Arte do cosplay cresce e desperta curiosidade de jovens e adultos pelo mundo

Paixão pelos quadrinhos, séries e videogames leva pessoas a encarnar e a se vestir como os personagens favoritos. Mais do que usar a fantasia, jovens e adultos se aventuram em um processo criativo

por José Alberto Rodrigues* 24/09/2018 07:00
Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
"Quando fui a um evento e vi que poderia me transformar nos personagens de que gostava, encantei-me" - Nayara Freitas (foto), designer gráfica, cuja caracterização se tornou uma forma de trabalho (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Quem nunca sonhou ser um super-herói, um grande vilão ou mesmo um personagem de que gosta? Fruto desse imaginário, a arte do cosplay cresce e desperta a atenção de jovens e adultos ao redor do mundo. Ser um cosplayer é muito mais que usar uma fantasia, mas se aventurar em um processo criativo, em busca de uma representação fiel ao personagem escolhido.

O termo cosplay vem do inglês, formado pela junção das palavras costume (fantasia) e roleplay (brincadeira ou interpretação). A arte é um longo processo, que envolve estudar as emoções da personagem e colocar um toque pessoal na representação em diferentes momentos, investigando os figurinos e respeitando as versões originais. O mesmo se aplica à maquiagem, efeitos especiais, cabelos e acessórios. A materialização da figura escolhida não é simplesmente estética. Um cosplayer praticará os movimentos e trejeitos da personagem para ajudar na composição e encarnar a figura. Podem ser pequenos gestos, risos, gritos ou simplesmente poses.

De acordo com Thiago Oscar, psicólogo clínico e terapeuta cognitivo-comportamental, as figuras desses personagens se assemelham muito com a realidade contemporânea dos jovens. “Cada vez mais se constroem personagens com o cotidiano tecnológico e, até mesmo, com características ansiogênicas. Fruto de uma sociedade mais techno e imediatista. Superação e agilidade no dia a dia compõem um ambiente mais próximo das idealizações que se têm no mundo atual. Não deixando de lado aspectos de temperamento, sentimentos, emoções, expressões, características físicas e também de introversão e extroversão dos personagens.”

Segundo ele, as emoções existentes nos personagens e as ações que os tornam muito humanizados refletem nessa identificação do jovem. “Geralmente, a identificação é reconhecida na própria história da pessoa que admira, gosta ou curte tais personagens. Por isso, o cosplay é conhecido mais do que apenas se fantasiar ou se vestir, mas sim, literalmente, “vestir” o personagem. Está na ideia de transpor o personagem de identificação em si e não somente em momentos de cosplay”, comenta o psicólogo.

É o caso da designer gráfica Nayara Freitas, que sempre teve como influência os desenhos a que os irmãos assistiam e ficou entusiasmada quando descobriu que poderia se caracterizar como um desses personagens. “Sempre gostei de cartoon, desenhos, animes e desenhava-os nos meus cadernos e tudo mais. Ficava ligada nos desenhos, meus irmãos também gostavam muito. Então, já tive uma influência sobre quais animes assistir. Quando fui a um evento e vi que poderia me transformar nos personagens de que gostava, encantei-me. Comecei por diversão, um hobby de poder representar um personagem. Hoje, a única coisa que mudou foi que essa caracterização se transformou em um meio de trabalho”, relembra.

PRODUÇÃO

Daniel Zarahi Fotografia/Divulgação
Renato Silveira se transforma em vários personagens, como o Aquaman (foto: Daniel Zarahi Fotografia/Divulgação)
A escolha do personagem é umas das partes mais difíceis na hora da concepção. Uma dica bastante usual nesses casos é se imaginar interpretando ele. Nayara conta que sempre opta por personagens de que gosta, parecidos com ela tanto na aparência quanto no jeito de ser. A maioria dos personagens que escolhe são bem “Nay”. Alegres, brincalhões. “Para mim, sempre é mais difícil aquele personagem mais calado, que fica sempre com a cara fechada, acaba me dando um trabalhão”, destaca.

