Às vezes a realidade supera qualquer ficção. E quando você descobre a história por trás da série The Act, do Hulu, fica difícil acreditar que tudo isso realmente aconteceu. Estamos falando de um dos casos mais bizarros e perturbadores da história criminal americana – o assassinato de Dee Dee Blanchard pela própria filha, Gypsy Rose, em 2015.
A série estrelada por Joey King e Patricia Arquette trouxe essa história macabra para as telas em 2019, mostrando como uma mãe pode transformar o amor em prisão. Mas a realidade por trás das câmeras é ainda mais chocante do que qualquer roteiro poderia imaginar. É uma história sobre manipulação, abuso psicológico e o desespero de uma jovem para encontrar liberdade.
Como Gypsy Rose descobriu que nunca foi doente?
Gypsy Rose Blanchard cresceu acreditando que estava morrendo. Sua mãe, Dee Dee, contava para todo mundo que a filha tinha leucemia, distrofia muscular, epilepsia, asma e uma série de outras doenças graves. Gypsy passava os dias numa cadeira de rodas, tomando remédios que não precisava e fazendo cirurgias desnecessárias.
A verdade é que Gypsy sempre foi uma criança perfeitamente saudável. Dee Dee sofria de Síndrome de Munchausen por Procuração, um transtorno psicológico onde o cuidador inventa ou causa doenças em outra pessoa para receber atenção e simpatia. Por anos, ela enganou médicos, vizinhos, organizações de caridade e até mesmo a própria filha.
Gypsy começou a suspeitar que algo estava errado quando adolescente. Seus dentes estavam caindo por causa dos remédios desnecessários, mas ela conseguia andar quando a mãe não estava vendo. Aos poucos, foi percebendo que seu corpo não funcionava como Dee Dee dizia. A descoberta da verdade foi um choque traumático que mudaria tudo.
A situação chegou ao extremo quando Gypsy tentou fugir pela primeira vez aos 19 anos. Dee Dee descobriu, destruiu seus aparelhos eletrônicos e a prendeu na cama por duas semanas. Foi quando Gypsy percebeu que precisava de uma solução mais drástica para escapar do controle da mãe.
Por que Gypsy planejou assassinar a própria mãe?
Em 2012, Gypsy conheceu Nicholas Godejohn pela internet. Ele tinha 24 anos e morava no Wisconsin. Os dois começaram um relacionamento virtual que durou anos, sempre escondido de Dee Dee. Nicholas se tornaria peça fundamental no plano que Gypsy estava desenvolvendo na mente.
Gypsy via apenas duas opções: continuar sendo prisioneira da mãe para sempre ou encontrar uma forma de escapar definitivamente. Ela havia tentado fugir antes e não deu certo. Dee Dee sempre conseguia trazê-la de volta, mentindo sobre a idade da filha e convencendo todos de que Gypsy era incapaz de cuidar de si mesma.
A relação entre mãe e filha havia se tornado tóxica demais. Dee Dee controlava cada aspecto da vida de Gypsy – o que ela comia, assistia, vestia, com quem falava. Gypsy não tinha amigos, não podia trabalhar, não podia ter um relacionamento normal. Aos 23 anos, ainda era tratada como uma criança de 7 anos de idade mental.
O plano foi sendo construído aos poucos através de conversas online com Nicholas. Gypsy sabia que ele tinha problemas psicológicos e personalidades múltiplas, mas via nele a única pessoa disposta a ajudá-la. Em junho de 2015, ela finalmente colocou o plano em ação.
Como aconteceu o assassinato de Dee Dee Blanchard?
Na madrugada de 14 de junho de 2015, Nicholas Godejohn entrou na casa dos Blanchard em Springfield, Missouri. Gypsy havia escondido uma faca na casa e deixado a porta dos fundos destrancada. Enquanto Dee Dee dormia, Nicholas a esfaqueou 17 vezes nas costas.
Gypsy ficou no banheiro durante o assassinato, mas ouviu os gritos da mãe. Depois do crime, ela e Nicholas tiveram relações sexuais no quarto dela – uma das poucas vezes que Gypsy pôde experimentar intimidade física. Eles roubaram mais de 4 mil dólares em dinheiro que Dee Dee guardava em casa e fugiram para o Wisconsin.
