Especialistas dizem como a humanidade pode vencer as maiores causas de mortes e debilidades no mundo

Pesquisadores listam em edição de revista científica as maiores ameaças à saúde no mundo, como doenças virais e psiquiátricas

por Isabela de Oliveira 12/09/2014 09:00

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AFP PHOTO
Vacinação na África: apenas 5% das crianças do mundo recebem todas as doses recomendadas (foto: AFP PHOTO)
Poucas vezes na história, a civilização enfrentou um desafio tão complexo quanto o de assegurar a saúde de mais de 7 bilhões de pessoas. Em um especial da revista Science Translational Medicine, especialistas afirmam que o bem-estar dos habitantes da Terra só é possível com o desenvolvimento urgente de estratégias mais eficientes para combater problemas colossais, como a escassez de vacinas, as mortes de recém-nascidos, a irrupção de surtos virais e a baixa prioridade no tratamento de distúrbios mentais.

Em um comunicado publicado na mesma edição especial, a diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margareth Chan, reforçou a necessidade de encontrar soluções que contornem, ou pelo menos amenizem, a desigualdade e os reflexos dela na saúde. Embora o saneamento básico tenha alcançado 2 bilhões de pessoas desde 1990, ainda existem 2,5 bilhões sem acesso a banheiros, por exemplo. Também é verdade que a morte de crianças com menos de 5 anos foi reduzida à metade, especialmente na África. Mesmo assim, de 6 a 7 milhões de meninos e meninas perderam a vida em 2012, sendo que quase metade não chegou sequer a completar 1 mês de idade.

Para Zulfiqar A. Bhutta, diretor de Pesquisa do The Hospital for Sick Children, a redução da mortalidade de crianças em tenra idade não depende apenas do desenvolvimento e da oferta de intervenções locais, mas também do extermínio de ideias que caracterizam essas mortes como “inevitáveis, sem consequências, sem prevenção, muito caras ou muito complicadas se comparadas a outras ameaças globais”.

Um dos maiores problemas dessas fatalidades é que parte dos bebês que sobrevive acaba com sequelas (neurológicas, cognitivas e físicas) onerosas ao Estado. Naturalmente, os países desenvolvidos têm mais capacidade de investir em recursos para lidar com esse desfecho. “Estimamos que cerca de 67% dos fundos para inovações globais na saúde de recém-nascidos vão para trabalhados realizados na América do Norte e na Europa. Apenas 18,5 e 9% dos fundos vão para a África e a Ásia, respectivamente, ainda que essas duas regiões sejam as mais afetadas”, lamenta Bhutta.

Anderson Araujo / CB / DA Press
Clique para ampliar e ver os dados (foto: Anderson Araujo / CB / DA Press)
A proteção das pessoas no início da vida depende ainda das imunizações. Walter Orenstein, diretor associado do Emory Vaccine Center, nos Estados Unidos, é um dos maiores defensores da universalização das vacinas. A realidade, porém, está longe do desejado: apenas 5% das crianças recebem as doses aconselhadas pela OMS. A situação é mais grave para aquelas que vivem em países pobres, em que as epidemias costumam ser frequentes. O médico aponta cinco doenças como as que mais necessitam dessa solução: malária, dengue, tuberculoses, influenza e HIV.

As transmitidas por vetores, como a malária e a dengue, são as mais frequentes nas nações em desenvolvimento. A primeira mata 627 mil pessoas a cada ano. Causadora de 20 mil óbitos anuais, a dengue é a segunda doença mais comum. Embora a mortalidade por HIV tenha diminuído desde 2006, a síndrome ainda está entre as cinco principais causas de enfermidades e mortes em pelo menos 26 países. “Terapias antirretrovirais ajudam as pessoas infectadas com HIV a gerenciar a doença e retardam ou impedem a progressão à morte. No entanto, para cada pessoa em tratamento, há 1,5 nova infecção. Além disso, 95% dos novos casos ocorrem em nações mais pobres, em que muitas pessoas não têm acesso à prevenção, ao cuidado ou ao tratamento”, lamenta Orenstein.

Perigosas mutações

As enfermidades emergentes são particularmente mais perigosas hoje do que na década de 1950, por exemplo, quando a humanidade ainda não conhecia a globalização. Não há hoje, portanto, nenhum lugar do mundo livre de contaminação. Hilary Marston, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, separa os vírus em três categorias: emergentes, reemergentes e soltos deliberadamente por bioterroristas.

Cada um representa um desafio especial , sendo que os vírus de RNA impõem dificuldades maiores por sofrem mais mutações. Apesar disso, novas tecnologias de pesquisas biomédicas, como o sequenciamento do genoma dos micro-organismos, além de fármacos e vacinas, têm melhorado as respostas a essas ameaças. Ainda assim, a complacência não é uma opção.

“Infecções por vírus emergentes e reemergentes são um desafio de saúde global perpétuo. Devemos permanecer na vanguarda da descoberta científica para desenvolver ferramentas que combatam os riscos, que estão sempre mudando”, assegura Marston. Os estudos também relacionam essas infecções com distúrbios mentais, como a depressão. Steven Hyman, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), diz que, em alguns casos, acabam sendo tratadas por tabela. Isto é, a melhora é consequência do tratamento de uma infecção “mais importante”.

Um exemplo é a depressão associada ao HIV. “O progresso científico e o tratamento foram o que mais contribuíram para que o vírus deixasse de ser uma sentença de morte e virasse uma doença crônica, que pode ser administrada. Apesar disso, não acredito que a redução do estigma explique a negligência de agentes de saúde e políticos. A pergunta é se os formuladores de políticas levam dados sobre transtornos mentais a sério. Com base nas ações deles, acredito que não”, diz Hyman.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Histórico de equívocos

“A loucura não estava ligada a uma etiologia de problemas no funcionamento do cérebro. Culturalmente, a forma de lidar com os transtornos mentais acabou incorporada como uma questão de menor importância, dado que se entendia que não havia alterações. Isso não se desfez com o avanço dos últimos anos, mas a prevalência é alta: estima-se que, em 2021, 25% das pessoas terão um distúrbio, ainda que leve. Além disso, levou muito tempo para que descobrissem medicamentos eficazes. O primeiro antipsicótico foi desenvolvido no início da década de 1960. Apesar disso, acho que a situação está mudando. O Ministério da Educação incluiu saúde mental como uma das cinco áreas de atenção básica no currículo do curso de medicina, por exemplo.”

Thiago Blanco, psiquiatra do Hospital de Base do DF e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo