Técnica que permite alterar DNA reacende debate ético

"Edição" no genoma para restaurar defeitos genéticos ou até mesmo selecionar a cor dos olhos de um bebê é motivo de esperança, mas também de preocupação

por Estado de Minas 01/12/2015 13:30
EM/D.A Press
A CRISPR-Cas9 é uma ferramenta que permite corrigir o DNA defeituoso (foto: EM/D.A Press)
Paris – As técnicas de “edição” do genoma, que permitem modificar de maneira precisa o DNA, alimentam várias esperanças mas também trazem preocupação para parte da comunidade científica, que pede prudência no que diz respeito a sua aplicação nas células reprodutoras e embriões humanos. A norte-americana Jennifer Doudna, que recebeu diversos prêmios por seu trabalho – realizado em parceria com a francesa Emmanuelle Charpentier – sobre uma promissora técnica chamada CRISPR-Cas9, soou o alarme ontem ressaltando a urgência de discussões éticas sobre o tema.

Em artigo publicado na revista Nature, a bióloga pede a criação de uma série de salvaguardas para que os cientistas andem com prudência nesta área, às vésperas de uma conferência internacional em Washington sobre a aplicação das técnicas de edição do genoma no ser humano. Desenvolvida desde 2012, a CRISPR-Cas9 é uma ferramenta que permite corrigir o DNA defeituoso, “um pouco como um editor de texto pode permitir editar ou corrigir a tipografia de um documento”, afirmou a bióloga Emmanuelle Charpentier em entrevista à Agência France Presse. “É como um canivete suíço que corta o DNA em um local específico e pode ser usado para introduzir uma série de alterações no genoma de uma célula ou organismo”, disse Emmanuelle, que trabalha no Instituto Max Planck, em Berlim.

A técnica é aplicável tanto em plantas quanto em animais e homens. Mas “uma das suas potenciais aplicações mais importantes será a de permitir novas abordagens terapêuticas para algumas doenças genéticas humanas”, explicou a pesquisadora, co-fundadora da empresa CRISPR Therapeutics. Os cientistas já tinham ferramentas de engenharia genética, mas a CRISPR-cas9 é mais precisa, mais eficiente, mais flexível, o que explica seu sucesso entre os cientistas. A tecnologia também é bastante barata, permitindo que os laboratórios com meios limitados possam acessá-la, apontou a cientista.

Segurança melhor
As preocupações surgiram depois do anúncio em abril de que uma equipe chinesa havia mudado um gene defeituoso em vários embriões humanos (não-viáveis) usando esta técnica. Em outubro, o Comitê Internacional de Bioética da Unesco pediu uma moratória sobre técnicas de edição de DNA de células reprodutivas humanas para impedir a modificação antiética de características hereditárias dos indivíduos, que poderiam dar impulso à eugenia – ideologia que prega a melhoria da espécie.

A tecnologia CRISPR-cas9 pode tornar mais fácil a habilidade de modificar o DNA humano, por exemplo, para determinar a cor dos olhos dos bebês, para alguns pesquisadores que trabalham em embriões, óvulos ou espermatozoides, de acordo com o comitê. Para Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia em Berkeley, “uma proibição completa não é a solução já que isso poderia impedir pesquisas suscetíveis de resultarem em novas terapias. E tal restrição seria inviável dada a grande acessibilidade e facilidade de utilização da CRISPR-Cas9”.

Jennifer deseja que as políticas e os cientistas determinem diretrizes que permitam ter mais clareza sobre o que é ou não aceitável em termos éticos. George Church, geneticista de Harvard, espera que os debates da conferência de Washington não fiquem centrados na questão de uma eventual proibição das técnicas de edição do DNA já que elas são aplicadas às células reprodutoras humanas. “Deveríamos discutir os meios para melhorar sua segurança e sua eficácia”, escreveu Church na Nature.