O cosplay demanda, muitas vezes, que o indivíduo realize sua própria produção, que, por sua vez, para constituir a fantasia do personagem basta contar com a criatividade do cosplayer. Todo cosplayer se inicia na ideia do Do it yourself– DIY (Faça você mesmo, em português), ou seja, os participantes produzem a própria fantasia, assim como todos os equipamentos e acessórios, com ferramentas e tecidos que têm em casa. “Entrei nesse mundo em 2008, com um cosplay que chamamos no meio de ‘cosplay de armário’ e daí fui só evoluindo. O custo com a produção de roupa, maquiagem e acessórios depende da escolha. Já tive personagens que não passaram de R$ 150 e outros que chegaram a R$ 500. Tudo vai depender do grau de dificuldade que ele tem”, ressalta.

A complexidade é definida em detalhes, seja herói ou vilão. O desafio de um cosplayer é tornar a ficção real. Nesse clima, atravessamos a fronteira entre o criativo e a realidade para falar sobre essa arte que cresce em diferentes faixas etárias.

Entre o real e a fantasia
Além da diversão, o cosplay atua como uma forma de expressar outras faces da personalidade ou simplesmente para ver seu personagem favorito na própria pele

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O que leva uma pessoa a fazer cosplay? Um recurso de comunicação para pertencer a algum lugar, um disfarce para enfrentar medos, expressar outras faces de personalidade ou simplesmente buscar fantasias nutridas desde a infância. O cosplay é uma arte que carrega uma carga emocional importante para aqueles que o fazem, como forma de ver seu personagem favorito em carne e osso. E na própria pele, é claro.

Os personagens de filmes, mangás, animes e séries têm uma vida particular, que, muitas vezes, se assemelha à de um indivíduo comum, que tem dificuldades no seu dia a dia. “Muitas pessoas fazem cosplay de personagens com quem se identificam ou que admiram. Faço cosplays de personagens que tenham algum traço de sua personalidade que me chame a atenção, algo que ele tem que me faz querer ser igual. Não faço personagens de quem não gosto”, afirma o designer de jogos e ator Renato Silveira Machado Luiz, conhecido no meio cosplay como Dancard.

O psicólogo Thiago Oscar destaca que a criatividade para a montagem do personagem é referenciada com grande valorização de conteúdo. Não somente na imagem da vestimenta, mas de como esta se conecta com sua imagem real e com a da personagem. “É um mix do eu com o personagem, tem um ‘porquê’ de o meu EU se transpor à imagem do personagem e vice-versa.” A tal criatividade vai para além da caracterização, ela tem um “quê” a mais de admiração. Logo, segundo o psicólogo, a importância da similaridade da aparência da personagem vai de cada um. Isso tudo é muito perceptível quando duas, três ou mais pessoas estão fazendo cosplay do mesmo personagem. Todos ficam parecidos, similares, mas não idênticos. Cada um faz o seu cosplay de acordo com sua identidade.

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Thiago Oscar pondera sobre o fato de que cosplay ajuda na formação da identidade individual dos cosplayers. “Ajuda na identificação da própria identidade por meio de algum(s) personagem(s). “Seja por identificação ou por admiração, um personagem pode muito servir de inspiração, causar reflexões e até mesmo críticas, elementos que são importantes na construção de nossa identidade”, explica o psicólogo.

Muito se discute sobre a influência do cosplay na formação da identidade pessoal e social dos adeptos. Os cosplayers acabam adquirindo uma visão da sociedade e dos valores culturais que constituem sua própria identidade, demonstrados na sua performance como personagem. Para o psicólogo, essa arte pode ser uma nova maneira de lidar com o individualismo social em decorrência de preconceitos na vida real. “Pode ser uma forma de libertação ou até mesmo a criação de um espaço fora do mundo real - coerente ou não com a realidade da pessoa”, explana Thiago Oscar.

Essa arte pode resultar em algo positivo para os jovens e facilitar não o encontro com a solução de todos os problemas, mas sim uma maneira de tentar lidar com esses problemas. “Acredito, ainda, ser uma forma criativa e até mesmo bonita de lidar com os problemas. Não é algo agressivo ou ofensivo, mas uma expressão lúdica/fantasiosa de importância e valor para eles.”

EXPERIÊNCIA

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Renato Silveira conta que, quando começou, pensava no cosplay como um hobby para se divertir, distrair a cabeça e relaxar um pouco. “Depois de tantos anos fazendo isso, criei amizades fortes e duradouras. Também evoluí muito, faço cosplays muito mais bonitos agora. Não é apenas um hobby para mim, é uma forma de fazer mais amizades, de me divertir com meus amigos e até de ganhar dinheiro, pois ainda faço cosplays por encomenda”, diz.

