Para chamar atenção ao câncer de pâncreas, campanha usa estratégia que causa revolta

Doença tem taxa de letalidade próxima de 100%, mas pode ser prevenida e tem chances de cura se descoberta precocemente. Público se revoltou, no entanto, com slogan escolhido para anúncios veiculados na TV inglesa. Entenda o porquê

por Letícia Orlandi 07/02/2014 11:04

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Pancreatic Cancer Action / Divulgação
O anúncio da Pancreatic Cancer Action propôs que a mensagem mostrasse pacientes reais, ao lado de frases como "Queria ter câncer de mama" e das estatísticas de mortalidade. Para além da polêmica, no entanto, por que o tumor no pâncreas é tão mortal? (foto: Pancreatic Cancer Action / Divulgação)
Uma campanha publicitária veiculada no Reino Unido provocou a revolta de pacientes e familiares de pessoas com câncer. Na tentativa de destacar o fato de que os tumores no pâncreas têm uma taxa mínima de cura – em torno de 3% se o diagnóstico não for precoce -, a entidade Pancreatic Cancer Action propôs que a mensagem mostrasse pacientes reais, ao lado de frases como "Queria ter câncer de mama" ou "Queria ter câncer nos testículos", junto com as estatísticas de mortalidade de cada enfermidade.

Pessoas que enfrentam ou enfrentaram as outras formas da doença não pouparam críticas à campanha, com argumentos que variam de “câncer não é uma competição” até “só quem viveu um câncer de mama sabe como é difícil” ou ainda “meu marido morreu de câncer de próstata, pergunte a ele o quanto foi difícil”.

O cirurgião oncológico Felipe José Fernandez Coimbra, diretor do núcleo de cirurgia abdominal do centro paulista A.C.Camargo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, também não concorda com a abordagem. “Existem outras maneiras de se chamar a atenção para o câncer de pâncreas, e essa não me parece ideal. No entanto, esse tipo de tumor é muito agressivo e nem sempre é lembrado entre as hipóteses para problemas no aparelho digestivo. Temos muitas campanhas para o câncer de mama e de próstata, sempre lembrados em função de sua incidência; mas não podemos negligenciar uma doença cuja letalidade supera a dos outros dois tipos juntos”, explica o especialista.

O câncer de pâncreas se tornou um pouco mais conhecido do público após a luta do ator norte-americano Patrick Swayze (morto em 2009) e do co-fundador da Apple, Steve Jobs (morte em 2011). Mais recentemente, no Brasil, ganhou destaque por ter sido citado pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson como um dos motivos que o impediriam de ficar em um presídio, após a condenação no caso do mensalão. Ainda assim, raramente é lembrado pelos pacientes ou mesmo pelos médicos não-especialistas, como causa de dores que não melhoram na região das costas e do abdômen, por exemplo, entre outros sintomas.


Dificuldades específicas
Coimbra lembra que o pâncreas é um órgão que ficar na 'parte de trás' da barriga, atrás do estômago e do intestino, colado ao duodeno e cercado por veias e artérias muito importantes, responsáveis por levar sangue a órgãos abdominais. Além da função mais conhecida, que é a de produzir substâncias endócrinas, como a insulina para controle da glicose; ele produz enzimas que ajudam na digestão. “Pela localização e pela dificuldade de identificar os sintomas iniciais, além do desconhecimento até mesmo dos médicos, o diagnóstico acaba sendo tardio. Infelizmente, esta é uma realidade no Brasil e no mundo inteiro”, acrescenta o cirurgião. No Brasil, segundo o Inca, a doença causa mais de 7.700 mortes por ano, sendo aproximadamente 3.800 em homens e 3.900 em mulheres.

