Favela fashion: moda engajada, colorida e criativa ganha destaque na capital mineira

Curso Remexe Favelinha de desenvolvimento de criatividade ensina moradores da Fazendinha, no Aglomerado da Serra, a fazerem roupa a partir de peças usadas, transformando o antigo em novos modelos cheios de vida e descontração, bem no estilo da comunidade

por Estado de Minas 26/07/2017 14:39
 
Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação
(foto: Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação)
Sair do desemprego, buscar uma nova atividade e fonte de renda foram os principais motivos que levaram moradores da Fazendinha, no aglomerado da Serra, a se inscrever no curso Remexe Favelinha. Todos saíram satisfeito afirmando ter recebido muito mais do que esperavam, pois desenvolveram a criatividade e aprenderam a enxergar além do que viam. Peças produzidas no curso serão desfiladas em agosto, no Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas ( Sebrae), e já estão programando o Favelinha Fashion Week.

As peças utilizadas pelo Remexe Favelinha foram recebidas via doação de confecções do Prado e de brechós de Belo Horizonte, o que gerou um grande acervo de roupas antigas além de tecidos, botões, fitas, etc. O curso desenvolve a criatividade das pessoas, modificando roupas antigas, que não eram mais usadas, e transformando-as em peças novas. Roupa feita de roupa, essa é anova proposta e uma outra forma de vestir e reduzir o consumo.
 
Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação
(foto: Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação)
O projeto é uma parceria entre Sebrae, BH Negócios, Projeto Providência e Centro Cultural independente Lá na Favelinha e contou com a participação de profissionais da área do design gráfico, de moda, de produtos e até mesmo de um arquiteto. Foram cerca de 20 alunos de diversas idades que embarcaram no trabalho, se entregaram totalmente à proposta do curso e surpreenderam os organizadores.

O foco principal do Remexe Favelinha era abrir o horizonte das pessoas e oferecer mais um campo de trabalho, preocupação maior do Projeto Providência, que sabe do alto número de desempregados na comunidade. Segundo Kênia Carvalho, coordenadora da unidade Fazendinha, o programa era uma ideia antiga, que só conseguiram viabilizar agora. “Sabemos do alto índice de desemprego nas famílias, por isso nosso foco é gerar trabalho e renda para a comunidade. Já fizemos curso de culinária, empreendedorismo, e agora oferecemos os de reciclagem de roupas voltado para a moda. Precisamos ajudar as famílias a se sustentar, já que têm poucos recursos até mesmo para os estudos. Sempre pensamos em novas oportunidades e ideias para dar um caminho para as pessoas daqui”, conta.
Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação
(foto: Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação)

O Remexe Favelinha não teve a participação apenas de costureiras. Estudantes, cozinheiras, bordadeiras e desenhistas também se inscreveram em busca de novo aprendizado e novas oportunidades na vida. O jovem Robert Danilo, de 15 anos, ficou sabendo do curso por sua tia, se inscreveu e amou. “Sempre sonhei em ser arquiteto ou estilista e não podia perder esta oportunidade. Estou surpreso com o que consegui fazer, transformei uma blusa velha em um vestido bem moderno e com estilo. Tive a orientação da designer de moda Luiza Luz, que acompanhou o meu trabalho e deu sugestões”, diz animado e orgulhoso de sua criação. Em seguida, passou para a produção de uma bolsa, e manuseava a máquina de costura com empolgação e destreza como se fossem velhos conhecidos.

Para ajudar no curso trouxeram de São Paulo a designer de produto Paula Dib, do Transforma Design. “Queremos mostrar que não precisamos viver dentro desse consumismo descontrolado que existe hoje. O objetivo aqui é a sustentabilidade e foi isso, que ensinamos. Queremos que as pessoas olhem para uma peça e pensem o que ela pode ser, em que pode se transformar”, explica. “Para que colocar mais produtos no mundo? Não precisamos de mais coisas. Minha trajetória profissional sempre teve um viez social ou artesanal e buscando o reutilizar. Resignificar sempre foi minha proposta. Nada é lixo, tudo pode ser transformado, como estes banners que estão sendo trabalhados e virando bolsas, pastas e até detalhe em roupas. A alça será com fio de eletricidade”.

