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Estado de Minas

Texto do libanês Wajdi Mouawad, 'Céus' coloca em debate o terrorismo

Dirigida por Aderbal Freire-Filho, a montagem é inspirada nas movimentações políticas e sociais que balançaram o Brasil em 2013


14/03/2018 08:00 - atualizado 14/03/2018 09:26

O espetáculo Céus se divide em ações coletivas e cenas individuais, e que os personagens expõem sua humanidade(foto: Léo Aversa/Divulgação)
O espetáculo Céus se divide em ações coletivas e cenas individuais, e que os personagens expõem sua humanidade (foto: Léo Aversa/Divulgação)
De autoria do libanês Wajdi Mouawad, um dos dramaturgos mais cultuados da atualidade, a peça Céus se fundamenta na tensão envolvendo um ataque terrorista prestes a ocorrer. O que poderia ser um assunto particular do Oriente Médio e das grandes potências ocidentais foi visto como um tema bem apropriável ao cotidiano brasileiro pelo ator e produtor Felipe de Carolis. Inspirado pelas movimentações políticas e sociais que balançam o país desde 2013, ele se juntou ao diretor Aderbal Freire-Filho para mais uma parceria envolvendo a obra do autor. Depois de estrear no Rio, em 2016, e passar por São Paulo no ano passado, o espetáculo chega a Belo Horizonte para duas apresentações no Teatro Bradesco.

Freire-Filho tem 76 anos, mais que o dobro dos 29 de Felipe de Carolis. Apesar da diferença, os dois têm lugar de destaque no teatro brasileiro, com prêmios e peças elogiadas pela crítica. Em 2013, estrearam Incêndios, outra adaptação de Mouawad, conhecida por inspirar também Denis Villeneuve, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011 com sua versão cinematográfica. Ainda durante a turnê, estrelada por Marieta Severo, mulher de Aderbal, surgiu a ideia de adaptar e montar Céus, parte da mesma tetralogia Sangue das promessas, que inclui ainda Florestas e Litoral.

A narrativa se passa dentro de um apartamento de localização desconhecida, onde alguns especialistas investigam um ataque terrorista. Embora o assunto seja explorado à exaustão por Hollywood, há uma diferenciação do imaginário comum, que associa diretamente essas práticas ao choque entre Oriente Médio e Ocidente. “A questão central é o terrorismo, que não é brasileiro, a atualidade dele é universal. Mas ele respinga para outras questões, é a guerra contemporânea. O particular dessa peça é discutir isso sob outra ótica, não só das diferenças puramente religiosas ou culturais, que provocam isso, mas procurar as razões na própria história ocidental”, explica Aderbal Freire-Filho.

Com Rodrigo Pandolfo, Marco Antonio Pâmio, Karen Coelho e Isaac Bernat, além do produtor Felipe de Carolis, o elenco se divide entre uma tradutora especialista em línguas, um técnico em criptografia, um engenheiro de som e um hacker, confinados em uma espécie de bunker e imbuídos na missão de desvendar e desarticular o atentado iminente contra uma nação indeterminada. As cenas se passam na sala do imóvel ou nos quartos, onde a individualidade de cada personagem é mais exposta. “Existem duas vertentes de ações transcorrendo. Uma é essa principal, central, coletiva, da ação profissional deles para desvendar esse possível atentado. Por outro lado, há ações individuais, humanas, de cada membro. Um contraponto entre técnicos em um momento e individualidades humanas em outro”, analisa o diretor.

Revolta


O esforço conjunto leva a resultados surpreendentes e, então, a peça se descola do senso comum em torno do tema central. “Aos poucos, eles descobrem a força de uma das pistas da investigação, que leva a uma revolta da juventude frente a um mundo que permanentemente se destrói pelas guerras, que matam principalmente os jovens. Ao expor isso, ela se aproxima da gente, pois mostra como os jovens têm sido agredidos desde sempre. Descobrimos quem são os verdadeiros terroristas, em todas as guerras, mundiais, civis, até chegar mais perto de nós, num país que em sua tradição mais pacífica não tem uma guerra civil, mas vive uma experiência de conflito interno muito grande, em que a juventude também é a principal vítima”, argumenta Freire-Filho.

