Estresse pode levar a prejuízos neurais

Experimento mostra que esgotamento crônico causa a morte de células-tronco ligadas à formação de neurônios. Descoberta abre espaço para terapias contra Alzheimer e depressão

por Vilhena Soares 26/08/2019 14:13
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O estresse é um problema que acomete praticamente todas as pessoas em ao menos algum momento da vida, e os danos que ele causa à saúde têm sido estudados por diversos especialistas da área médica. Em pesquisa recente, cientistas coreanos relacionaram esse tipo de esgotamento à morte de células-tronco neurais hipocampais adultas, ligadas à neurogênese, processo de formação de novos neurônios. Os dados do trabalho, publicados na última edição da revista Autophagy, poderão, segundo os autores, ajudar no desenvolvimento de novas terapias para doenças como o Alzheimer e o Parkinson.

O estresse crônico já foi associado à depressão, esquizofrenia e doenças neurodegenerativas. No entanto, os mecanismos relacionados aos danos de funções cerebrais possivelmente provocados pela estafa mental ainda não são bem conhecidos. “Estudos anteriores mostram que a geração de neurônios é muito menor em camundongos estressados, e que a apoptose1, uma via de ‘suicídio’ celular (para reestruturação), não é detectada em células-tronco neurais hipocampais adultas (NSCs) desses animais. Isso levou à conclusão de que a morte celular não está relacionada à perda de NSCs durante o estresse”, destacam, no artigo, os autores, liderados por Seong-Woon Yu, pesquisador do Departamento de Cérebro e Ciências Cognitivas no Instituto de Ciência e Tecnologia Daegu Gyeonbuk, na Coreia do Sul.

Para entender melhor os dados relacionados ao estresse e aos danos neurais, os cientistas usaram NSCs derivadas de roedores geneticamente modificados para serem analisados em laboratório. A equipe descobriu que, mesmo em situação de estresse, a morte das células-tronco do hipocampo é evitada e as funções cerebrais normais são mantidas quando o Atg7, um dos principais genes autofágicos, é deletado.

A autofagia é um processo celular para proteger as células de condições desfavoráveis por meio da digestão e da reciclagem de seus materiais internos. Desse modo, pode-se remover componentes intracelulares tóxicos ou antigos e obter nutrientes e metabólitos para a sobrevivência. No entanto, sob certas condições, a autofagia se transforma em um processo de autodestruição, levando à morte celular autofágica. “É uma forma de morte celular distinta da apoptose, que é um processo de reestruturação, ou seja, mais positivo”, comparam os autores.

GENE REMOVIDO

A equipe de pesquisa também examinou um segundo mecanismo que controla a indução de autofagia de NSCs: o gene SGK3. Quando ele foi removido das células dos roedores, as células-tronco neurais hipocampais adultas não sofreram morte celular. “Com essas descobertas mecânicas, está claro, em nosso estudo, que defeitos cognitivos causados pelo estresse são causados pela morte autofágica de NSCs de hipocampo adultos”, frisa Seong-Woon Yu.

O pesquisador acredita que mais estudos poderão ajudar no melhor entendimento sobre o processo observado. “Com pesquisa contínua, poderemos dar um passo adiante em direção ao desenvolvimento de tratamento efetivo de distúrbios psicológicos, como a depressão e a ansiedade”, ressalta.

Seong-Woon Yu adianta os próximos passos da pesquisa. “Esperamos ser capazes de desenvolver tratamentos de doenças mentais muito mais rápidos e eficazes em uma pesquisa conjunta com a Biblioteca Nacional Chinesa, quando vamos buscar desenvolver o inibidor de SGK3, que se mostrou o mais significativo em relação à autofagia.”

CORTISOL


Cláudio Roberto Carneiro, médico neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), acredita que o estudo internacional mostra dados que ajudam a entender melhor a relação entre estresse e danos cerebrais. “As pessoas estressadas têm um comprometimento cognitivo, uma alteração do hipocampo que acreditamos ser influenciada pelos níveis mais altos do cortisol. Em um nível expressivo, esse hormônio pode influenciar a morte celular, que, no estudo, vemos como a responsável pelos prejuízos neurais”, detalha.

Para Carneiro, podem surgir mais opções de tratamentos com base no estudo da equipe coreana, mas são necessárias mais pesquisas. “Vimos as vias relacionadas à morte dessas células. Então, o ideal seria encontrar medicamentos que bloqueassem esses receptores. Caso o cortisol aumente, os danos não serão registrados se a intervenção for feita”, explica. “Mas o trabalho foi conduzido ainda em ratos. Seria interessante encontrar os mesmos resultados em material humano. Seria ótimo avaliar tecidos humanos em laboratório e ver se esses receptores têm as mesmas ações vistas nos animais.”

Depressivos ficam mais vulneráveis

O estresse cotidiano pode gerar danos à saúde cardíaca, principalmente em indivíduos depressivos. É o que mostra um estudo norte-americano publicado, em maio, no Journal of the American Heart Association. Para chegar à conclusão, os pesquisadores analisaram 43 adultos sem problemas cardiovasculares, com vida ativa e não tabagistas, considerando também sintomas de depressão.

No dia do experimento, os participantes foram orientados a relatar fatores estressores com que haviam tido contato nas 24 horas anteriores, incluindo discussões e problemas no trabalho ou na escola. Também foi medida a função endotelial dos voluntários - um processo que ajuda a regular o fluxo sanguíneo.

A equipe detectou que aqueles que tinham passado por situações recentes de estresse apresentaram pior função endotelial, sendo que os indivíduos com sintomas de depressão obtiveram resultados ainda piores. “Eles também experimentaram mais estresse e o classificaram como sendo mais severo do que adultos saudáveis não deprimidos, o que confirma a ligação entre estresse e depressão”, frisa, em comunicado, Jody Greaney, professora assistente na Universidade do Texas em Arlington e coautora do estudo.

A equipe acredita que os resultados ajudarão no desenvolvimento de novas intervenções médicas. “Esse estudo pode ser um ponto de partida para investigações relacionadas a estratégias comportamentais que possam ajudar a lidar com estressores do cotidiano, protegendo, assim, a saúde cardiovascular”, afirma Lacy Alexander, professora associada de cinesiologia na Universidade de Penn State.