Cuidados paliativos aliviam sofrimento com doenças incuráveis, com amor, empatia e compaixão

Promover assistência ao paciente com doença não curativa, visando oferecer dignidade, conforto e diminuição de sofrimento, sem se esquecer do apoio à família, é o foco dessa especialidade da medicina

por Lilian Monteiro 19/11/2018 14:27

Jair Amaral/EM/D.A Press
A consultora de viagens Patrícia Lima perdeu o marido há 5 meses e diz que a ajuda de paliativistas foi o que a confortou (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Amor, empatia e compaixão são os ingredientes necessários a quem lida com cuidados paliativos. Colocar-se no lugar do outro é a essência dessa especialidade da medicina, que tem como missão proporcionar alívio do sofrimento diante de doenças incuráveis, parte fundamental da prática clínica. A reportagem traz hoje a discussão sobre o que são cuidados paliativos, uma assistência humana com foco na qualidade de vida, cuja meta é fazer com que o paciente viva o mais confortavelmente possível. No entanto, muitos desconhecem essa especialidade, não sabem como ter acesso, onde procurar e, muitas vezes, falta conhecimento até mesmo na classe médica.

Os cuidados paliativos estão disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana e podem ser feitos na residência do paciente, no hospital, na casa de repouso ou na clínica particular. Normalmente, essa prática envolve equipe multidisciplinar de saúde, como psicólogos, médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e assistentes sociais e espirituais. São tempos difíceis, para os quais os cuidados paliativos são uma maneira de obter ajuda de que todos possam precisar.

Patrícia Campos Lima, consultora de viagem, perdeu o marido, Norberto Rafael Spagnuolo Canete, em junho deste ano, por complicações de um câncer que se espalhou e chegou a metástase, depois de 15 anos juntos. Ela, mineira de Belo Horizonte, ele, um uruguaio, cidadão do mundo, ou “do planeta Terra”, como gostava de dizer, se conheceram na Praia do Forte, na Bahia, e uniram-se em um encontro de almas, “e das mais fortes”.

O tratamento de Norberto começou em Salvador e terminou na capital mineira, onde Patrícia, orientada por uma médica, soube dos cuidados paliativos na Oncocentro, clínica oncológica. “A doença já tinha evoluído, mas Norberto desafiou a medicina, os médicos e a si próprio ao ter dois anos de tempo de vida e superar os sete anos e meio. Tudo pela forma como ele sempre encarou a vida, um desafiador, com o qual tive a alegria de conviver. Um homem ousado, de coragem e uma força que nunca vi em mais ninguém. Um arquiteto e engenheiro com poder criativo impressionante”, além de psicólogo e filósofo. O que a fazia brincar com ele: “Mozinho, você é meu 4 em 1! E dávamos gargalhadas...”

Depois de passar por muitas quimioterapias, radioterapias e cirurgias, já com o tempo escasso, ele viveria mais seis meses, segundo Patrícia. Época em que os cuidados paliativos foram fundamentais. “No Oncocentro, conheci um anjo, a dra. Sarah Ananda, médica jovem e com bagagem incrível, que, com sua equipe, foram de suma importância. Nunca tinha ouvido falar em cuidados paliativos, não sabia do que se tratava. E agora sei que é essencial para qualquer ser humano que tenha uma doença sem cura. Como humanos, temos o direito de dizer como será a nossa morte.”

No caso de Norberto, revela Patrícia, o primeiro passo foi amenizar o seu sofrimento e a dor, com ajuste da medicação, para que tivesse qualidade de vida melhor. Depois, foi conversado sobre a morte e ele colocou, num documento, assinado por nós dois (eu fui escolhida sua responsável), tudo o que queria. Era para ser cremado, não queria ser entubado ou ligado a qualquer máquina, nem ir para o CTI, enfim, coisas que ninguém fala, como se fosse uma conversa proibida. Não é um assunto fácil de lidar, mas é necessário e, juntos, fizemos esse enfrentamento diante do câncer. De forma aberta e clara, tudo foi decidido. Na sua última internação, sabia o que falar, como agir, mas tive de lidar com um hospital despreparado quanto aos cuidados paliativos, que, naquele momento, seria de extrema importância para quebrar protocolos. Não fazia sentido nenhum insistir em querer fazer ressonâncias e exames totalmente desnecessários, que só iam trazer mais sofrimento para o Norberto. Sem falar que tem médicos, oncologistas até, que nem sequer indicam os cuidados paliativos, um absurdo.”