Parceiro do diretor e de Felipe de Carolis desde a última adaptação que fizeram de Mouawad, o ator Isaac Bernat destaca a experiência de trabalhar novamente um texto do autor libanês. “A história tem muita tensão e momentos de individualidade dos personagens. É uma mistura do pequeno e do grande em cena e esse é o segredo da dramaturgia do Wajdi (Mouawad). Ele é social e político em muitos momentos da trama, mas tem a humanidade dos personagens. É um exercício muito interessante para o ator”, define Bernat.

O ator lembra ainda como o enredo dialoga com a realidade de vários locais do mundo, inclusive o Brasil. “A juventude é prejudicada porque não viveu ainda o suficiente e pode ser ceifada a qualquer momento, sem perspectiva. E isso está acontecendo no mundo inteiro. Hoje, temos o terrorismo diário aqui no Rio, tiros, assassinatos brutais todos os dias”, opina.

Ao mesmo tempo, ele enaltece como o público jovem, alvo dos questionamentos que a narrativa propõe, se relaciona com a peça. “A juventude é incrível, eles ficam muito conectados, no começo da peça tem um enigma, uma coisa obscura com a criptografia e essa coisa dos hackers, e os jovens percebem muito bem, até por estarem ligados nos aplicativos, nas redes sociais. Eles entendem de cara, enquanto os pais se sentem muito abalados pela gravidade do contexto. É uma peça que atinge todo mundo, porque mostra que não estamos seguros em lugar algum”, explica Isaac, que vai aproveitar a passagem por Belo Horizonte para ministrar uma oficina sobre o griot Sotigui Kouyaté, sábado, no Centro de Referência da Juventude (CRJ).

 

A história se passa dentro de um apartamento com localização desconhecida(foto: Léo Aversa/Divulgação)
A história se passa dentro de um apartamento com localização desconhecida (foto: Léo Aversa/Divulgação)

Tragédia

A tensão e a tragédia no texto são vistos pelo diretor como grandes qualidades do autor de 49 anos, nascido no Líbano, e refugiado no Canadá e na França desde a infância por causa da guerra. Aderbal observa que Mouawad chega perto daquilo que os grandes clássicos gregos do gênero imortalizaram.

“O trágico, por natureza, tem essa função catártica. Quando fiz Incêndios, fiquei muito impressionado com a atualidade que ele consegue dar à tragédia, especialmente na relação do espetáculo com o público. Nessa peça, isso se repete. Já fiz montagens de tragédias gregas, mas nunca tinha visto uma relação tão contemporânea, pude ter uma ideia de como seria a tragédia grega na sua época. Acho que o Mouawad conseguiu atingir o público com emoção com a mesma força que o gênero tinha originalmente”, revela Freire-Filho, ressaltando que o teatro “precisa mexer com o público”, seja através do humor, da ironia ou da tragédia. Pela primeira vez em BH, o espetáculo Céus é financiado pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultura.

A ARTE DO GRIOT


O ator Isaac Bernat realiza, no sábado (17), oficina sobre o griot Sotigui Kouyaté, nascido em Mali. Griots são músicos ou contadores de histórias africanos responsáveis por transmitir tradições e costumes de seu povo aos mais jovens. Isaac conviveu por 10 anos com Kouyaté, ganhador do Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim  em 2009, pelo filme London river, um ano antes de morrer. A oficina vai abordar partilha, sensibilidade, o poder de contar histórias e a ancestralidade por meio de exercícios e jogos, além
de exibir vídeo sobre Sotigui Kouyaté, provérbios e histórias. As inscrições são gratuitas e abertas a qualquer interessado e podem ser feitas no site www.rubim.art.br. O encontro será realizado no Centro de Referência da Juventude (Praça Rui Barbosa, 50, Centro), no sábado (17), das 9h às 18h.

CÉUS

Texto de Wajdi Mouawad. Direção de Aderbal Freire-Filho. Com Felipe de Carolis, Rodrigo Pandolfo, Marco Antonio Pâmio, Karen Coelho e Isaac Bernat. 110 minutos. Sexta-feira (16) e sábado (17), às 21h, no Teatro Bradesco (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes, (31) 3516 1360). Ingressos: R$ 25 (inteira) e R$ 12,50 (meia). Classificação: 14 anos. As apresentações terão tradução em libras.


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