério e entre 3 e 8% sofrerão durante o período pré-menstrual. Não se trata de TPM, esclarece Abdo. “O transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) é muito mais grave. A mulher fica irascível e descontrolada”, diz. Na quarta década de vida, com o início da perda de produção hormonal, o risco de recorrência de episódios depressivos aumenta.

Tratamentos

O psiquiatra Kalil Duailibi, professor da Universidade de Santo Amaro, alerta que as recaídas estão associadas também à descontinuidade no tratamento, independentemente do sexo do paciente. Segundo o médico, a depressão pode ser leve, moderada e severa. No primeiro caso, psicoterapia e exercícios físicos cinco vezes por semana (a atividade aeróbica eleva a produção de neurotransmissores) conseguem bons resultados. Já os pacientes com sintomas mais severos precisam ser medicados. “A terapia é importante, mas as pessoas muito deprimidas não conseguem se beneficiar porque têm de estar com a cognição melhor para absorver o processo psicoterápico.”

Segundo Duailibi, é um erro acreditar que, ao desaparecerem os sintomas, o tratamento pode ser suspenso. Ele explica que, no primeiro episódio depressivo, é preciso acompanhar o paciente por mais seis meses, ainda que ele esteja assintomático. No segundo, esse tempo passa para 18 meses a dois anos. Se a pessoa tem, ao longo da vida, uma terceira crise, provavelmente, terá de usar o medicamento para o resto da vida. “No quadro depressivo, o paciente sofre muito. Para que ele não volte a passar por isso, é importante que continue o tratamento quando estiver bem. Infelizmente, há uma pressão social e os mitos. Por exemplo, de que o antidepressivo causa dependência, e isso não é verdade”, esclarece.

As inverdades e os estereótipos sobre a depressão só amenizam quando o tema é colocado às claras, insiste o psiquiatra Teng Chei Tung. “O silêncio é o pior. Tem de falar corretamente, sem sensacionalismo ou glamour. Esse é um problema de saúde pública e tende a aumentar caso seja negligenciado.”

DEPOIMENTO
"Acham que é frescura"
Fabiana (nome fictício), 30 anos, estudante universitária

Ilustração/Valdo Virgo/CB/D.A.Press
(foto: Ilustração/Valdo Virgo/CB/D.A.Press)
“Acho que eu tinha 22 anos na primeira vez em que tive depressão. Foi quando eu me vi sozinha pela primeira vez. Eu nunca fui uma pessoa cheia de amigos e nem popular, desde criança sempre estava pelos cantos, mas, aos 22, eu terminei um namoro de quatro anos, no qual vivi uma relação abusiva, daquelas que nem podia passar chapinha, maquiagem ou usar vestidos...

Mas quando fiquei só, parecia que meu mundo tinha acabado, porque eu não tinha amigos, nem perspectiva de nada. Eu dormia o dia todo, e só acordava quando meus pais chegavam do trabalho, para disfarçar, e logo voltava a dormir... Logo, as pessoas começaram a me chamar de preguiçosa, dizer que eu não fazia nada... E eu só queria não acordar mais.

Um dia, fui à missa ao lado de casa, e foi meu refúgio. Eu ia para a igreja todos os dias, quando não tinha na católica, ia na evangélica, ia no Lar São Francisco de Assis, que é espírita. Fazia uma maratona. Ninguém me entendia. Eu só queria fugir. Essa depressão, foi literalmente Deus quem me tirou dela. Eu e Ele, sozinhos... Porque nem perdendo 10kg em um mês meus pais notaram...

Aos 27, a depressão voltou. Essa, sim, eu precisei de ajuda, pois somatizei as doenças que não tinha. Essa depressão veio seguida de crise de ansiedade (dessa eu ainda não consigo me livrar) e pânico. Eu passava mais dias internada do que em casa, ninguém descobria o que tinha, até entrar um anjo na minha vida, foi um neurologista que entendeu o que de fato eu tinha, me mandou para um psicólogo e receitou remédios para dormir. Sabe aquela dor que parece não ter fim? Eu sentia que meu coração e minha cabeça iam explodir a cada momento...

Sabe como é uma mente ansiosa? Ela trabalha muito mais, e até as palavras você fica pensando que podia ter dito diferente, ter feito diferente, se culpa 24 horas por dia por tudo... As pessoas que estão de fora sempre acham que é frescura, que analista é coisa de quem não tem uma ocupação.

Esse médico também disse sobre cachorros aos meus pais. Desde que o meu chegou, eu não sinto tanta dor. A ansiedade é a mesma, mas a tristeza não, porque eu sei que ele depende de mim. É incrível como ele transformou minha vida. Não sei se seria capaz de viver sem ele.

E sabe o que é mais engraçado? As pessoas ao redor nunca notam, por isso o alto índice de suicídio. Eu fui voluntária do CVV (Centro de Valorização à Vida) entre essas duas crises por uns oito meses. As pessoas ligam, entram no chat só pra desabafar, falar do que elas sentem e que ninguém em casa ou nenhum amigo repara.

Eu já tomei rivotril e fluoxetina, mas eles ou me faziam dormir demais, ou me davam insônia. Parei por conta própria. Ainda tenho dificuldade para dormir, mas tenho melhorado com a ajuda de chás e das caminhadas com o cachorro. Também estou tentando exercícios de respiração que uma colega ensinou. Tem dado certo para parar um pouco a mente, que funciona demais.”

*A repórter viajou a convite da Medley