Bactérias da boca e risco de câncer de pulmão em pessoas que nunca fumaram

Pesquisadores investigaram o microbioma oral em busca de respostas sobre a causa de carcinogênese nesse grupo de pessoas e encontraram resultados promissores

Anna Shvets/Pexels
(foto: Anna Shvets/Pexels)

Sabe-se que o tabagismo é o principal fator de risco para surgimento do câncer de pulmão. Mas existem outras causas conhecidas, embora menos frequentes. Em um artigo publicado na prestigiada revista Thorax, o pesquisador Dr. Hosgood e colegas observam que cerca de um quarto dos casos de câncer de pulmão ocorrem em não fumantes e sem que outros fatores de risco conhecidos (exposição ao fumo passivo, poluição do ar e radônio e histórico familiar de câncer de pulmão) expliquem isso completamente.

Assertivamente, novas linhas de pesquisas vêm avaliando justamente a influência de bactérias no processo de desenvolvimento do câncer (carcinogênese). Pesquisas anteriores já encontraram ligações, por exemplo, entre cânceres gastrointestinais e o microbioma intestinal. Somado a isso, o tipo e o volume das bactérias encontradas na boca foram associados também a vários tipos de câncer, incluindo o câncer pancreático.

Quando considerados em conjunto, o limitado (mas crescente) corpo da literatura sugere que a diminuição da diversidade microbiana e o aumento da abundância de taxa dentro do filo Firmicutes - que também é estudado quanto à sua relação com a obesidade -, e mais especificamente Lactobacillales, no trato respiratório, podem estar associados a um risco aumentado de câncer de pulmão.

Em um estudo prospectivo recente, uma maior abundância de bactérias comensais orais foi associada a um menor risco de câncer de células escamosas de cabeça e pescoço, fornecendo evidências de que a microbiota fora do intestino também pode estar associada ao risco de câncer.

Dando sequência aos estudos, os pesquisadores avaliaram a diversidade e a abundância bacteriana usando sequenciamento shotgun metagenômico (método usado para sequenciamento de fitas longas de DNA de agentes infecciosos) em amostras de enxágue oral, coletadas na linha de base dos participantes do Estudo de Saúde da Mulher de Xangai e do Estudo de Saúde do Homem de Xangai, cuja saúde foi monitorada a cada três anos após a inscrição, entre 1996 e 2006. Todos os participantes eram não fumantes ao longo da vida.

Os dados das 90 mulheres e dos 24 homens que desenvolveram câncer de pulmão foram comparados com os dos 114 indivíduos de mesma idade e sexo que não desenvolveram câncer de pulmão.

Com isso, os investigadores descobriram que a diversidade alfa ou local (número total de espécies em um habitat) da microbiota oral mais baixa - mas não a diversidade beta (a mudança das espécies) - estava associada a um risco aumentado de câncer de pulmão.

Além disso, o aumento da abundância relativa nos filos Bacteroidetes e Spirochaetes foi associado a um risco reduzido de câncer de pulmão, enquanto o aumento da abundância dentro do filo Firmicutes foi associado a um risco aumentado de câncer de pulmão.

As associações permaneceram quando a análise foi restrita a pessoas que não tomaram antibióticos, na semana anterior à coleta da amostra, e após a exclusão daqueles com diagnóstico de câncer de pulmão, dois anos após a coleta da amostra para enxágue oral.

Este é o primeiro estudo prospectivo a avaliar o microbioma oral e o risco de câncer de pulmão em pessoas que nunca fumaram. É necessária a continuidade das análises, por exemplo, com estudos de replicação, dado o pioneirismo das descobertas e o tamanho limitado da amostra.

Pelos dados obtidos pôde-se concluir que, em pessoas que nunca fumaram, a menor diversidade local foi associada a um maior risco de câncer de pulmão e a abundância de certas espécies específicas foi associada a risco alterado, o que fornece mais informações sobre a etiologia do câncer de pulmão na ausência de tabagismo ativo.

Existem vários mecanismos conhecidos de ação carcinogênica da microbiota oral. Um deles é a estimulação bacteriana da inflamação crônica, que pode causar proliferação celular, mutagênese, ativação dos genes ligados ao surgimento de tumores (oncogenes) e formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese).

Outro mecanismo é que as bactérias podem afetar a proliferação celular, rearranjos do citoesqueleto (estrutura dinâmica presente no citoplasma das células), ativação de fator kappa-beta - NF-kB (fator envolvido no controle da expressão dos genes ligados à resposta inflamatória) e inibição da apoptose (morte celular geneticamente programada).

Ou seja, será interessante termos mais estudos sobre as vias oral, nasal e respiratória inferior em relação a exposições ambientais e vários distúrbios pulmonares. A cavidade oral e a nasofaringe são a entrada para o pulmão e uma maior compreensão dos aspectos funcionais do microbioma nesses compartimentos certamente ajudará a lançar luz sobre a patogênese e modificação da doença.

Atualmente, somente para o Brasil, estimam-se 17.760 casos novos de câncer de pulmão em homens e 12.440 em mulheres, para cada ano do triênio 2020-2022, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer José de Alencar (INCA). É necessário que todos os processos de desenvolvimento desse tipo de tumor sejam conhecidos para a correta prevenção e redução de casos.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.