Patrícia enfatiza que os cuidados paliativos mostram que sempre há o que fazer. “Se a medicina não tem mais o que fazer pela doença, há como agir pelo paciente, para que morra com dignidade, com menos dor e menos sofrimento, do jeito que ele quer. Norberto morreu lúcido e, como não entendo o mistério da vida e da morte, ele teve uma melhora, por esperança ou para se despedir, e depois piorou. Esse final foi difícil, porque no hospital não tinha uma equipe de cuidados paliativos. Como vivi na pele, sei que ela teria de ser assídua dentro de cada hospital, seria bem diferente, já que eles têm natureza acolhedora e apoiam não só o paciente, mas a família ou responsável, porque adoecemos juntos.”

Nas lembranças de Patrícia, a despedida de Norberto, que lhe pediu desculpas por não “aguentar mais a lutar pela vida”, depois de uma noite difícil. Mesmo assim, ela ressalta, os cuidados paliativos os ajudaram a ser mais fortes. “Como a dra. Sarah me disse, o que me confortou, me deu alívio e paz interior, pelo perfil guerreiro do Norberto, ter tido o controle até o fim da vida foi importante para ele, ainda que estivesse sofrendo no final. Ele também viveu em função do meu cuidado, dizia que eu era sua inspiração.” Para Patrícia, que hoje em dia divulga os cuidados paliativos em toda roda de conversa e fala da urgência de levá-los a quem precisa, já que “cuidados paliativos são um avanço da medicina, é quando o paciente é visto como único. Não somos robôs, o que é bom para mim pode não ser bom para você. Cada ser humano é único e essa prática é ajustada para cada paciente”.

CONGRESSO

Aliviar a dor e maximizar as habilidades funcionais remanescentes são compromissos dos cuidados paliativos para que o paciente tenha a maior autonomia e dignidade possíveis, para que ele possa, ao seu modo, se preparar para a morte. A área, que precisa evoluir e angariar mais profissionais, estará em foco em Belo Horizonte de quarta a sábado, no Expominas, durante o 7º Congresso Internacional de Cuidados Paliativos – Consolidando conquistas, rompendo fronteiras, direcionado a todos que queiram cuidar do sofrimento de quem lida com uma situação grave de saúde.

Daniel Neves Forte, presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), disse que esse é o maior e mais importante evento brasileiro da área. “Este ano, nosso desafio é consolidar conquistas e expandir fronteiras. O cuidado paliativo se desenvolveu muito nas últimas décadas. Estamos apoiados em evidências científicas amplas, em recomendações de renomadas instituições - incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS) - e em códigos de ética do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). No Brasil, testemunhamos crescimento vertiginoso da nossa área. No entanto, a oferta de paliativo no país ainda é heterogênea, com muitos lugares em que pacientes e seus familiares não têm nenhum acesso. E isso ocorre, às vezes, dentro de centros onde há equipes de referência em cuidado paliativo. Ou seja, ainda temos muito pela frente.”

O valor de um olhar holístico
A equipe multidisciplinar que lida com cuidados paliativos não enfrenta somente a dor física dos pacientes, mas também a de caráter emocional, social e espiritual. A luta é para aliviar todo o sofrimento

Revista Revide/Divulgação
"A medicina evoluiu muito, especializou-se sobremaneira e, em algumas situações, o cuidado do ser humano em sua totalidade se perdeu.Temos de resgatá-lo e praticá-lo%u201D - André Filipe Junqueira Santos, geriatra e paliativista (foto: Revista Revide/Divulgação )
“Quando se fala em cuidados paliativos, não falamos em morte, mas em vida. A morte é um processo natural do ser humano, assim como o nascer. A morte não é o contrário da vida, a vida não tem contrários. O que fazemos é valorizar a vida, até porque, muitas vezes, as pessoas que se encontram diante de grande chance de morrer não têm medo da morte, mas de sofrer.” As palavras do médico geriatra e paliativista André Filipe Junqueira Santos são um bálsamo diante de um quadro de total fragilidade.

Vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), André Junqueira ensina que “cuidados paliativos são uma abordagem promovida por uma equipe multidisciplinar, que visa melhorar a qualidade de vida do paciente que enfrenta qualquer doença que ameaça a sua vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, psicológicos e espirituais”, sendo essa a definição instituída pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2002. Ou seja, não é a ideia comum de se lidar com doente/doença terminal. “Não enxergamos assim, isso é um conceito errado e antigo.” Cuidados paliativos podem ajudar pessoas com doenças muito graves, como câncer, Parkinson, Alzheimer, e até mesmo uma pessoa que foi atropelada e está numa UTI. “Trabalhamos, sim, agindo no sofrimento causado pela doença em si, como seu isolamento social ou uma dor negligenciada.”

O geriatra diz que, como os cuidados paliativos ainda têm abordagem incipiente no Brasil, são vistos como sendo só o momento em que não há mais nada a fazer. “Isso ocorre quando a visão da equipe de assistência ou do próprio paciente e familiares é que a cura é o único objetivo e qualquer coisa diferente é uma perda ou um fracasso. Não é isso. A cura é o maior objetivo de um profissional de saúde. Porém, existem muitas situações em que a cura já não é mais possível. Diante disso, lidamos para amenizar o sofrimento familiar, do paciente, o desgaste financeiro e a sensação de fracasso do profissional que enxerga essa como se fosse uma batalha perdida. Isso também tem impacto no sistema de saúde, já que o uso de recursos de maneira desproporcional acarretará desgaste para o sistema de saúde, com tratamentos desnecessários. Precisamos mudar o conceito, a maneira como os cuidados paliativos são vistos e, muitas vezes, encarados. Nosso objetivo é o tratamento buscando a qualidade de vida e a dignidade da pessoa neste momento difícil de sua vida."

O médico também chama a atenção para o conceito da chamada “dor total”, que faz parte do quadro de quem necessita dos cuidados paliativos. “Nesses casos, a dor é mais prevalente, no entanto, ela não é só física. Existe a dor física, bem desagradável, mas é uma parte. A outra parte da dor é seu caráter emocional, social e espiritual. São variáveis da dor total sobre as quais os remédios não farão efeito. É preciso lidar com o sofrimento emocional, junto com os familiares, com um olhar holístico da pessoa que enfrenta essa situação. A medicina evoluiu muito, especializou-se sobremaneira e, em algumas situações, o cuidado do ser humano em sua totalidade se perdeu.Temos de resgatá-lo e praticá-lo.”

EMERGÊNCIAS

Outra questão abordada por André Junqueira, ao jogar luz sobre os cuidados paliativos, é como as emergências nos hospitais lidam com esse paciente. “Como muitos só o veem como no fim da vida, em um ambiente de emergência ele pode ser tratado como última prioridade. Tive a oportunidade de atuar com uma equipe de cuidados paliativos no setor de emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) e, nesse trabalho, proporcionar um tratamento adequado à demanda dessa pessoa e de sua família, que, muitas vezes, buscam atendimento focado no alívio do sofrimento. É preciso receber esse paciente de maneira mais digna, de forma ágil, procurando um lugar adequado para acolhê-lo, o que, no fim das contas, economizará recursos.”

Se não existe essa receptividade, muitos pacientes acabam escolhendo ficar em casa. O que, para André Junqueira, não é a solução. “Muitos falam em morrer em casa. No entanto, vai depender do padrão e do perfil da doença, assim como dos recursos financeiros, sociais e emocionais. O paciente precisa, sim, ser acolhido, não necessariamente em casa, mas onde ele vá se sentir confortável.”

André Junqueira enfatiza que, infelizmente, no Brasil, cuidados paliativos não são uma formação obrigatória e há poucos profissionais. “Temos 1% da disponibilidade em relação à demanda que o país precisa. Muito pouco. O lado bom é que muitos profissionais começam a entender e a se capacitar para mudar essa situação.”

