Conheça mulheres que superaram o câncer para realizar o maior sonho da vida: gerar filhos

São exemplos de superação, fé, garra, determinação e, certamente, um reviver

por José Alberto Rodrigues* 13/05/2019 12:45
Beto Novaes/EM/D.A Press
"Passei por 16 quimioterapias, gestante, sem sofrer com os enjoos dos efeitos colaterais e da gestação.E meu bebê estava sempre forte, o que se confirmava a cada ultrassom que fazia para acompanhar seu desenvolvimento" - Fabiana França, de 39 anos, gestora comercial, com os filhos Rafaela e Eduardo (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )

“Meu filho veio para me salvar.” A frase é da gestora comercial Fabiana França, de 39 anos, que já era mãe da pequena Rafaela quando descobriu um câncer raro de mama, aos 37, um carcinoma grau 3 invasivo, e estava grávida de nove semanas do segundo filho. Naquele momento, um filme de toda a sua vida passou em seus olhos em questão de minutos. “Eu olhava para a minha filha mais velha e segurava minha barriga, como se segurasse meu filho. Foi uma dor, um aperto no coração angustiante”, relembra.

Depois de muita oração e uma longa conversa com uma senhora que mantinha um grupo de oração, ela sentiu uma paz, que veio como um acalento. “Sempre tive minha fé e nesse momento me senti abraçada por Deus”, conta. Foi daí que começou sua aceitação e a força para lutar. “Desde então, não chorei mais. Aliás, as lágrimas retornaram somente no dia em que meu filho nasceu. Foi o maior milagre em meus braços”, conta.

O oncologista clínico Bruno Ferrari, presidente do Conselho Administrativo do Grupo Oncoclínicas, explica que o tratamento de câncer durante a gravidez deve ser feito de forma individualizada e destaca que a gravidez não interfere no tratamento, pois somente o primeiro trimestre é mais crítico. “Existem algumas restrições, como a radioterapia que não pode ser feita, mas existem outras alternativas. Além do oncologista, a paciente é acompanhada por uma equipe multidisciplinar.”

“Passei por 16 quimioterapias, gestante, sem sofrer com os enjoos dos efeitos colaterais e da gestação. E meu bebê estava sempre forte, o que se confirmava a cada ultrassom que fazia para acompanhar seu desenvolvimento”, conta a gestora comercial. Tamanha a garra e determinação, Fabiana chegou a ouvir de muitos médicos que nem parecia que ela estava em um tratamento contra o câncer.

O suporte encontrado na família, nos amigos e na equipe médica foi fundamental para esse processo duplo de sensações. De um lado, a celebração da vida; e de outro algo que poderia ser uma sentença, mas para ela foi mais um motivo para lutar pelo seu bebê. “Minha filha Rafaela, tão pequenina me abraçando e beijando, falando que pediu a Papai do Céu para melhorar meu peitinho. Emociono só de me lembrar, isso não tem preço.” Tudo isso regado de amor e carinho, como ela diz.

Fabiana França ressalta que é difícil receber a notícia de que está com um câncer, mas diz que se outras mulheres estiverem passando pela mesma situação é respirar bem fundo e lutar para vencer. “Sinta-se leve de corpo e alma. Converse com seu bebê, tranquilize-o, vocês dois passaram por tudo bem juntinhos. E não! A notícia do câncer não é uma sentença de morte, mas nos sacode para a vida, nos ensina a reviver”, comenta.

Depois das batalhas enfrentadas, hoje o pequeno Eduardo tem 10 meses e a gestora faz hormonoterapia. “Isso me ensinou o quão importante é valorizar cada segundo vivido. Reclamar menos e agradecer mais”, finaliza. No momento em que se lembra o Dia das Mães, falamos sobre a importância transformadora da gravidez e do sonho da maternidade durante o processo de câncer.

Misto de medo e alegria
Descoberta de uma gravidez em meio ao tratamento contra o câncer provoca sensações intensas. Para especialistas, gestação pode ocorrer sem problemas com acompanhamento multidisciplinar


Tulio Santos/EM/D.A Press
"Meus filhos me inspiram, me apoiam, me amam. Tenho convicção de que se passei por todo o processo com leveza foram eles que me ajudaram" - Renata Moraes, com os filhos Sarah, de 10 anos, Lucas, de 5, e Elias, de 12 (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

A maternidade é uma dos símbolos mais intensos que uma mulher pode experimentar durante sua vida. “Ser mãe é a minha melhor parte. Percebo que minha vida começou na hora em que outro coração bateu dentro de mim”, afirma a administradora Renata Moraes, de 44 anos. A primeira gestação da administradora foi em 2006, por meio de fertilização, do pequeno Elias. Depois veio a Sarah, em 2009, que não precisou de indução, mas ela não imaginaria que a terceira seria a mais desafiadora de todas.

