Exame de sangue criado por cientistas dos EUA indica nível de infecção

O procedimento poderia antecipar o tratamento intensivo e evitar mortes. Participaram do estudo cerca de 300 pacientes atendidos em quatro departamentos de emergência

por Bruna Sensêve 26/07/2013 10:00

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Diferenciar infecções leves daquelas que apresentam risco de vida é uma decisão complexa, feita milhões de vezes por ano em salas de emergência. Hoje, baseada principalmente em observações clínicas e exames laboratoriais auxiliares, a decisão define ainda sem precisão se um paciente enviado para casa com antibióticos deveria ter sido internado para tratamento intensivo. O risco é de existência da sepse — uma infecção grave que está associada com uma resposta inflamatória generalizada e uma das principais causas de morte em todo o mundo. Em artigo publicado na edição de hoje da Science Translational Medicine, pesquisadores americanos relatam dois estudos clínicos em que foi testado um exame sanguíneo capaz de avaliar a sobrevivência do paciente assim que é diagnosticada a infecção generalizada.

Participaram do estudo cerca de 300 pacientes atendidos em quatro departamentos de emergência urbanos com diferentes graus de infecção. Os cientistas analisaram o nível de proteínas, os elementos bioquímicos e o plasma sanguíneo dos voluntários. Após 28 dias, os dados de sobreviventes e não sobreviventes foram comparados. Uma assinatura molecular — um conjunto específico de alterações bioquímicas no sangue — pareceu diferenciar os resultados de forma bastante precoce: no momento da chegada ao pronto atendimento. Os pesquisadores concluíram que uma melhor produção de energia celular por um processo chamado betaoxidação — a oxidação de ácidos graxos feita pelas mitocôndrias — pode determinar quais pessoas têm mais chances de sobreviver a um quadro de sepse.

Apenas os pacientes que não morreram mudaram a forma de produção de energia celular. As assinaturas moleculares descobertas pelos autores apontam indícios de problemas com as mitocôndrias, as máquinas no interior das células que produzem energia. Essa descoberta levou os cientistas a desenvolverem um teste que pode identificar essa assinatura molecular no sangue dos pacientes e, então, prever a sobrevida à sepse. Os investigadores trabalharam durante oito anos para reproduzir esses resultados em duas formas e três grupos distintos de pacientes.

De acordo com os resultados dos experimentos, o exame mostrou-se reproduzível e melhor do que os métodos atuais. A equipe liderada por Raymond Langley, do Centro Nacional de Recursos Genômicos, em Santa Fé, nos Estados Unidos, acredita que os dados oferecem evidências sólidas de que o teste simples pode ser a diferença entre a vida e a morte de pacientes com sepse. Isso porque, atualmente, não há, segundo eles, um tratamento padrão para essa complicação nem maneira de saber o quão grave a situação se tornará. Se os cuidadores podem prever quais pacientes são mais propensos a morrer de septicemia, esses indivíduos podem ser internados em um hospital imediatamente para o tratamento intensivo.

Inviabilidade
Para o chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Alberto Chebabo, por mais que possa parecer animador, o teste relatado no artigo ainda está muito distante da prática clínica. “É um exame que não existe clinicamente ou comercialmente, como todos os outros que buscam esses marcadores. Ele ainda não é viável, mas é um caminho”, constata o também infectologista do Laboratório Exame.

Chebabo acredita que o custo do teste o torna pouco viável. Outro problema, segundo ele, é o risco de possíveis mudanças na eficiência quando esse tipo de exame passa a ser feito em grande escala. Muitas vezes, ao trabalhar com marcadores moleculares, não é possível extrapolar um resultado menor como verdadeiro. “Um exemplo dessa situação é o exame de procalcitonina. Quando ele foi lançado, veio como um exame que seria capaz de diferenciar quadros de inflamação grave e de sepse. Mas a gente viu, na prática clínica, que não é bem assim, ele consegue diferenciar em alguns casos, mas não em todos”, explica.

No caso do procalcitonina, o problema está no fato de que quadros complicados de resposta inflamatória nem sempre estão relacionados a casos de infecção. “Dessa forma, (o exame) passou a ter credibilidade um pouco baixa e foram sendo encontradas formas de utilizar a procalcitonina muito mais como uma ferramenta para acompanhamento de resposta ao tratamento do que de diagnóstico ou de resposta de gravidade de sepse.”

O infectologista do Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Fabiano Ramos afirma que os critérios atuais para determinar a gravidade da sepse em um paciente têm como base um contexto analisado pelo médico, que leva em consideração o quadro clínico e os resultados de exames laboratoriais que medem o nível de disfunção dos órgãos. “Quanto maior o comprometimento orgânico for relatado, maior é a chance do paciente morrer”, diz.

Ramos alerta que, em todos os casos, o tratamento deve ser precoce. O reconhecimento da infecção é fundamental. A partir dele, são iniciados os procedimentos, composto por vários passos, para tentar reverter a situação. “Entre esses passos, está o uso precoce do antibiótico, preconizado pela gente para ser feito em torno de uma hora depois do reconhecimento do quadro de infecção. Quanto mais precoce o tratamento, maiores as chances de sobrevivência”, reforça.

Imunizar a mãe para proteger os filhos
Causa comum da sepse bacteriana em recém-nascidos, a doença estreptocócica do grupo B, ainda sem vacina, é muitas vezes fatal. Para proteger esses bebês, um programa de imunização deveria ter como alvo mulheres grávidas, fazendo com que os anticorpos resultantes da vacinação pudessem ser passivamente repassados das mães para os fetos. Essa é a proposta de um grupo de cientistas relatada em artigo publicado na edição desta semana da revista científica Science Translational Medicine.

A recomendação foi o resultado de um encontro em Siena, na Itália, para discutir possíveis abordagens para a imunização materna focada na prevenção de doença perinatal por estreptococos do grupo B. Segundo os pesquisadores, o procedimento é extraordinariamente bem-sucedido na prevenção do tétano neonatal e passou a ser recomendado nos Estados Unidos para a prevenção da gripe, tanto da criança quanto da mãe.

Ainda assim, “os dados sobre a segurança e a eficácia da imunização materna por ensaios clínicos randomizados (prospectivos) são raros, e a maioria dos dados viria de estudos observacionais e bancos de dados administrativos”, relataram, no artigo, os pesquisadores. A grande maioria das vacinas recomendadas hoje teria se mostrado eficaz e segura em adultos não gestantes. Por outro lado, o principal alvo para uma vacina contra o estreptococo do grupo B e a sepse neonatal é a mulher grávida.

Dois aspectos foram discutidos pelos cientistas na busca da solução do impasse. Segundo eles, já existe infraestrutura em muitos países para vacinar as mulheres grávidas. A condição poderia ser facilmente adaptável a um novo programa de vacinação para estreptococos do grupo B. Também de acordo com os especialistas, a vasta experiência com as vacinas da gripe e do tétano serve como demonstração de que a vacinação de grávidas é segura e eficaz na prevenção de doenças neonatais. “O sucesso dos programas de imunização materna pré-natal para tétano e influenza, bem como o potencial para a futura disponibilidade de vacinas conjugadas imunogênicas torna este um momento ideal para avançar com o desenvolvimento de uma vacina contra esse mal (a doença estreptocócica do grupo B).”