Em 2025, arqueólogos revelaram uma descoberta de grande impacto para a história marítima: a provável localização do antigo navio de guerra português Nossa Senhora do Cabo, uma embarcação perdida há mais de três séculos após um ataque de piratas. A identificação ocorreu recentemente nas proximidades de Nosy Boraha, uma pequena ilha ao largo da costa leste de Madagascar, lançando luz sobre um capítulo pouco conhecido das rotas marítimas do século XVIII.
A investigação foi conduzida por especialistas do Center for Historic Shipwreck Preservation, sediado em Massachusetts, nos Estados Unidos. A confirmação da identidade do navio envolveu análises detalhadas de documentos históricos, exame da estrutura do casco encontrado e estudo de artefatos resgatados do local. O episódio ganhou relevância não apenas pelo valor dos objetos transportados na embarcação, mas pelo contexto de navegação colonial na época e pelas consequências do ataque pirata ocorrido em 1721.
Quais eram as origens e a missão do Nossa Senhora do Cabo?
O Nossa Senhora do Cabo partiu de Goa, então colônia portuguesa na Índia, no início de 1721, com destino a Lisboa. Conduzia a bordo uma significativa coleção de tesouros adquiridos no subcontinente indiano, incluindo barras de ouro e prata, joias, tecidos preciosos e artefatos religiosos. Além desses objetos, a embarcação transportava figuras importantes, como o vice-rei português de Goa, o arcebispo da cidade e cerca de duzentos indivíduos escravizados vindos de Moçambique, o que ilustra o complexo contexto social e econômico da viagem.
A carga valiosa do navio, avaliada atualmente em cerca de 138 milhões de euros, refletia a dinâmica das trocas comerciais entre Oriente e Ocidente naquele período. Seu objetivo era atender às demandas da Corte portuguesa, além de promover o fortalecimento do poder colonial em pleno cenário de disputas marítimas e presença de pirataria nas rotas africanas e indianas.
Como ocorreu o ataque pirata à embarcação portuguesa?
No dia 8 de abril de 1721, o Nossa Senhora do Cabo encontrou-se em situação de vulnerabilidade próximo à Ilha da Reunião, após ter sofrido com uma forte tempestade. A tripulação precisou lançar ao mar parte dos canhões para evitar o naufrágio, o que reduziu enormemente sua capacidade de defesa. Aproveitando a fragilidade do navio, um grupo de piratas cercou a embarcação, abordou-a e saqueou uma quantidade significativa de bens.
- A região de Nosy Boraha, à época chamada Île Sainte-Marie, era conhecida como refúgio de piratas europeus devido à localização estratégica e à ausência de fiscalização governamental.
- O local integrava rotas comerciais intensas e, por isso, atraía diversos ataques a embarcações carregadas de riquezas vindas do Oriente.
- Após o saque, relatos sugerem que os piratas decidiram afundar o navio de propósito para eliminar qualquer vestígio do crime praticado.
O que foi encontrado no local do naufrágio?
Desde o início das pesquisas arqueológicas até agora, foram recuperados mais de 3.300 itens no local do naufrágio do Nossa Senhora do Cabo. Entre os achados, destacam-se moedas de ouro com inscrições em árabe, peças de porcelana, ícones religiosos e até uma placa de marfim com detalhes em ouro, onde se lê “INRI”, referência à frase latina atribuída a Jesus de Nazaré.
Boa parte dos vestígios está hoje encoberta por areia e sedimentos, o que pode limitar futuras escavações arqueológicas. Contudo, a importância histórica dos artefatos resgatados já contribui para a compreensão de práticas comerciais, religiosas e sociais daquele período.
O que aconteceu com os tripulantes e o destino dos tesouros perdidos?
Ainda há dúvidas sobre o destino de todos os passageiros e tripulação do navio. Sabe-se que o vice-rei foi libertado após pagamento de resgate, mas o paradeiro de pessoas escravizadas e do arcebispo permanece incerto. Já parte dos tesouros permaneceu no fundo do mar, apesar do saque pirata, compondo o acervo de artefatos recuperados nos últimos anos.
Além disso, registros históricos e investigações atuais indicam que outros naufrágios de navios saqueados por piratas estariam próximos à mesma área de Nosy Boraha, o que mantém ativo o interesse da comunidade científica e arqueológica internacional em expedições futuras para estudar mais profundamente a história marítima do oceano Índico.
Como a descoberta do Nossa Senhora do Cabo contribuiu para o entendimento das rotas de navegação do século XVIII?
A localização dos destroços do Nossa Senhora do Cabo nas proximidades de Madagascar permitiu confirmar antigos relatos de navegadores portugueses e de outros exploradores sobre as rotas preferenciais pelo canal de Moçambique. Pesquisas recentes envolvendo mapas náuticos históricos e levantamentos oceanográficos auxiliam a rastrear os caminhos utilizados por embarcações coloniais, mostrando como fatores como ventos, correntes marítimas e ameaças de pirataria influenciavam a escolha dos trajetos. Esse entendimento tem impulsionado revisões em estudos acadêmicos que tratam do comércio entre Europa, África e Ásia durante o período moderno, evidenciando a importância estratégica de pontos como a Île Sainte-Marie nas rotas marítimas internacionais.
Quais avanços tecnológicos foram utilizados nas investigações arqueológicas deste naufrágio?
Para identificar e analisar os destroços do Nossa Senhora do Cabo, arqueólogos marítimos empregaram modernas tecnologias como sistemas de sonar de varredura lateral, veículos operados remotamente (ROVs) e métodos avançados de datação por carbono. Tais recursos permitiram explorar áreas profundas e sedimentadas próximas a Nosy Boraha com maior precisão, localizando fragmentos do casco, objetos pessoais e até vestígios da estrutura do convés. A combinação desses avanços com análise de registros históricos resultou em uma das mais detalhadas reconstruções de naufrágios coloniais já realizadas no oceano Índico, ampliando o conhecimento sobre técnicas de construção naval e práticas do transporte marítimo da época.