Saiba mais

Uma boa notícia

No último 31 de outubro, o Ministério da Saúde aprovou resolução que pontua a necessidade da adoção dos cuidados paliativos (CPs) no Sistema Único de Saúde (SUS). Ela foi aprovada na 8ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), na forma de resolução da CIT e deverá ser publicada no Diário Oficial nos próximos dias. A ideia central é adotar na rede pública o conjunto de ações que visam proporcionar alívio ao sofrimento relacionado com as doenças, sobretudo as crônicas, degenerativas e sem cura. Nesse sentido, os cuidados paliativos, por serem parte fundamental da prática clínica, podem ocorrer de forma paralela às terapias destinadas à cura e ao prolongamento da vida. A resolução é fruto de uma oficina de trabalho conduzida por comissão tripartite que envolve diversas instituições de saúde, incluindo a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). “É com muita felicidade, satisfação e esperança. Conforme recomendações da 67ª Assembleia Mundial de Saúde e da Organização Mundial de Saúde, a ANCP também entende que uma política nacional que oriente e norteie o desenvolvimento e acesso a CPs de qualidade no Brasil é urgentemente necessária. A resolução tem como meta oferecer CPs de qualidade e baseados em evidência, seguindo a definição da OMS, para toda a rede de atenção à saúde. Esse documento dá um norte, especifica uma meta e estabelece um objetivo comum, agora oficialmente pactuado por todas as instâncias constituintes do SUS. O próximo passo se torna uma necessidade de governo, e não só um desejo da sociedade. Para esse passo se concretizar, precisaremos de portarias especificando como chegar lá. Com a resolução, estamos agora um passo adiante nessa longa caminhada. Muitos outros desafios virão. Essa conquista é histórica”, declarou Daniel Neves Forte, presidente da ANCP.

FIQUE POR DENTRO

Panorama dos cuidados paliativos no Brasil

A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), fundada em fevereiro de 2005, fez um levantamento sobre esses serviços disponíveis no país, tendo como base o Mapa de Cuidados Paliativos, o qual reúne todas as informações fornecidas pelas equipes atuantes no Brasil. O resultado foi reunido no Panorama dos Cuidados Paliativos no Brasil, documento que a ANCP disponibilizou em seu site, em virtude do Dia Mundial de Cuidados Paliativos, celebrado anualmente em outubro (https://paliativo.org.br/wp-). Os dados foram coletados até 16 de agosto e contabilizados, durante o levantamento, 177 serviços de cuidados paliativos atuantes no país.

Principais dados:

- Considerando-se que o país apresenta mais de 5 mil hospitais, sendo pelo menos 2.500 com mais de 50 leitos, observa-se que menos de 10% dos hospitais brasileiros disponibilizam uma equipe de CP

- A análise desse mapeamento evidencia que mais de 50% dos serviços de cuidados paliativos do país iniciaram suas atividades na década de 2010, mostrando que os serviços são recentes no Brasil

- Merece atenção a desigualdade de disponibilidade do atendimento, com mais de 50% dos serviços concentrados na Região Sudeste, e apenas 13 equipes (menos de 10% do total das equipes) em toda a região Norte-Nordeste

- A oferta de cuidado paliativo no país está centrada em hospitais

Os dados mostram, ainda, que a disponibilidade de hospices (conceito de uma filosofia de cuidados) e cuidados paliativos em pediatria são áreas ainda mais críticas em termos de acesso ao serviço no país

- O Brasil ainda não dispõe de nenhuma política de saúde pública que estruture ou oriente especificamente o desenvolvimento dos cuidados paliativos

Obstetras de alma
O sentimento de que há sempre algo a se fazer para amenizar o sofrimento é a missão daqueles que se especializam em cuidados paliativos. Dar conforto até o último segundo

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Para a médica Sarah Gomes, todo profissional de saúde deveria saber realizar ações paliativas para lidar com o sofrimento do outro (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

“Um dos maiores obstáculos dos cuidados paliativos (CP) é o conceito equivocado. Ou seja, a ideia de que são apenas para a fase final da vida. Na verdade, é uma abordagem adequada para qualquer fase da doença. Desde o diagnóstico, passando pela fase de tratamento da doença aguda, crônica, a fase final, e incluindo ainda o período de luto dos familiares. A proporção é bem maior. Cuidamos da qualidade de vida do paciente e seus familiares por meio da prevenção e alívio do sofrimento. E fazemos isso controlando a dor e outros sintomas de natureza física, psíquica, emocional, social e espiritual”, alerta a clínica médica Sarah Ananda, especialista em cuidados paliativos e presidente da Sociedade de Tanatologia e Cuidados Paliativos de Minas Gerais (Sotamig).

