Coisa de homem: moda ainda encontra resistência por parte do público masculino

Medo de parecer gay é um dos bloqueios dos homens

por Revista do CB 19/11/2016 10:00
	Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Daniel Larsan em seu ateliê (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Em tempos de discussões de gênero, feminismo e militância LGBT, a moda ainda encontra preconceito e resistência por parte do público masculino. Eles tendem a rejeitar peças com maior informação de moda e reforçar clichês de virilidade. O estilista Daniel Larsan, 30 anos, cria roupas de alfaiataria para o público masculino e lida de perto com essas limitações. “Os homens têm muito medo de se vestir, de parecer gay. Então, quando ousam um pouquinho, sofrem preconceito. Somos de uma cultura absolutamente machista”, reconhece. Além desse bloqueio, haveria um medo de ser notado e uma falta de referências que colaboram para a padronização de estilo. “Falta um pouco de ousadia. Lenços de pescoço são lindos e os homens usam pouco. O chapéu é uma peça bastante funcional e ainda assim se usa pouco”, analisa Daniel.

Em nome da “tradição”, muitos homens ignoram até mesmo a praticidade. “Os grandes executivos de Wall Street já usam o costume de terno e gravata com shorts de alfaiataria durante o verão. No Brasil, ainda que o calor seja muito mais intenso, isso é inconcebível”, critica Larsan, cético quanto o público local. “Existem muitas tentativas. O homem está sempre buscando conforto, então malhas de lycra e elastano estão sendo implementadas no jeans masculino, por exemplo. Mas saias, e até o uso da cor rosa... Não tenho nenhuma expectativa de rompimento dessas barreiras culturais tão cedo.”

O estilo ousado do designer Renato Watanabe
Na contramão do preconceito
“A humanidade vem sendo guiada pelo senso de liberdade, e isso tende a refletir também no modo como as pessoas se vestem. Quem reconhece que tem algum preconceito tende a esconder. Ficou feio”, explica Evilásio Miranda, 32 anos, consultor de negócios de moda. Especialista em marketing de moda e pesquisa de tendências, ele é pai de dois filhos e preza não só pela praticidade, como também pela estética na hora de compor o seu estilo pessoal, que ele mesmo define como básico e inteligente. “Eu já tenho um guarda-roupa amplo, resultante de alguns anos de compra. Boas modelagens, bons materiais, que passam alguma carga de autenticidade. É básico, mas não pode ser largado”, defende.

Evilásio vê nos japoneses um bom referencial de estilo. “Tanto no vestir quanto no criar. Gosto muito da marca Kolor, de Junichi Abe”, ilustra. E assume que algumas peças do seu acervo fashion causam comoção mesmo numa metrópole como São Paulo, onde mora. “Uma bermuda com um avental na frente, parecendo uma saia; roupas com modelagem diferente, como um macacão oversize que eu tenho... Mas nem todo olhar é de preconceito. Também pode ser curiosidade ou admiração.” A próxima aquisição cheia de ousadia e pompa de Evilásio vem da maison italiana Gucci: o slipper Princetown. “Já é bastante tabu na minha família, já que é a minha mulher que vai me dar de presente (risos).”

Ed Alves / CB / D.A Press
O artista plástico Dario Joffily, 24 anos, defende que saia não tem gênero (foto: Ed Alves / CB / D.A Press)
O designer Renato Watanabe, 26 anos, não gosta de descrever a sipróprio nem acredita que as pessoas tenham um estilo definido. “Levo em consideração quem eu sou, como eu me sinto, e o meu estilo acompanha as minhas transformações e humores. Se eu tivesse que, ainda assim, forçar uma descrição do que visto, diria que seria uma tentativa expressionista do ser”, explica. Com olhar apurado, ele diz não levar em consideração o clima. “Se eu estou me sentindo bem com a peça, não passo calor nem frio.” Mas pondera sobre aspectos mais objetivos, como a proporção. “Procuro sempre contrapor o peso das peças que eu estou usando. Se escolho um casaco muito pesado, tento colocar uma calça mais skinny e um sapato pesado para equilibrar a primeira camada do corpo que toca no chão com a última, que é a minha cabeça”, exemplifica.

O designer partilha da visão de que o machismo inserido na sociedade inibe e desmotiva a aproximação do homem com a moda. Contato que costuma levantar questionamentos acerca da sexualidade do indivíduo. “Eu também vejo uma barreira por parte de homens homossexuais em relação à vestimenta. Não é como se a pessoa resolvida com a sexualidade também tivesse rompido com os preconceitos em relação à moda”, pondera.

Watanabe, porém, enxerga um futuro de progressos. “Hoje é permitido que você se preocupe com o seu visual e com o modo como é lido pela sociedade pelas roupas que veste. Os homens podem querer se sentir mais bonitos”, garante. Dono de peças elaboradas, ele admite que seu visual causa impacto em quem o encara. “Eu espero que elas se espantem com a minha presença e a minha figura, a de homem fashionista, para que elas possam, pelo menos aos poucos, rachar a imagem que têm de como o homem deve se vestir e se comportar em relação à moda.”

E a atitude provocadora parece ser característica do homem da nova geração. O artista plástico e produtor cultural Dario Joffily, 24 anos, não se preocupa com a segmentação masculino/feminino das lojas de departamento. “Eu não gostaria de separar a moda dessa forma. Algumas das pessoas que eu mais admiro por se vestirem bem, e que me inspiram na forma de vestir, são mulheres”, explica Dario, que também denuncia olhares indiscretos quando veste alguma peça tradicionalmente considerada feminina, como saias ou vestidos. Numa visão mais politizada, Dario acusa a segregação da moda por gênero de limitar as opções do guarda-roupa masculino. “Homem não chora, não se maquia, não usa saia... Pensar assim é bem ruim”, aponta.