Movimentos do bebê para mamar no peito também trazem benefícios para a saúde

Além do leite materno, alimento completo e fundamental para o desenvolvimento cognitivo e visual, a amamentação ajuda a posicionar os dentes, prevenindo uma desarmonia entre as arcadas dentárias e os distúrbios da fala

por Carolina Cotta 06/08/2014 15:00

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EULER JUNIOR/EM/D.A PRESS
Luciana Quintão observa a pequena Beatriz: enquanto mama, bebê mexe com a musculatura da boca, o que tem reflexos na futura dentição (foto: EULER JUNIOR/EM/D.A PRESS)
A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta: o leite materno é um alimento completo e deve ser exclusivo durante os primeiros seis meses de vida. O reforço do vínculo entre mãe e filho, a proteção contra infecções e a prevenção da mortalidade infantil são benefícios conhecidos do aleitamento materno. Mas nem todos sabem que a amamentação traz ganhos importantes também para a saúde bucal. Quando mama, o bebê desenvolve a capacidade de mastigar, deglutir, falar e respirar. Além disso, mamar no peito ajuda a posicionar os dentes, prevenindo uma desarmonia entre as arcadas dentárias e os distúrbios da fala.

Segundo Sylvia Lavinia Martini Ferreira, doutora em odontopediatria e vice-presidente da Associação Paulista de Odontopediatria, o ato de mamar exige da criança um enorme esforço muscular. Para sugar o leite, ela ajusta os lábios ao seio da mãe e mantém a respiração pelo nariz, contribuindo para o adequado crescimento dos maxilares, com espaço suficiente para a erupção dos dentes de leite. Ao avançar e retrair a mandíbula, o bebê exercita todo o sistema muscular, preparando a boca para a função mastigatória e respiratória. “Muitos odontopediatras consideram o aleitamento materno o primeiro aparelho ortodôntico”, explica.

Isso porque o ato de mamar estimula, direta ou indiretamente, o desenvolvimento da boca, evitando maloclusões e contribuindo para o equilíbrio da postura do bebê. Na ordenha do leite, o bebê trabalha a musculatura, fazendo com que os dentes cresçam. “O desenvolvimento crânio-facil é estimulado exatamente por esse esforço. Fora isso, o aleitamento materno consegue estimular uma respiração correta, que por sua vez ajuda no crescimento ósseo, diferente do que ocorre com os que respiram pela boca e pelo nariz. Quando mama, o bebê aprende a alternar mamada e respiração”, explica.

O aleitamento materno satisfaz, ainda, o reflexo de sucção no recém-nascido. Assim, o bebê fica menos propenso a adquirir hábitos nocivos como chupar o dedo ou a chupeta, considerados hábitos de sucção não nutritiva. “De acordo com estudos científicos, crianças que mamaram menos de seis meses têm sete vezes mais chances de chupar o dedo e a chupeta, além de morder objetos”, afirma Sylvia. Esse risco sobe para quase 10 vezes em crianças que tomaram mamadeira por mais de um ano, quando comparadas àquelas que nunca utilizaram essa forma de aleitamento.

Também odontopediatra, Luciana Quintão, de 37 anos, está amamentando Beatriz, de dois meses. Quando teve o primeiro filho, uma enfermeira, ainda no hospital, alertou que ela teria problemas por não ter o bico do seio muito definido. Mas nada disso aconteceu. Enquanto Beatriz mama, Luciana tenta observar se ocorre a vedação entre a boca e o seio, pois esse selamento é essencial. É esse movimento fisiológico, que não pode ser reproduzido nas mamadeiras, um dos diferenciais da amamentação materna. “Fora a troca de carinho, de cheiro, de olhar. A criança reconhece a mãe, mas também não acho que quem não mama no peito não tem esse vínculo”, defende.

Luciana, feliz por poder amamentar os filhos, defende que o limite de cada mãe seja respeitado. “Tenho uma amiga com depressão que não está dando conta. As pessoas têm um limite físico e emocional. É preciso acordar, colocar a criança no peito, esperar. Não é todo mundo que consegue. Eu vou tentar que minha filha se alimente exclusivamente de leite materno até os seis meses, mas se perceber que ela está com fome ou sem ganhar peso, farei a complementação. Existe muito tabu na amamentação, uma pressão muito grande, e muitas mulheres têm medo de um julgamento. Mas a mãe é uma pessoa com limites, antes de tudo”, defende.

Higienização
Os minerais presentes no leite materno ajudam na formação do esmalte dos dentes, o que tem início ainda na vida intrauterina. Os defeitos nos esmaltes dos dentes, em geral, são mais prevalentes nas crianças que mamaram pouco tempo no seio materno. E a contribuição do leite materno chega até aos dentes permanentes que virão na sequência. “Ao nascer, eles aproveitam muitos dos nutrientes do leite materno, indiscutível do ponto de vista de benefícios. Ele tem a composição de cálcio e fosfato adequadas. Estudos mostraram que crianças que de uma população desnutrida da América Latina que foram aleitadas por mais de quatro meses tiveram menos defeitos nos esmaltes que aquelas que não tiveram amamentação materna”, alerta.

LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS
Amamentar, como fizeram mães mineiras no último 'Mamaço', na Praça da Liberdade, é fortalecer e prevenir doenças (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
O surgimento de cáries também é mais comum em crianças que tomam mamadeira, do que as que se alimentam do leite materno. “Normalmente, as outras opções de leite são oferecidas ao bebê com adição de açúcar, tornando-o uma substância que favorece o surgimento da doença cárie”, explica. Mas para garantir a saúde bucal da criança não basta o aleitamento materno. As mães precisam ser orientadas a higienizar os dentes de seus filhos e fornecer a eles uma alimentação saudável. Para Sylvia Ferreira, dentes de leite saudáveis são fundamentais para o desenvolvimento satisfatório da mastigação e da fala. “Boa saúde na infância evita sofrimentos desnecessários causados pela dor, desconforto e longos tratamentos”, argumenta.

Cérebro e visão fortalecidos
Além de anticorpos, fatores imunomoduladores e anti-inflamatórios exclusivos, que não podem ser reproduzidos, o leite materno é fonte do ácido docosahexaenoico (DHA), um lipídio da série Ômega-3 que promove o desenvolvimento cognitivo e visual na infância, que perdura por toda a vida. O DHA do leite materno é frequentemente apontado como responsável pela relação causal entre aleitamento materno e QI (quociente de inteligência) mais alto. No entanto, os níveis de DHA presentes no leite materno dependem dos alimentos consumidos pela mãe.

O DHA representa cerca de 97% do Ômega-3 localizado no cérebro e 93% no olho. Por mais de uma década, cientistas de todo o mundo têm demonstrado os benefícios desse lipídio durante a gestação e amamentação, ressaltando a importância de fortalecer a suplementação de DHA a partir do último trimestre de gravidez, quando ocorre um crescimento importante do bebê, até os cinco primeiros anos de vida. Segundo o pediatra e nutrólogo Mário Cícero Falcão, para o bebê ter acesso à quantidade ideal do nutriente a mãe deve ingerir alimentos ricos em DHA na gravidez e na lactação.

Professor da Faculdade de Medicina da USP, Falcão explica que, durante a gravidez, o DHA tem efeitos positivos relacionados à prematuridade e baixo peso ao nascer. Em estudo feito na Universidade de Kansas (EUA), mulheres que receberam a suplementação de DHA tiveram gestação mais longa, bebês maiores e mais pesados. Também foi observada menor incidência de baixo peso e parto prematuro em comparação com o grupo que não recebeu o suplemento. “Isso é especialmente importante porque a prematuridade é a principal causa de mortalidade neonatal e morbidade neurológica”, diz.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o consumo diário de 200 a 300mg de Ômega-3 do tipo DHA por dia, durante a gravidez, lactação e, para as crianças até os cinco anos, quando o cérebro atinge 85% do seu tamanho final. “É nessa fase que a alimentação, os estímulos e o carinho construirão as bases para um desempenho neurológico saudável que se refletirá por toda a vida,” explica Falcão, que defende ainda que mais fórmulas infantis, prescritas por médicos e nutricionistas quando a mãe não consegue amamentar, tenham, em sua composição o DHA em quantidades recomendadas por entidades reconhecidas internacionalmente.

Marcos Michelin/EM/D.A Press
Bacalhau é uma das fontes para o suprimento adequado de DHA (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
“As fórmulas infantis, embora não possam substituir o leite materno em suas propriedades imunológicas, têm os nutrientes corretos para a nutrição do bebê. Já leite de vaca é contra-indicado para o consumo de crianças em fase de amamentação e não tem as características nutricionais adequadas para o desenvolvimento infantil,” comenta o médico. O aleitamento materno também apresenta benefícios, a longo prazo, na diminuição dos riscos de doenças crônicas decorrentes da alimentação inadequada, como obesidade e hipertensão.

Luta
A Semana Mundial de Aleitamento Materno, comemorada até o dia 7, está sendo marcada por uma série de ações de conscientização e luta por direitos, caso da proposta de lei, que já tramita no congresso federal, que prevê proteção à mãe que amamenta em qualquer hora e em qualquer lugar. A semana começou com uma Hora do Mamaço, evento idealizado pela comunidade Aleitamento Materno Solidário para mobilizar e sensibilizar para a importância de amamentar. No sábado, em 25 cidades brasileiras, mães se reuniram para amamentar seus filhos em espaços públicos. Em Belo Horizonte, o movimento ocorreu na Praça da Liberdade.

Consumo de DHA
» A ingestão de duas porções de peixe marinho de águas profundas por semana, equivalente a 99 gramas, fornece um suprimento adequado de DHA. O nutriente é encontrado naturalmente em peixes gordurosos de águas salgadas e frias, como salmão, bacalhau, atum, arenque, sardinha, cavala e também nas algas, das quais esses peixes se alimentam.

» Para quem não tem acesso às fontes naturais de DHA, estão disponíveis suplementos com as quantidades ideais do nutriente.

» No Brasil, segundo dados do Ministério da Pesca, são consumidos 9kg de peixe por habitante. A quantidade está bem abaixo da recomendada pela Organização Mundial da Saúde, que é de 12 kg por habitante. Como se trata de uma média nacional, nos estados não banhados pelo mar o consumo é ainda mais baixo.