Para Sarah Ananda, no mundo ideal, “todo profissional de saúde, deveria saber realizar ações paliativas básicas para lidar com o sofrimento e buscar sempre a qualidade de vida, ações primordiais para qualquer especialidade”. Agora, no caso do paliativista, sua função é mais complexa, e assim “necessita de um conjunto de habilidades específicas, que envolvem o controle de sintomas impecável e a uma ampla capacidade de comunicação clara e efetiva nos mais diversos cenários.” Conforme a médica, quem precisa de cuidados paliativos, espera receber “um olhar que enxergue sua biografia (enxergue-o como pessoa) e não só a doença ou um número. Precisamos ressignificar aquele momento que ela está vivendo.”

Por isso, o médico paliativista, além de dominar a técnica e saber uma medicina de qualidade baseada em evidências, reforça Sarah Ananda, “precisa se dedicar muito para compreender o conceito de dor total, que significa ir além da dimensão física e saber avaliar também os componentes psíquicos, espirituais e sociais da dor. Antigamente, a medicina era focada no doente como um todo e isso se perdeu um pouco. Precisamos voltar a olhar e cuidar de pessoas, não apenas de resultados de exames.”

Os cuidados paliativos podem ser necessários diante de várias enfermidades, como câncer, cardiopatias, doenças pulmonares, neurológicas, demências, enfim, “qualquer doença que ameace e impacte a vida terá indicação do serviço que, aliás, é impossível fazer o cuidado paliativo sozinha. Há várias dimensões e muitos olhares, do médico ao enfermeiro, psicólogo, nutricionista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, dentista, terapeuta ocupacional, assistente social e capelão, para o conforto espiritual, ou seja, uma equipe multidisciplinar”, explica a clínica. O mais difícil, lembra Sarah Ananda, é que “o ideal seria ter à disposição todas essas equipes, não só nos hospitais, mas também no ambiente domiciliar, ambulatorial (consultas) e hospice (unidade feita para paciente no último ciclo de vida, comum em outros países, mas que no Brasil temos unidades com essa designação somente em Salvador e Curitiba, com uma filosofia de cuidado especial, aconchegante e especializado).”

Sarah Ananda ensina que, mesmo que a doença não tenha um tratamento curativo, nunca se diz “que não há mais o que fazer”. Jamais, porque “sempre haverá uma ação, que é o cuidado. A essência de tudo, seja criança, adolescente ou idoso.” Ela ressalta que “terminal todos somos.” A médica destaca que apesar de muitos terem o desejo de passar seus últimos dias em casa, “o domicílio só é adequado quando há uma estrutura e profissionais capazes de oferecer um controle de sintomas com ênfase no conforto até o último minuto”.

AUTONOMIA

Conforme Sarah Ananda, os cuidados paliativos têm como “foco não a morte, e sim a vida, e o viver bem até o último segundo, e compreende que a morte faz parte da vida. É importante ressaltar que há artigos científicos que mostram não só o impacto dos cuidados paliativos na qualidade de vida nos pacientes como também na sobrevida, ou seja, em alguns estudos com populações específicas os pacientes acompanhados por uma equipe de cuidados paliativos precocemente no curso da doença viveram mais tempo, ainda que não seja esse o foco. A busca é que tenham mais vida nos seus dias, e não só mais dias na sua vida.”

Aspecto importante ressaltado por Sarah Ananda é que dentro dos cuidados paliativos “valoriza-se a autonomia do paciente. Ao levar os cuidados respeitamos sempre o que ele quer e tentamos trabalhar o empoderamento. Tomamos decisões de acordo com as escolhas, valores e prioridades de cada paciente. Respeitamos até o fim a forma como ele quer ser cuidado. Por isso, é fundamental que, antes de ficar muito debilitado e perder a capacidade de se expressar, a pessoa escolha seu representante de saúde e faça as diretivas antecipadas de vontade ou escreva um testamento vital explicando o que é importante para ele, quem ele quer próximo etc.”