Os cosplayers emergem profundamente num processo criativo até a concretização da personagem. “Antes de me vestir, pesquiso o máximo que puder sobre o personagem. Assisto, jogo e leio sobre o personagem, reparo no jeito como ele anda, no jeito como ele come, as expressões faciais que ele faz, trejeitos e tiques nervosos e, às vezes, até ouço músicas que imagino que o personagem ouviria. Tento imitar, inclusive, a voz do personagem”, comenta Renato Silveira.

E esse processo, pensado nos mínimos detalhes, gera felicidade ao longo de cada montagem. “É muito bacana ser conhecido por um personagem ficcional. Muitas pessoas me disseram que quando assistiram à Liga da Justiça lembraram de mim nas cenas do Aquaman.” Renato diz que cada personagem que ele faz revela um pouco da personalidade que nem mesmo ele sabia. “Você pode descobrir que tem um lado brincalhão e extrovertido, ou um lado sério e marrento por meio de personagens diferentes.”

ORIGEM DO COSPLAY

NO MUNDO

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Em 1939, Forrest J. Ackerman, na companhia de Myrtle R, durante a primeira Worldcon, usaram pela primeira vez fantasia durante um evento. Ele criou a veste chamada “futurecostume”, enquanto ela criou uma versão do vestido do filme de 1936 Things to come e, a partir daí, os fãs de ficção científica passaram a usar trajes nessas convenções. Os primeiros cosplays de mangá/anime registrados são posteriores aos anos 1970, nos EUA. O fenômeno do cosplay chegou ao Japão na década de 1980, por meio de Nobuyuki Takahashi, que ficou surpreso com o costume ao visitar um Wordcon, que começou a incentivar a prática no Japão pelas revistas de ficção científica. Com a popularização do anime nos anos 1990, o cosplay japonês tornou-se popular no mundo todo, tratando-se de caracterizações de personagens existentes, enquanto os primeiros cosplays (estadunidenses) estendiam-se principalmente à criação de personagens.

NO BRASIL

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Em convenções de Jornada nas Estrelas e RPG no fim da década de 1980 já se encontravam fãs fantasiados de seus personagens favoritos. Não era ainda conhecida como cosplay, pois o termo, na época, ainda começava a se difundir no Japão. No fim da década de 1990, com a popularidade do anime Cavaleiros do Zodíaco, surgiram as primeiras convenções de anime e mangá no país, fazendo, assim, essa atividade ressurgir, então com nome e características próprias, além dos concursos. Os primeiros eventos significativos de anime em São Paulo, que abriram espaço para o cosplay, foram a MangáCon e AnimeCon, sendo este último o evento mais importante de sua época.

DICIONÁRIO

» Anime: nome dado para o tipo de desenho animado produzido no Japão

» Cosmaker: profissional responsável pela criação de trajes cosplays e acessórios dos mais variados tipos

» Cosplay: arte de se transformar em um personagem, utilizando maquiagem, interpretação, vestuário e demais técnicas exigidas pelo alter ego do artista ou do personagem que está interpretando

» Geek: gíria da língua inglesa, cujo significado é alguém viciado em tecnologia, em computadores e internet. O conceito de geek é algo semelhante ao conceito de nerd: aquele que tem profundo interesse por assuntos científicos e tecnológicos

» Mangá: nome dado às histórias em quadrinhos de origem japonesa

» Otaku: termo utilizado apenas para rotular as pessoas que são fãs de animês, mangás e de outros aspectos da cultura pop japonesa.

» Otome: a expressão é tomada como o feminino de otaku, ou seja, meninas que são fãs de animês e mangás (desenhos animados e revistas em quadrinho japoneses) ou da cultura pop japonesa em geral

Válvula de escape

Fransergio Paiva/Divulgação
A advogada e cosplayer Stella Oliveira diz que abriu um leque de opções em sua vida (foto: Fransergio Paiva/Divulgação)
Questionado se vê preconceito por parte do público em geral, Renato Silveira cita exemplos da visão estereotipada de inúmeras pessoas com relação aos praticantes e a distinção por conta de um padrão de beleza executado pela mídia. “O maior desafio e o que mais desencoraja alguém de fazer cosplay são o preconceito e o assédio. Quase todo cosplayer já ouviu alguém dizer que ele não pode fazer algum personagem porque está acima ou abaixo do peso, ou não tem um corpo atlético, ou é muito baixo ou muito alto. Cosplay não é o seu corpo, tem mais a ver com sua roupa e sua paixão pelo personagem. Por muitas vezes, amigas minhas foram assediadas verbal e fisicamente em eventos. Esse tipo de comportamento desanima cosplayers de continuar a fazer sua arte. Acho que o mínimo que um ser humano deve ter com seu próximo é respeito.”

