Justiça nega liminar e peça com Jesus travesti estreia sob aplausos

Com todos os ingressos vendidos, espetáculo entrou em cartaz na Funarte, mesmo com protesto de grupos religiosos

Pedro Galvão

Renata Carvalho, atriz, travesti e ativista, é a protagonista do espetáculo - Foto: Ligia Jardim / Divulgação

Cercada de polêmicas e alvo de protestos por onde passa, O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu estreou em Belo Horizonte nessa quinta-feira (5/10). Em relação aos ataques que tem sofrido, na capital mineira não foi diferente. Uma ação judicial tentou cancelar a peça, mas a liminar foi negada pela juíza Cláudia Maria Resende Neves Guimarães, titular da 28ª Vara Federal. No entanto, a peça foi apresentada com casa cheia e boa recepção do público.

 

O monólogo, originalmente escrito pela dramaturga transexual escocesa Jo Clifford e traduzida, montada e dirigida pela argentina radicada em São Paulo Natalia Mallo, tem como protagonista uma releitura de Jesus vivendo nos dias atuais como uma travesti, interpretada pela atriz Renata Carvalho. A proposta causa a revolta de alguns grupos religiosos.

 

Na porta da Funarte, onde a peça está em cartaz até domingo como parte da Ocupação Transarte, cujo objetivo é promover o encontro de artistas, ativistas e pesquisadores da cena cultural LGBT, cerca de dez pessoas protestaram pacificamente contra a exibição. O grupo tinha cartazes pedindo respeito pela fé e usava mordaças simbólicas. Formada por pessoas de diferentes religiões cristãs, a manifestação foi organizada pelo Facebook.

Grupo protestou em frente a Funarte, em BH, antes da exibição da peça - Foto: Pedro Galvão / EM 

Nicholas Phillipp, estudante de direito 25 anos, era um dos que protestava.

“Como estudante de direito, eu venho assegurado juridicamente, relevando o artigo 208 do código penal que fala sobre escarnecer de alguém publicamente por motivos de crença ou função religiosa, então a gente vem se posicionar, infelizmente muitas vezes somos rotulados como intolerantes, mas colocamos isso aqui na boca (mordaças) para colocar nosso lado e pedir que eles respeitem, pedir que eles manifestam a ideologia LGBT deles respeitando a religião dos outros”, explica.

 

Apesar da reprovação de alguns, todos os 120 ingressos foram vendidos e o espetáculo foi muito aplaudido pelo público presente. A carga de entradas para a sessão dessa sexta-feira (6/10) também foi esgotada. Ao fim da peça, Renata Carvalho, que é travesti,  fez um discurso em defesa da população trans, lembrando da violência contra transexuais e travestis e da falta de oportunidade que essas pessoas encontram na sociedade.

 
Em entrevista após a peça, ela falou sobre os protestos realizados antes da apresentação, ressaltando que objetivo não é atacar a religião, mas promover o respeito pelas travestis. “Eles têm o direito de se manifestar, mesmo, o que eu faço é o convite para eles para uma conversa, temos que conversar sobre tudo, dialogar, convido a assistir ao espetáculo para ter um entendimento mais profundo, porque ele fala sobre uma população extremamente marginalizada historicamente que é a população trans”, afirma Renata, que tem 21 anos dedicados às artes cêcnicas.

 

Entre o público presente estava a vereadora de Belo Horizonte Cida Falabella (PSOL). Ela comentou sobre os protestos contrários ao espetáculo e outras manifestações artísticas, argumentando que há um interesse eleitoral por trás desses movimentos. "Estamos vendo um avanço de grupos conservadores apoiados por milícias como MBL, que criam factóides e jogam na rede para tumultuar o ambiente descontextualizando a represetanção artístca de maneira covarde, criando um senso comum de que a arte produz pedofilia  ou zoofilia, num debate raso mas que se se espalha facilmente, até porque temos índices muito baixos de pessoas que vão a museus e exposições no país, o debate na verdade é sobre poder, sobre 2018, sobre disputar essas cabeças e mentes, então tentamos resistir com o afeto e com a comunicação que a arte proporciona, sempre lembrando que ela deve ser livre, até porque aqui não há nenhuma incitação ao ódio, e sim uma reflexão sobre as mazelas da nossa sociedade", argumenta a vereadora. 

 

A peça

Sozinha no palco, a atriz aparece de salto, vestido e blazer e logo se apresenta: "Vocês não imaginavam me encontrar aqui, vocês imaginavam me encontrar na igreja, mas na igreja não posso entrar". E então começa o monólogo, baseado na reinterpretação da história bíblica. O texto faz releituras de algumas parábolas, como a do Filho Pródigo e das Bodas de Caná, mas colocando uma protagonista feminina no lugar do homem e contadas em primeira pessoa pela personagem.

 

Em umas das cenas, ela diz “Nunca disse: cuidado com os homossexuais, transexuais e gays. Eu nunca disse isso, eu disse: cuidado com os autoindulgentes e os hipócritas, cuidado com aqueles que se imaginam virtuosos e proferem julgamento, aqueles que condenam os outros e se consideram bons.

Seus lábios são cheios de bondade, mas seus corações estão plenos de ódio”. Ao final, ela divide o pão e o vinho com o público presente, assim como Jesus fez com seus apóstolos na Santa Ceia. A versão original, estrelada pela autora Jo CLifford, esteve em BH ano passado, como parte da programação do FIT. No entanto, a dramaturga passou mal e a apresentação não foi concluída.

 

O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu será exibido novamente na sexta-feira (6/10), sábado (7/10) e domingo 8/10). A peça é uma das atrações da mostra Ocupação Transarte, realizada na Funarte, reunindo outras manifestações artísiticas voltadas para a visibilidade LGBT. A promogramção completa pode ser acessada aqui

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