Ao decidir por essa especialidade, Sarah Gomes revela que “a inquietação de ver o sofrimento e achar que sempre há algo mais a se fazer” a direcionou para essa área que “não basta apenas empatia, mas seguramente compaixão. É você se colocar no lugar da pessoa e descobrir, ajudar e resgatar o outro.” Como disse o médico espanhol Marcos Gómez Sancho, “os paliativistas são os obstetras da alma”.

Reprodução da Internet
(foto: Reprodução da Internet)
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Vale a pena viver

A morte é, talvez, o maior medo de boa parte das pessoas, além de ser ainda um tabu. No entanto, Ana Claudia Quintana Arantes mostra, no livro A morte é um dia que vale a pena viver, que a grande questão envolvendo a morte, na realidade, é a vida. Como estamos vivendo? Nossos dias estão sendo devidamente aproveitados ou vamos chegar ao fim dessa jornada cheios de arrependimentos sobre coisas que fizemos - ou, pior, que não fizemos? Ana Claudia, médica especialista em cuidados paliativos, compartilha suas experiências pessoais e profissionais e incentiva as pessoas a cultivarem relações saudáveis, cuidarem de si próprias com a mesma dedicação com que cuidam dos parentes e amigos e procurar ter hábitos saudáveis, sem deixar de fazer aquilo que têm vontade e as torna felizes. O livro apresenta uma reflexão fundamental para os dias de hoje, tempo em que vivemos com a sensação permanente de que estamos deixando a vida escorrer entre os dedos.

Serviço:
Livro: A morte é um dia que vale a pena viver
Autora: Ana Claudia Quintana Arantes
Editora: Leya Casa da Palavra
Ano: 2016
Páginas: 192
Preço sugerido: R$ 29,90


Cinco perguntas para...
Luciana Dadalto advogada, especialista em direito do médico e da saúde e administradora do portal www.testamentovital.com.br


Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal )
1) O que é testamento vital? Quando deve ser feito? Para que ele serve?

O testamento vital é um documento feito por qualquer pessoa maior de 18 anos, lúcida, a fim de manifestar vontade sobre os cuidados, tratamentos e procedimentos de saúde que deseja ou não receber quando estiver com uma doença grave, incurável e em estado terminal e não puder mais manifestar sua vontade. Ele deve ser feito por todas as pessoas, uma vez que não sabemos quando ficaremos doente. É importante deixar claro que a vontade do paciente manifestada em um testamento vital precisa ser cumprida por todos.

2) Há planos de saúde que não cobrem os custos dos cuidados paliativos? O que o assegurado precisa fazer?

Ainda não existe previsão específica e obrigatória. É preciso negociar com a operadora e, se for necessário, judicializar a questão. É importante pressionar a Agência Nacional de Saúde (ANS) para que insira os cuidados paliativos no rol das coberturas obrigatórias também.

3) É possível um paciente com uma doença sem cura fazer um documento com diretivas antecipadas de vontade? Como seria isso?

As diretivas antecipadas de vontade são um gênero de documentos no qual o testamento vital se encontra. O testamento vital é a manifestação de vontade do paciente propriamente dita. Existe ainda a procuração para cuidados de saúde, por meio da qual o paciente nomeia uma pessoa de sua confiança para decidir em seu lugar. Esses dois documentos são espécies de diretivas. O paciente já com diagnóstico de incurabilidade pode fazer esses documentos desde que esteja no pleno gozo de suas faculdades mentais.

4) Até que ponto a distanásia, o prolongamento da morte por meio de tratamentos extraordinários que visam prolongar a vida biológica do doente, deve ser feita pelo médico, ainda que haja sofrimento ao paciente?

A distanásia é um ato antiético e não deveria ser feita nunca pelo médico, mesmo diante do pedido da família. O prolongamento da vida biológica do paciente só pode ser eventado quando esse for um pedido expresso do paciente e, mesmo assim, há discussões éticas importantes, uma vez que esse pedido é contrário ao Código de Ética Médica.

5) Pelas leis brasileiras, é possível decidir pela eutanásia?

Não. A eutanásia no Brasil é absolutamente ilegal.