A um braço de distância, o explorador Pen Hadow encarou um dos predadores mais temidos do Ártico. Sem tempo para pegar sua espingarda, restou-lhe apenas a velha panela incrustada de mingau que havia herdado da mãe. O que aconteceu em seguida revela como a sobrevivência humana pode depender dos objetos mais improváveis – e como nossa relação com a natureza selvagem está mudando para sempre.
Em 1990, aos 28 anos, Hadow estava no início de uma carreira que o transformaria no primeiro homem a completar sozinho a caminhada do Canadá ao Polo Norte. Naquele momento, porém, era apenas um jovem explorador acampado na costa leste de Spitsbergen, maior ilha do arquipélago norueguês de Svalbard. A região concentra ursos polares durante a primavera, época de acasalamento, quando os animais famintos se tornam mísseis em busca de carne.
Quando estou explorando, minha amígdala entra em overdrive e meu sono fica muito leve.
O explorador havia desenvolvido uma sensibilidade extrema aos perigos do ambiente ártico.
O som que mudou tudo

Por três noites consecutivas, Hadow acordara com ruídos que julgava serem pegadas de urso na neve. Verificar significava enfrentar o frio extremo: cristais de gelo formados pela condensação caíam quando ele tocava a barraca, e o contato dos dedos desprotegidos com o saco de dormir causava queimaduras pelo frio. A rotina era sempre a mesma: ajoelhar-se dentro do saco de dormir, abrir o zíper da barraca e fazer uma verificação de 360 graus. Várias vezes, não havia nada.
Naquela manhã específica, o explorador terminava o café da manhã quando desligou o fogareiro barulhento que derretia neve para suas garrafas térmicas. No silêncio repentino, ouviu novamente o estalo familiar. “Por causa dos alarmes falsos anteriores, senti-me bastante indiferente ao abrir o zíper”, conta. Foi então que se deparou com um urso polar adulto praticamente dentro de sua barraca.
A panela que salvou uma vida
A arma carregada estava atrás dele, mas Hadow sabia que qualquer movimento brusco poderia provocar o ataque. Instintivamente, suas mãos encontraram a panela de metal pesada com cabo de plástico – a mesma que sua mãe usara por anos. Com toda a força que conseguiu reunir, acertou a cabeça do animal. O urso franziu o rosto e inclinou a cabeça para o lado, aparentemente mais surpreso com o barulho metálico do que com o impacto.
“Lembro-me claramente dele franzindo o rosto, quase com um olhar curioso”, descreve Hadow.
As reverberações da panela ecoaram pelo silêncio ártico, criando um momento de tensão absoluta entre homem e fera. Enquanto o explorador considerava um segundo golpe, o urso decidiu por ele: virou-se e saiu em disparada, desaparecendo no horizonte gelado.
Lições do gelo derretendo

Ao longo de 35 encontros com ursos polares, Hadow desenvolveu técnicas de sobrevivência que vão além da força bruta. Aprendeu a reconhecer os sinais de um ataque iminente: a respiração ofegante que “soa como um trem do metrô de Londres” quando o animal se prepara para investir. Carrega espingarda e cartuchos especiais para assustar os animais, mas nunca precisou usar munição letal. “Você precisa se lembrar de que eles têm mais direito de estar lá do que você”, reflete.
A experiência transformou sua perspectiva sobre a relação entre humanos e natureza. O que começou como uma mentalidade de “eu contra o ambiente” evoluiu para uma filosofia de trabalho conjunto com o mundo natural. Hoje, Hadow dedica sua vida à proteção dos ursos polares e de seu habitat.
O derretimento do gelo marinho causado pelas mudanças climáticas significa que habitats selvagens como aquele talvez nunca mais sejam vistos por futuras gerações. Para Hadow, que se sentiu “mais em sintonia com o mundo” durante seus momentos solitários no Ártico, essa realidade parte o coração. A panela de sua mãe não foi apenas uma arma improvisada – foi o instrumento que permitiu a um jovem explorador viver o suficiente para se tornar uma voz pela preservação de um dos últimos territórios selvagens do planeta.