A arte do cosplay, também pode ser usada como instrumento para tentar melhorar um pouco a tão assustadora timidez. Em alguns casos, o cosplay foi até classificado como um tipo de “terapia” interessante, voltada justamente para pessoas com problemas de timidez e desenvoltura em público. Quando você está “fantasiado”, você coloca o “seu eu” de lado pra deixar entrar a personalidade e trejeitos do personagem que está representando.

MUNDO NOVO

Muitos cosplayers dizem que se sentem livres da pressão social que os prende no dia a dia quando se vestem do personagem escolhido. A advogada e cosplayer Stella Oliveira encara esse movimento como uma válvula de escape. “Acho que todos precisam de um hobby. Quanto mais estressante nossas vidas, mais precisamos de algo que nos relaxe. Abri um leque de opções para minha vida e um mundo novo”, revela.

A advogada conheceu o cosplay por meio de uma revista que continha uma matéria sobre o assunto. O fascínio por representar seus personagens favoritos fez com que ela passasse a pesquisar cada vez mais. “Quando escolho um personagem, gosto de representar mulheres fortes, seja vilã, seja heroína. Gosto de trabalhar com mulheres com as quais me identifico e que tragam alguma mensagem consigo”, comenta.

Personagem da notícia

Vitória de Oliveira, ex-cosplayer

Interagir com outros fãs


“Comecei no hobby aos 13 anos. Já era fã da cultura pop japonesa e consumia muitos quadrinhos, animes e videogames. Queria vivenciar a experiência de ir a esses eventos de uma maneira mais próxima, conhecer mais pessoas, interagir com outros fãs. Achava encantadora a forma como todos customizavam perucas, adaptavam itens e peças de roupa, e criavam algo bonito e colorido. Foram essas as duas razões que me levaram a começar no cosplay. Fiz muitos amigos, conheci pessoas com gostos em comum. Apresentava-me nos palcos e ganhei muitos prêmios. O fator mais interessante que envolve o cosplay é o desafio. Algumas roupas desafiam a gravidade, outras exigem acessórios esculpidos em madeira ou verdadeiras instalações elétricas por baixo da fantasia pra fazê-la brilhar. Por isso, desenvolvi muitas habilidades que me são úteis ainda hoje. Sei costurar, aprendi o básico de marcenaria, maquiagem e sei fazer circuitos elétricos simples. O cosplay é um hobby que absolutamente desenvolve nossa criatividade.”

Arte levada a sério
O cosplay pode ser encarado como um simples passatempo, mas é possível atravessar o imaginário fantasioso e transformá-lo em fonte de renda

Não é de surpreender que o cosplay, em vez de desaparecer, como numa moda passageira, tenha encontrado posição bastante forte em diferentes círculos sociais no mundo. Muito mais que um hobby, a arte cosplay desafia os próprios adeptos e os levam a trabalhar melhor suas habilidades. Sabe quando todo mundo diz para trabalharmos com aquilo de que gostamos? Como porta de entrada para a profissionalização, as competições entre cosplayers tomam conta dos mais variados eventos destinados à cultura pop e japonesa e promovem a criação dos cosmakers, pessoas que produzem os trajes e acessórios dos cosplayers.

Para o médico e professor da pós-graduação em medicina da faculdade Ipemed Edson Lago, a partir do momento em que vivemos numa sociedade cada vez mais fundamentada em obrigações, trabalho, responsabilidades, necessidades e desejos peculiares a cada um, um hobby pode ser opção para relaxamento diante de uma vida estressante. “O hobby pode nos possibilitar a produção de pelo menos quatro neurotransmissores ou hormônios fundamentais para a nossa vida, como a endorfina, oxcitocina, serotonina e a dopamina. Esses hormônios nos fazem sentir prazer, relaxamento e alegria.”