Novos projetos
Ana Cristina Duarte é uma mobilizadora do BH Negócios e ressalta outro ponto do curso: “ Estamos aprendendo para ensinar a outras pessoas. A intenção é que no futuro seja criada uma cooperativa. A inspiração para o curso veio do Fórum de Negócios Sociais e Educação, promovido pelo Sebrae em maio. Conseguimos viabilização com a parceria de confecções e brechós da cidade, que nos doaram bastante material”, conta.

O gestor do Lá na Favelinha, Kdu dos Anjos, explica que em setembro será feito um desfile das peças produzidas no curso e os próprios alunos serão os modelos. “De 2 a 5 de setembro, haverá a Feira do Empreendedor, do Sebrae, e já fechamos o desfile. Abrimos o curso para os curiosos da arte e da moda e deu muito certo.”

O Lá na Fazendinha oferece 16 oficinas voluntárias para crianças de 10 a 15 anos, mas também oferece atividades para adultos e crianças menores, como a oficina do Passinho – que tem até concurso –, aulas de inglês e espanhol, violão, acroyoga, canto, artesanato, grafite, capoeira, balé e teatro, entre outras. E conta com uma biblioteca com 3 mil títulos, tudo em uma sala de 24 metros quadrados. O trabalho é sustentado por financiamento coletivo, que são assinantes que aderem pela internet e podem contribuir com quantias a partir de R$ 10. O site é evoecultural.com/ladafavelinha
 
Luisa Luz, designer de moda, que trabalhou por 6 anos como estilista da Faven, é uma das monitoras do curso. “Me frustrei com o mercado da moda, ele deixou de fazer sentido para mim. Gosto de projetos de sustentabilidade, valores de inclusão, poder dividir o conhecimento e ajudar. Esta troca de experiências – porque aprendemos muito quando estamos ensinando – não existe no mercado tradicional. Não gosto do prosperar a qualquer custo, por isso agora sou monitora criativa em projetos sociais, mas tenho meu trabalho de criação em casa”.
Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação
(foto: Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação)

A aluna Viviane Crepaldi aprendeu a bordar, costurar, fazer tricô e crochê com sua mãe, aos 8 anos. Faz de tudo, só não corta alguns modelos mais complexos. Estava se divertindo enquanto bordava uma blusa de crochê, dando um toque mais requintado na peça. “Esta peça é muito bonita e benfeita, merece um toque especial para dar uma revitalizada. Zeneide Mendes Souza, uma das alunas, é costureira há cerca de 6 anos. “Participei de uma oficina de costura sem nunca ter costurado na minha vida, e gostei. Fiz alguns cursos de corte e costura, mas abandonava todos, até que consegui concluir um deles. Passei a costurar em casa fazendo reformas, aos 42 anos, mas usava uma máquina emprestada de uma amiga. Agora estou sem máquina e tive de parar de costurar. Fui no BH Negócios procurar um emprego e me falaram do curso. Estou gostando muito, mas não queria que acabasse.”
Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação
(foto: Mauro Figa / Estúdio Figa / Divulgação)

O mesmo sentimento tem Cláudia Sales Lima, de 43. Ela aprendeu a passar overlock com algumas vizinhas que têm uma barraca de roupa infantil em feira, e desde então ela ajuda as amigas, mas afirma que não sabe costurar. “Gostaria que este curso tivesse continuidade, que criassem uma oficina para a gente poder costurar.” Já Eliene Soares de Jesus aprendeu a costurar aos 14 anos com sua mãe e não parou mais. Costureira profissional com muito orgulho, conta que trabalhou em várias fábricas, inclusive na Vanda Guimarães, que foi quem colocava suas costureiras para consertar as máquinas quando estragavam, dizendo que costureira tem que aprender a se virar sozinha. Graças a esse aprendizado, ela acabou se tornando a mecânica das máquinas no curso, já que algumas estragaram e coube a ela arrumar tudo. “Nunca pensei que conseguiria transformar uma roupa em outra, mesmo porque é muito mais difícil fazer isso do que cortar uma roupa do zero e costurar. Estou adorando o curso.”