Estranhamento, homem em papel de mulher, troca de autor: há 50 anos, ia ao ar a novela O Bofe

Bráulio Pedroso iniciou a história, que depois passou às mãos de Lauro César Muniz

Redação - Observatório da TV 18/07/2022 15:29
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Stanislava (Ziembinski) e Dorival (Jardel Filho) em O Bofe (foto: Reprodução/Amiga)

Após o grande sucesso de Bandeira 2, de Dias Gomes, em sua faixa das 22h, a TV Globo estreou em 17 de julho de 1972 a inventiva O Bofe, de Bráulio Pedroso. O novelista voltava à faixa apenas alguns meses ausente, já que a antecessora de Bandeira 2, O Cafona, também foi sua.

Com a inquietação criativa que possuía em sua obra e o inventivo a mais que o veículo televisão lhe dava, Bráulio Pedroso desenvolveu uma narrativa ousada, como o horário permitia e até solicitava, cuja tônica geral era a do conflito de classes entre a zona sul carioca e o subúrbio, habitado por diversos personagens excêntricos que desejam ascender socialmente. O tom era de farsa, no sentido dramatúrgico da coisa.

Nas chamadas da novela, era utilizado o seguinte slogan: 'O Bofe: uma sátira de Bráulio Pedroso ao nosso meio ambiente, contra a poluição social'. Era o prosseguimento de uma obra criativa, iniciada na TV Tupi em 1968 com Beto Rockfeller, dirigida pelo mesmo profissional que também foi responsável por O Bofe: Lima Duarte, então estreando na TV Globo após mais de 20 anos de ligação com a emissora pioneira em São Paulo.

No decorrer do tempo, a palavra bofe tomou outra conotação, bastante diferente da que tinha no começo dos anos 1970. Se hoje indica homem, em geral bonito, naquele tempo era mais usada para falar de homens descuidados da aparência, ou feios propriamente.

Para ilustrar o título havia dois personagens em especial: os mecânicos de automóveis Dorival (Jardel Filho) e Demetrius, o Grego (Cláudio Marzo).

Dorival se interessava pela jovem viúva Guiomar (Betty Faria), filha da polonesa Stanislava Grotowska (Ziembinski), aqui no primeiro papel travestido da nossa teledramaturgia). Ele a conhecia durante suas idas à praia nos finais de semana, muito bem vestido, para impressionar moças de boa situação.

Sobre Stanislava, o autor declarou em entrevista publicada pelo jornal O Globo no dia da estreia da novela: 'Quando comecei a escrever O Bofe, alguns personagens foram bolados para determinados atores, como é o caso do Jardel Filho, do Antonio Pedro e do Ziembinski. Nesta novela o meu trabalho foi facilitado, pois tenho vários personagens bons. A Stanislava foi criada para quebrar o realismo. O fato de Ziembinski, um homem, interpretar uma velha, serve para confirmar a farsa'.

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Grego (Cláudio Marzo) em O Bofe (foto: Reprodução/Amiga)

Já Grego, por sua vez, tinha um talento todo especial para recuperar automóveis batidos, para que depois fossem revendidos como novos. Sérgio Marreta (Milton Moraes) era outro dos envolvidos na operação. Até que um dia um marchand descobre o talento de Grego e aposta nele: surge então um novo artista plástico, com novas possibilidades.

Também tinham destaque no enredo os jovens Maneco (Cláudio Cavalcanti) e Bandeira (José Wilker), sempre empenhados em criar formas de dar fim a Carlota (Zilka Salaberry), tia do primeiro, que desejava tomar posse da herança.

Hippie e bastante malandro, Bandeira enganava pessoas ricas passando-se por decorador de interiores. Segundo José Wilker em depoimento ao Projeto Memória Globo, o personagem era inspirado num amigo do autor, Bráulio Pedroso.

Inocêncio (Paulo Gonçalves) era um falso padre que se aproximava de Carlota, também de olho em seu dinheiro. A Censura não gostou da representação de um padre como golpista, ainda que não fosse um padre verdadeiro. Resultado: Inocêncio virou padre mesmo!

Também ajudava a compor o quadro de figuras para retratar o conflito de classes em O Bofe a bela Suzana (Ilka Soares), figura de sociedade, integrante do júri do programa de Chacrinha que, curiosamente, na época não era mais exibido pela TV Globo e sim pela TV Tupi.

Uma das personagens suburbanas, Gonzaguinha (Eloísa Mafalda) era uma macumbeira de figura grotesca, que lembrava uma bruxa desajeitada. A atriz se dividiu entre a novela e o papel de Dona Nenê na primeira versão da série A Grande Família.

Além de Dorival, Jardel Filho também aparecia em O Bofe como um trapezista com o qual a velhinha Stanislava sonhava quando se embebedava de... xarope.

A excentricidade de diversos personagens e seu comportamento causou algum estranhamento em parte do público, que não compreendeu de cara a modernidade da proposta de O Bofe. Isso, somado ao fato de que Bráulio foi acometido de uma grave hepatite, levou a TV Globo a ter que substituí-lo.

Com cerca de dois meses no ar, O Bofe passou a ser escrita por Lauro César Muniz, que assim estreava nas novelas da casa após escrever algumas histórias para a série Shazan, Xerife & Cia. À época, maldosamente publicou-se na imprensa que o mal de Bráulio era 'ibopatite', diante da queda de audiência em relação às novelas anteriores da faixa das 22h.

Ainda que se tentasse manter a essência da criação original, a 'nova fase' de O Bofe acabou impondo uma lógica encomendada, no dizer do pesquisador Ismael Fernandes, a fim de que a novela passasse a interessar a uma parcela da audiência que a havia rejeitado.

Em solidariedade a Bráulio Pedroso, José Wilker pediu para deixar a novela. Bandeira teve então uma morte bastante curiosa: Maneco cochichou em seu ouvido uma piada, da qual ele riu muito. Riu até morrer.

Outra curiosidade sobre O Bofe é que sua trilha sonora foi encomendada especialmente. No caso, a Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

No elenco da novela estiveram também Susana Vieira, Renée de Vielmond, Nilson Condé, Edson França, Antonio Pedro, Marilu Bueno, Paulo Villaça, Elizângela, Margot Baird, Darlene Glória, Vera Manhães, Mirian Pires e José Lewgoy, entre outros.

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