Sob chuva fina e trovoadas, ao som de Singing in the rain, Bárbara Paz dança para Hector Babenco. O corpo se mostra nu na tela sob a transparência de um vestido encharcado. “Esse é o final do meu próximo filme”, disse então para a atriz e companheira o cineasta argentino-brasileiro, de 70 anos. Meu amigo hindu, que estreia nos cinemas do país hoje, é um filme que começou de trás para frente, como conta Bárbara.
Foi a partir desse episódio, há cinco anos, que o cineasta – ainda em estado de saúde frágil – tomou fôlego para fazer o longa que conta a história de um homem que driblou a morte. Venceu o câncer. “É a história que aconteceu comigo e eu a conto da melhor forma”, avisa o premiado diretor logo no início do filme.
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“Quando vejo o filme pronto, a frase que tenho para falar é ‘deu tempo’. Que bom que ele conseguiu driblar mais uma vez a morte. Como um tigre, ele vem fazendo assim há 30 anos. É um orgulho que tenho dele: poder transformar a dor”, diz Bárbara.
O título do longa faz referência a um menino, de 8 anos, com o qual Babenco compartilhava horas de tratamento no Washington Cancer Hospital, nos Estados Unidos, na década de 1990. Bárbara dá vida a si própria no filme e só aparece na fase final do longa. O ator americano Willem Dafoe (Anticristo e Homem-aranha) faz o protagonista Diego Fairman, alter ego de Babenco. Maria Fernanda Cândido assume a personagem da primeira esposa, Lívia Monteiro Bueno, que fica ao lado do diretor durante todo o processo de tratamento. O casamento não sobrevive à doença.
A Reynaldo Gianecchini coube o papel de Dráuzio Varella, amigo e médico do cineasta na vida real. Dráuzio é autor do best-seller Carandiru, que foi adaptado para o cinema por Babenco em 2003. Selton Mello personifica a morte, que aparece como o funcionário de uma multinacional. É entre ele e um delirante Dafoe que surgem os diálogos mais interessantes. “Você não pode levar outro? Quero fazer mais um filme”, suplica o alter ego de Babenco.
Bárbara Paz acompanhou de perto a transformação de Dafoe em Babenco. “Ele foi emagrecendo ao longo das filmagens, se transformando tão minuciosamente... Às vezes, montando o making of, ele ficou tão parecido. Foi ficando um pouco rude, como o Hector é. Ele fala forte, grita”, descreve. Para ela, trabalhar com Dafoe foi uma dádiva. “Sempre foi uma referência para mim na dramaturgia”, conta.
Foi por causa de Dafoe que o filme foi gravado inteiramente em inglês, conta Bárbara. O ator veio para o Brasil em julho de 2014 para o espetáculo surrealista A velha, sob direção de Bob Wilson. Babenco e ele se encontraram e surgiu o convite. O idioma também garante que a produção atinja um público maior. Na versão em português, Marco Ricca faz a dublagem do ator americano.
E foi no idioma estrangeiro que Bárbara se apoiou para enfrentar o desafio de interpretar a si mesma no cinema. “É muito difícil. É realmente a minha vida que está sendo contada. Como era outra língua, me ajudou a distanciar. Criar outra persona”, explica.
Algumas cenas gravadas acabaram ficando de fora na montagem final. No filme, o cineasta brinca que conhecia a atriz do reality show. Essa parte é pura ficção. “Ele achou a história tão surreal – a primeira vencedora de um reality show no país –, que colocou”, diz Bárbara. Eles se conheceram, na verdade, cinco anos depois da exibição do programa, em 2001.
A cena dela vencendo A casa dos artistas, com participação inclusive de Supla, chegou a ser filmada, mas ficou de fora na versão final. “Foi a parte mais difícil. Uma história que aconteceu tão real. Pensava: como vou representar?”, lembra.
Reinvenção Em entrevistas, Babenco vem reafirmando que não se trata de uma autobiografia. “Porque não é literalmente uma biografia. Ele não quer diminuir o filme a isso. Ele reinventou. É um contador de histórias. Conta uma história, mas aumenta 10 pontos”, esclarece Bárbara. Para a atriz, trata-se de um “docdrama”. “Foge aos padrões do cinema”, explica.
De acordo com ela, todas as cenas são, de forma geral, bastante representativas na história do cineasta. Mas a cena do hospital, quando o irmão cobra US$ 1 milhão para doar a médula, é, segundo Bárbara, uma história muito forte. “No filme, não é tão aprofundado. Tem apenas um doador compatível e esse cara está pedindo dinheiro para isso. Vida não tem preço. Depois foi ajeitado. Ele devolveu. Mas na hora é uma cena forte.”
Bárbara vê Meu amigo hindu como um filme sobre a vida. “Tem doença, sofrimento, mas acaba com vitória”, diz. Segundo ela, o longa reafirma que é possível sobreviver após um transplante de médula óssea. O próprio Gianecchini é um exemplo dessa superação. “É sobre a vontade de querer estar vivo”, resume.