Em setembro de 2011, aos 36, recebeu o diagnóstico de câncer de mama. Mesmo com o baque, desafiou a doença e seguiu em frente. Passou pela cirurgia de retirada do quadrante, pela quimioterapia, radioterapia e iniciou a hormonoterapia. Renata foi ao ginecologista conversar sobre algum método contraceptivo, mas ele explicou que não seria necessário, pois no caso dela a fertilidade teria sido afetada, inclusive ela já não menstruava. Até que fez um teste e descobriu que estava grávida, em 2012, entrando na décima segunda semana de gestação. A confirmação da gravidez foi um misto de medo e alegria, pois Renata acreditava que se havia engravidado é porque estava com saúde e curada. “Mas, ao mesmo tempo, vinha a insegurança em suspender a medicação que estava utilizando. Não conseguia entender como que um tratamento tão complexo teria que ser interrompido. Percebi que tinha que descansar meu coração e viver aquele momento”, frisa.

Saber que estava grávida a encheu de esperanças. “Quando fui diagnosticada, meus filhos tinham 5 e 2 anos. Seria muita crueldade eu morrer e deixá-los. Meus filhos foram essenciais no meu tratamento. Fortaleceram-me e apoiaram muito. Não me deixaram desanimar”, conta.

PROCESSO


O oncologista Bruno Ferrari comenta que receber o diagnóstico de câncer é complicado e vem cercado de incertezas. Quando colocamos a variável gravidez se torna mais complexo ainda. “Hoje, sabe-se que ter câncer, como o de mama, interfere pouco nas decisões e tratamentos”, explica. Ele ainda aponta que após superado um câncer, as mulheres podem engravidar sem medo de novos problemas. “A gravidez não aumenta a incidência de um câncer futuro”, diz.

Segundo Ferrari, nessas situações, a primeira coisa é fazer uma avaliação adequada e multidisciplinar, com a presença de oncologista, mastologista, geneticista, obstetra e nutricionistas, por exemplo. “É preciso dar essa tranquilidade. Mostrar para a paciente que estar gravida e ter câncer é factível e que não é necessário interromper a gravidez”, frisa. Por isso, é importante o apoio da equipe médica para sempre estar bem informada e saber quais as melhores opções terapêuticas. “Há vários caminhos que não prejudicam nem a futura mamãe nem o bebê.”

O oncologista Alexandre Chiari garante que é totalmente possível sonhar com a gravidez após o câncer. E diz que tudo dependerá do tipo de câncer, da gravidade, das chances de recidiva da doença e quais medicamentos foram utilizados durante o tratamento. “Se a paciente continuar fértil ela pode engravidar após o término do tratamento, logicamente discutindo as particularidades do caso com seu oncologista e ginecologista.”



Para Renata Moraes, ser mãe após toda a luta contra o câncer significa a certeza de uma linda missão e caminhada. “Meus filhos me inspiram, me apoiam, me amam. Tenho convicção de que se passei por todo o processo com leveza foram eles que me ajudaram”, frisa a administradora. Ela ainda diz que fechar o tratamento com a chegada de mais um filho foi fechar com chave de ouro. “Lucas veio para comprovar que nada estava perdido. Era o recomeço, vida nova. Lucas está muito bem, é uma criança saudável, inteligente e muito esperto. É uma linda criança que sorri com os olhos. Não vejo minha vida sem ele. Ele é a comprovação de que nada é impossível”, conclui.

Palavra de especialista

Renata Ribeiro, psicóloga

Lidar com a dualidade


A presença de câncer em grávidas gera impacto emocional em todos os envolvidos, especialmente nas jovens mulheres que têm que lidar com a dualidade de vivenciar o câncer que remete ao medo da finitude e a gravidez que evoca a vida. Essa associação, embora não seja frequente, torna-se inquietante, levando a muitos questionamentos importantes. O medo do diagnóstico e a demora do tratamento só aumentam a ansiedade e os riscos para a mãe e o bebê. Portanto, quanto mais informada e confiante na equipe médica a gestante estiver, maiores as chances de superar esse momento. Para isso, além do tratamento médico, é importante o acompanhamento psico-oncológico bem direcionado para dar suporte emocional à paciente, ao longo das fases da doença e do tratamento, com uma rede de apoio que deve focar no otimismo e no acolhimento dessa mulher. Cabe ressaltar que cada paciente vivencia de forma pessoal a experiência do adoecimento e os aspectos psicossociais envolvidos nesse processo. Alguns pacientes utilizam-se da negação da doença como mecanismo de defesa, o que em alguns casos pode ser perigoso e prejudicar na adesão ao tratamento, mas sempre se impõe uma escuta terapêutica bem direcionada para dar suporte emocional e buscar estratégias para a melhora do ajustamento psicossocial frente a doença. Assim, em geral, o diagnóstico de câncer é vivenciado tanto pelo paciente quanto pela família como um momento de intensa angústia, em que a possibilidade de mutilação e morte se fazem presentes.