Antes de partir, Gypsy fez posts perturbadores no Facebook da mãe, incluindo “Aquela cadela está morta!”. Era uma forma de garantir que alguém encontrasse o corpo rapidamente. Os vizinhos, preocupados com as mensagens estranhas, chamaram a polícia para fazer uma verificação de bem-estar.
Quando a polícia encontrou o corpo de Dee Dee, inicialmente pensaram que Gypsy havia sido sequestrada. Afinal, sua cadeira de rodas ainda estava em casa e todos acreditavam que ela era uma jovem gravemente doente e com deficiência mental. A verdade só veio à tona quando encontraram Gypsy andando normalmente no Wisconsin.
Qual foi o destino de Gypsy e Nicholas?
Gypsy Rose foi condenada a 10 anos de prisão por assassinato em segundo grau. Ela aceitou um acordo com a promotoria, reconhecendo sua participação no crime. Nicholas Godejohn, que efetivamente cometeu o assassinato, foi condenado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
A sentença de Gypsy foi considerada relativamente leve devido às circunstâncias extremas de abuso que ela sofreu durante toda a vida. Muitos especialistas e o próprio júri reconheceram que ela foi vítima antes de se tornar criminosa. Sua história gerou debates sobre como o sistema legal deve lidar com vítimas de abuso que cometem crimes.
Gypsy foi libertada em dezembro de 2023, após cumprir oito anos da pena. Sua saída da prisão gerou interesse renovado no caso, especialmente nas redes sociais. Ela se casou na prisão com Ryan Anderson em 2022, mas se separou em março de 2024. Atualmente, está em um relacionamento com Ken Urker, seu ex-noivo da época da prisão.
Em janeiro de 2025, Gypsy deu à luz sua primeira filha. O nascimento aconteceu no mesmo dia em que ela completou um ano de liberdade. Hoje, aos 33 anos, ela tenta reconstruir sua vida longe dos holofotes, mas continua sendo uma figura pública controversa.
Por que essa história continua fascinando as pessoas?
O caso Gypsy Rose Blanchard expõe camadas profundas da natureza humana e falhas do sistema. Como uma mãe pode abusar da própria filha durante décadas sem ninguém perceber? Como médicos, vizinhos e organizações de caridade foram enganados por tanto tempo? Essas perguntas inquietam qualquer um que conhece a história.
The Act conseguiu capturar a complexidade psicológica do caso. Patricia Arquette e Joey King entregaram performances devastadoras que mostraram tanto o horror quanto a humanidade dos personagens. A série não romantiza o crime, mas ajuda a entender as circunstâncias extremas que levaram ao assassinato.
A história também levanta questões sobre autonomia, abuso psicológico e os limites da compaixão. Gypsy foi simultaneamente vítima e criminosa, criando um dilema moral que não tem respostas fáceis. Seu caso mudou como profissionais de saúde identificam sinais de Síndrome de Munchausen por Procuração.
Um caso que expõe falhas do sistema
O caso Gypsy Rose me deixa dividido entre revolta e compaixão. Por um lado, é impossível não sentir raiva de Dee Dee pelo que fez com a filha. Por outro, Gypsy tirou a vida de uma pessoa, independentemente das circunstâncias. Não existe uma resposta moralmente simples para essa tragédia.
O que mais me impressiona é como tantas pessoas foram enganadas por tanto tempo. Dee Dee era uma manipuladora extraordinária que conseguiu criar uma narrativa convincente sobre a doença da filha. Isso mostra como predadores psicológicos podem operar por anos sem serem detectados.
Gypsy merecia liberdade, mas não dessa forma. Sua história é um lembrete de que precisamos estar mais atentos aos sinais de abuso, especialmente quando envolve crianças e pessoas vulneráveis. O sistema falhou em protegê-la quando criança, mas felizmente reconheceu as circunstâncias atenuantes quando ela se tornou criminosa.
Hoje, Gypsy tem a chance de viver a vida que nunca pôde ter. Espero que ela consiga encontrar paz e normalidade longe dos traumas do passado.