Andre Pezzino/Divulgação
A necessidade de criar a própria fantasia levou a cosmaker Ana Carolina Viana a se profissionalizar (foto: Andre Pezzino/Divulgação)
Quando um hobby se torna profissão, o equilíbrio entre fazer um trabalho com prazer sem compromisso financeiro deve ser prioridade para sustentar o sentido do hobby. “A realização pessoal é um dos maiores anseios do ser humano, segundo Maslow (Abraham Harold Maslow, psicólogo americano, conhecido pela proposta hierarquia de necessidades), em sua teoria sobre a hierarquia de necessidades do ser. Quando trabalhamos com o que gostamos, a nossa motivação, criatividade e bem-estar podem nos aproximar de um estado de autorrealização”, comenta o professor.

A entrada da estudante de administração e cosmaker Ana Carolina Viana, de 34 anos, no mundo do cosplay foi gradual até se tornar sua fonte de trabalho. O principal elo foram os jogos japoneses com os quais brincava na infância. “Sempre fui apaixonada por fantasia, mas não encontrava oportunidades interessantes para usá-las, até que descobri o termo cosplay. E quando tive a oportunidade de fazê-lo foi bem divertido, pois não é só a questão de usar fantasia, e sim de fazer algo a mais”, comenta.

ADAPTAÇÃO

A necessidade de adaptar uma roupa e a criação de assessórios para um de seus cosplays fez com que a cosmaker colocasse a mão na massa. “Queria um cosplay, mas não tinha como comprar os trajes e acessórios porque resolvi ir a um evento em cima da hora. Então, escolhi um personagem que fosse fácil de adaptar a uma roupa já pronta. Não sabia direito como funcionava a questão da produção, só conhecia sites estrangeiros que vendiam as peças. Comprei um vestido e produzi todas as outras peças para o personagem. Coisas simples, como luva, meia e outros acessórios, e fui”, lembra.

A graduanda em administração sabia tricotar, bordar e costurar a mão pequenas peças de artesanato ou roupas. Sempre tentava customizar suas roupas e tinha vontade de fazer as próprias peças. Até que um dia conseguiu uma máquina de costura supervelha, que fora da sua mãe. A visão inicial do hobby como um simples passatempo foi abandonada por Ana Carolina, que hoje faz da atividade sua profissão.

A oportunidade de se profissionalizar surgiu à medida que outros cosplayers passaram a encomendar alguns trajes com ela. “Como já tinha produzido três cosplays adaptando roupas prontas, resolvi pesquisar mais sobre os detalhes. Trabalho com artesanato desde os 13 anos, então, muita técnica que já conhecia podia ser usada. Acabei fazendo mais peças e chamando as amigas para ir nos eventos. As pessoas me perguntavam se eu havia produzido aquela peça, se faria para elas e comecei a fazer para vender. Foi algo automático, produzia uma peça ou outra para um amigo ou alguém que tinha visto e queria, ate que percebi que a demanda estava crescendo e resolvi investir só no cosplay” conta.

O professor Edson Lago conta que os benefícios de trabalhar com o que gostamos são fundamentais para o crescimento pessoal e uma vida plena. “O nosso organismo pode produzir hormônios de felicidade, prazer e relaxamento, nos tornando, assim, mais capacitado a exercer funções que envolvem o intelecto, a emoção e o físico na sua maior plenitude para uma vida saudável”, destaca.

Ser criativo é fundamental

O cosplay demanda que o indivíduo realize sua própria produção, que, por sua vez, para constituir a fantasia do personagem basta contar com a criatividade do cosplayer. “Quando fazemos algo com prazer, motivação, engajamento grupal, propósito e amor, nosso cérebro produz os hormônios que nos facilitam ser criativos”, afirma a costureira de cosplay Eva Maria da Conceição. Para ela, quando buscamos um sentido de viver em prol da autorrealização ou quando necessitamos desenvolver tarefas autônomas, ser criativo é fundamental para o sucesso de tais objetivos.

Jair Amaral/EM/D.A Press
Eva Maria da Conceição diz que é gratificante ver o brilho no olhar dos clientes (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Eva Maria, conhecida como Eva Cosmaker, sabe bem a importância desse movimento para os jovens que encomendam suas roupas e acessórios. A costureira passou a atender a uma demanda cada vez maior e começou a se dedicar apenas a esse propósito. “Minha história com o cosplay começou há uns seis anos, quando uma cliente perguntou se conseguiria fazer um traje para seu sobrinho. Depois de usar a roupa no evento, ele voltou pedindo novo orçamento e acabou comentando com os seus amigos, que também vieram até a mim. E o processo foi fluindo por indicações”, lembra a constureira.