Acolhendo a dor com amor

Sara Proença/Divulgação
A vendedora Tatiana Ferreira dos Santos busca recuperar o convívio perdido com o pequeno Miguel, em função do tratamento (foto: Sara Proença/Divulgação )

A vendedora Tatiana Ferreira dos Santos, de 26 anos, moradora de Mateus Leme, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ‘perdeu’ momentos preciosos dos dois primeiros anos de vida do pequeno Miguel, em 2017. A falta de convívio ocorreu por causa do tumor de Ewing - que se forma nos ossos ou nos tecidos moles -, diagnosticado após dar à luz ao filho. “Como tive que iniciar o tratamento, quase não ficava em casa, devido às inúmeras sessões de quimio e radioterapia. Portanto, não vivi aquela fase importante e gostosa da vida do bebê, na qual a mãe precisa dar atenção em tempo integral”, relembra. Tatiana teve, inclusive, que interromper a amamentação após o terceiro mês de vida da criança pois começou a tomar os remédios contra o câncer e perder os movimentos do braço esquerdo. Mas a pior consequência de todas essas privações foram os problemas emocionais que a nova mamãe começou a enfrentar, incluindo sintomas de depressão.

A psico-oncologista Adriane Pedrosa, da Cetus Oncologia, percebeu a necessidade de Tatiane em resgatar a própria história de vida com o filho. “Em seus relatos, ela (Tatiana) desabafou que, pelo fato de o tratamento ter ‘roubado’ sua convivência com Miguel, nunca teve a oportunidade, por exemplo, de ser fotografada com o menino, uma lembrança comum para qualquer mulher que se torna mãe”, conta.

Adriane propôs à paciente que ela posasse para uma sessão de fotos acompanhada do bebê e do pai. Para a psicóloga, a maior lição com essa iniciativa, aparentemente simples, mas de uma grandeza incalculável, é a possibilidade de fazer com que a paciente pudesse superar um trauma do passado e resgatar um momento tão precioso, em família. “É necessário que todos aqueles que estejam ao seu redor possam enxergá-lo com profundidade, carinho e afeto, destaca.

Tatiana atualmente aguarda o resultado de uma tomografia para verificar, junto a seu médico, se houve a redução ou eliminação do tumor. A única certeza que ela tem neste momento é a de ficar cada vez mais perto do pequeno Miguel. “Os contratempos dessa doença já tiraram bastante o tempo de convivência com meu filho. Quero ter forças suficientes para, a partir de agora, aproveitá-lo em cada segundo. Saber que ele existe é, sem dúvida, o principal motivo para me manter forte e perseverante no tratamento”, finaliza.

Duas perguntas para...

Carlos Henrique Mascarenhas 
Presidente da Associação dos ginecologistas e obstetras de Minas Gerais ( SOGIMIG)

1) Qual a importância de saber que é possível continuar uma gravidez mesmo com o tratamento de um câncer?


A manutenção da gravidez quando a mãe apresenta uma neoplasia vai depender de alguns fatores, como a idade gestacional quando o tumor foi descoberto, o local onde o mesmo ocorre, o tipo de tratamento que será necessário para esse câncer e mesmo se ele é local ou já se espalhou. E sabemos que são definições e decisões muito difíceis, tanto para a mãe quando para a equipe médica. Alguns tratamentos cirúrgicos e com a quimioterapia podem ser realizados com segurança para a mãe e o feto. A radioterapia ou mesmo a quimioterapia muito ampla geralmente não são utilizadas devido ao grande risco para a integridade do feto. Por outro lado, a falta de tratamento durante a gravidez ameaça a vida da mãe. Durante um tratamento oncológico, é recomendado evitar a gravidez com métodos discutidos e indicados pelo médico ginecologista, pois sabemos que alguns tipos de hormônios podem interferir no tratamento oncológico.

2) Como deve ser o planejamento desse processo (a gravidez)?

O ginecologista/obstetra deve ser procurado para os devidos cuidados, podendo em alguns casos se buscar a criopreservação. É uma tecnologia por meio da qual células, tecidos ou embriões são preservados em baixíssimas temperaturas. Células como os óvulos e os espermatozoides, tecidos como o da parede do ovário e embriões. Ou seja, é possível colher óvulos, espermatozoides e embriões enquanto estiverem saudáveis, antes da quimioterapia e da radioterapia, para depois reimplantá-los, através da fertilização in vitro, gerando a desejada gravidez.

* Estagiário sob a supervisão da editora Teresa Caram