AFP PHOTO / Kimihiro HOSHINO e REUTERS/Danny Moloshok/
Steve Jobs (esq.) e Patrick Swayze: morte de celebridades não foi suficiente para chamar a atenção em torno do câncer de pâncreas e sua prevenção. Pela localização e pela dificuldade de identificar os sintomas iniciais, o diagnóstico costumar ser tardio (foto: AFP PHOTO / Kimihiro HOSHINO e REUTERS/Danny Moloshok/)
Os tumores no pâncreas são considerados muito agressivos também porque o órgão têm facilidade de enviar células para os 'colegas', contribuindo para aparecimento mais rápido da metástase. “Apesar de a incidência desse tipo de câncer ser quase igual à mortalidade, devemos lembrar que existe tratamento e possibilidade de cura. A estratégia inclui a cirurgia, que é de alta complexidade e envolve muitas vezes a ressecção vascular, ou seja, a substituição dos vasos sanguíneos; combinada com a radioterapia e quimioterapia”, esclarece Coimbra.

Para o especialista, de uma forma geral, o tratamento moderno do câncer é cada vez mais capaz de individualizar os métodos, de acordo com o caso específico do paciente, e ter bons resultados. Entretanto, como o tumor no pâncreas é mais agressivo e difícil de ser identificado, a necessidade de diagnóstico precoce deve ser reforçada. Apesar de um pouco genéricos, os principais sinais de alerta a serem observados são:

-dores na parte alta da barriga;
-dores nas costas;
-aparecimento de diabetes ou piora no quadro de diabetes;
-emagrecimento sem motivo aparente;
-em alguns casos, icterícia (aspecto amarelado da pele), porque tumores na cabeça do pâncreas podem comprimir o canal de transporte da bile;
-histórico de pancreatite crônica ou de repetição;
-histórico familiar de casos de câncer no pâncreas ou no sistema digestivo que, sob avaliação de oncogeneticista, podem indicar necessidade de exames mais específicos e estratégias de prevenção;
-tabagismo, relacionado a muitos casos de câncer no aparelho digestivo.


Segundo Felipe Coimbra, é comum que uma pessoa esteja sendo tratada há meses de gastrite, por exemplo, sendo que as dores não melhoram, e descobre que o problema é no pâncreas. “O ultrassom é um exame muito utilizado, mas muito falho quando se trata do pâncreas. A indicação, quando há suspeita, é de tomografia ou ressonância”, define o médico. Alguns estudos indicam também que outros tumores, como o melanoma (pele); o câncer de intestino e o câncer de mama relacionado aos genes BRCA 1 e 2 também são fatores de risco para o câncer de pâncreas.

A prevenção da doença envolve a adoção de hábitos saudáveis, evitar o excesso de peso e não se automedicar em casos de problemas no aparelho digestivo. “Por mais que a campanha britânica possa ter conseguido chocar a população, não temos certeza se aqueles telespectadores conseguiram algum esclarecimento sobres essas questões importantes”, lamenta o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica.

Os tumores de pâncreas mais comuns são do tipo adenocarcinoma, que corresponde a 90% dos casos diagnosticados. O outro tipo, bem mais raro, é o carcinoma neuroendócrino. No Brasil, o câncer de pâncreas é responsável por cerca de 2% de todos os tipos da doença diagnosticados e por 4% do total de mortes por câncer. Raro antes dos 30 anos, torna-se mais comum a partir dos 60 anos.

Controvérsia
Após a controvérsia em torno da campanha, Ali Stunt, fundadora da Pancreatic Cancer Action, que descobriu ter um tumor no pâncreas em 2007, quando tinha 41 anos, defendeu a iniciativa. “Não desejamos câncer para ninguém e sabemos que toda as formas são horríveis, mas existem sim, pacientes de câncer pancreático que chegam a desejar ter outro tipo, dadas as baixíssimas taxas de sobrevivência. A maioria nunca havia ouvido falar da doença até ter o diagnóstico, apesar de ser a nona forma de câncer mais comum no Reino Unido”, afirmou Stunt.

Chris Askew, diretor da instituição, também defendeu a mensagem. Ele disse que, em momento algum, o anúncio diz que uma forma de câncer é preferível. “Queremos destacar o progresso lento da consciência e da mobilização, em relação aos outros tipos da doença. Muitas mulheres que têm câncer de mama felizmente sobrevivem, mas 80% de quem tem a doença no pâncreas vai morrer dentro de, no máximo, 12 meses, sendo que a expectativa de vida, em muitos casos, é de quatro a seis meses após o diagnóstico. Queremos incentivar a prevenção e acabar com esse nível tão devastador de mortalidade", concluiu o executivo.