Com o passar do tempo, Eva adquiriu carinho especial por esse trabalho e por essa arte. “Apaixonei-me pelo cosplay. As roupas que faço são minhas crias. Apaixono-me, principalmente, por não ser um trabalho repetitivo. Cada roupa tem um detalhe, um tamanho e uma personalidade. É sempre um desafio”, comenta.

O período para a confecção de uma roupa varia de acordo com o detalhe de cada personagem. O preço também é flexível. “Varia em função do tecido e de todo o material, mas custa em média de R$ 200 a R$ 400. Mas há aqueles mais caros, como por exemplo, um personagem do jogo Assassin’s Creed, que fiz e que chegou a quase R$ 2.000”, revela.

SATISFAÇÃO

“É de encher os olhos quando vejo alguém com o sorriso de orelha a orelha ao experimentar a roupa dentro do meu ateliê. Conheço alguns cosplayers que têm síndrome do pânico, ansiedade ou que são muito tímidos e, quando colocam um traje, vejo o brilho no olhar deles, e isso é gratificante”, finaliza a cosmaker.

A arte cosplay cresce entre jovens e adultos e se torna uma prática bastante séria, gerando engajamento entre eles. Uma vida com propósitos e sentidos bem definidos é fundamental para o alcance do bem-estar. “Estar engajado ou identificado com alguma atividade é condição para uma vida plena. Grupos com os mesmos propósitos, ideias ou afinidades são potencialmente benéficos para o sentido da autorrealização”, destaca Edson Lago.

Cinco perguntas para...

Cesar Ikko - Presidente da Animecon Eventos e um dos organizadores do Anime Festival em BH

1) Como e quando começou sua paixão por essa cultura cosplay?

Em 1998, já colecionava alguns animes, e alguns amigos pediram para que fizesse a legenda de algumas séries, e que virasse um fansubber (fã que legenda os animes). Nessa época, comecei a fazer legenda de alguns animes para divulgação no Brasil e depois montei um clube, em que os associados tinham acesso ao acervo legendado. Em 1999, o meu clube já era o 2º maior fansubber do Brasil, com 5 mil associados em todo o país. Parei o trabalho de fansubber quando iniciei, com outros clubes, a produção do primeiro Animecon.

2) E o desejo de investir em um evento desse nicho?

Em 1999, aqui em São Paulo, um grupo de representantes de clubes de animes e um editor de revistas de animes tiveram a ideia de realizar o primeiro grande evento no Brasil, nos moldes dos que já ocorriam no Japão, Estados Unidos e Europa. Nascia, assim, o Animecon, que, até 2004, foi o maior evento do gênero no país. Concorrência desleal e saturação do mercado fizeram com que sua última edição fosse realizada em 2010.

3) Como são os eventos de cosplay e qual o feedback dos cosplayers sobre esses eventos?

O feedback que temos é sobre o aumento de participantes em nossos concursos, em que eles, além de passear, já tentam também ver qual colocação conseguem nos concursos. Na realidade, os cosplays fazem parte do evento como visitantes. O evento realiza o Concurso Cosplay para os interessados. Nem todos os cosplayers presentes vão lá pra competir. Eles vão mais para passear e exibir a roupa de seu personagem favorito.

4) Como é o engajamento por parte das pessoas que participam dessas competições? Como é esse movimento em Belo Horizonte?

O brasileiro é muito dedicado e sempre elabora excelentes cosplays. O Brasil, atualmente, é tri-campeão mundial de cosplay, em concurso anualmente realizado no Japão. O público mineiro foi muito receptivo a esse tipo de evento, em que tivemos crescimento notável de 2012 a 2014, este último atingindo a marca de 8 mil pessoas em 2 dias de evento, em sua maior edição.

5) Qual a sua percepção sobre a importância desses encontros para os jovens?

É muito importante, principalmente pela divulgação da cultura japonesa, já que muitos jovens aprendem a ler e a falar japonês para acompanhar suas séries favoritas, assimilando muito da cultura oriental. Temos também o nascimento de diversos artistas no desenvolvimento tanto de ilustrações quanto de quadrinhos.

* Estagiário sob a supervisão da subeditora Elizabeth Colares