Oscilação hormonal em meninas interfere em crises de enxaqueca

A descoberta de cientistas norte-americanos pode contribuir para o desenvolvimento de novos tratamentos

por Vilhena Soares 23/07/2017 08:00
Reprodução/Internet/Grupo Longevitá
(foto: Reprodução/Internet/Grupo Longevitá)

Fatores como alimentação e estresse podem estar relacionados às crises de enxaqueca, independentemente do gênero. Mas a dor de cabeça latejante e intensa é mais comum em mulheres: três vezes mais frequentes do que nos homens. Por isso, cientistas dos Estados Unidos decidiram observar, em meninas e adolescentes, qual a influência dos hormônios femininos na ocorrência desse tipo de cefaleia. Após analisar 34 voluntárias, concluíram que níveis mais altos de progesterona podem reduzir as chances de crises de enxaqueca entre as mais velhas. Detalhes do trabalho foram publicados na revista especializada Cephalalgia e, segundo os autores, têm o potencial de ajudar no desenvolvimento de estratégias de tratamento mais eficazes.

As participantes do experimento foram divididas em três faixas etárias: de 8 a 11 anos, de 12 a 15 anos, e 16 e 17 anos. Todas eram pacientes do Hospital de Crianças de Cincinnati, nos Estados Unidos, unidade especializada em dor de cabeça. Durante 90 dias, foram coletadas amostras diárias de urina das voluntárias, que também tiveram que registrar em um diário a ocorrência e a gravidade das dores de cabeça. A quantidade dos hormônios sexuais estrogênio e progesterona na urina foi correlacionada com os relatos escritos.

Os resultados mostraram que, nas adolescentes mais velhas, quando os níveis de progesterona estavam baixos o risco de elas serem acometidas por uma crise de enxaqueca era de 42%. O valor caía para 24% quando havia taxas maiores do hormônio. No grupo mais novo, porém, o efeito foi contrário: 15% de chance de ter a complicação quando havia níveis baixos de progesterona, e 20% em nível alto.

“A progesterona parece ser o fator mais importante no desencadeamento da enfermidade nas meninas jovens. No entanto, esse efeito parece diferir dependendo da idade das garotas”, explica ao Estado de Minas Vincent Martin, codiretor do Centro de Dor de Cabeça e Dor Facial do Instituto de Neurociência UC Gardner, nos Estados Unidos. Segundo ele, essa reação contrária deve estar relacionada às mudanças hormonais características da adolescência, época também em que costumam surgir as primeiras crises de enxaqueca. “Os hormônios provavelmente agem sobre os caminhos da dor do nervo trigêmeo, desencadeando as dores de cabeça”, detalha. “À medida que o cérebro está se desenvolvendo nessas meninas, pode haver diferenças na sensibilidade dos receptores cerebrais e seus papéis na ocorrência de enxaqueca.”

Andrew Hershey, diretor de Neurologia do Hospital de Crianças de Cincinnati, explica que as meninas começam a sofrer as primeiras mudanças da puberdade entre os 8 e os 10 anos. À medida que segue o desenvolvimento puberal, geralmente ocorrem flutuações hormonais cíclicas e períodos menstruais irregulares. “Já demonstraram que um padrão de dor de cabeça mensal pode começar durante esses estágios iniciais. Quando envelhecem, seus períodos menstruais tornam-se mais regulares, assim como as flutuações hormonais, e, aos 17 anos, a maioria das meninas tem padrões hormonais adultos”, detalha.

Suspeita

Márcia Neiva, Neurologista do Hospital Brasília, avalia que o estudo dá sustentação científica a uma suspeita comum nos consultórios. “Sabemos que as mulheres são mais acometidas por enxaquecas, o que aponta para influências hormonais. Já sabemos também que alguns anticoncepcionais podem evitar a enxaqueca, por exemplo. Para pacientes que sofrem com enxaqueca, sempre indico medicamentos contraceptivos feitos com base na progesterona, pois foi demonstrado que o uso deles diminui a quantidade de crises”, diz a especialista.

Renato Mendonça, neurologista do Laboratório Exame em Brasília, ressalta que ainda há muito a estudar sobre a influência dos hormônios femininos no corpo humano. “Sabemos pouco sobre eles, mas temos certeza de que estão envolvidos em diversos fatores, como o humor, e que se combinam, provocando uma gama de influências. No caso da enxaqueca mesmo, é difícil ver mulheres mais velhas com essa enfermidade. Ela é mais frequente em jovens, algo que indica também uma mudança causada pela alteração hormonal.” Na maioria dos casos, as crises desse tipo de cefaleia desaparecem após os 50 anos.

Multifatorial

Apesar da influência hormonal detectada, os autores do estudo destacam que outros fatores estão envolvidos na ocorrência de enxaquecas. “As mudanças que vimos podem refletir o tempo mais cedo que as meninas começam a responder aos hormônios. Poderia também explicar por que as crises se desenvolvem em adolescentes, mas muitos outros fatores precisam ser avaliados, já que esse é um problema multifatorial”, ressalta Vincent Martin.

Os resultados atingidos, segundo a equipe, abrem um caminho de possibilidades em busca de intervenções mais eficazes contra um problema considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma das principais causas de anos perdidos por incapacidade. “É possível que algumas terapias hormonais possam ser dadas a adolescentes mais velhas para prevenir a enxaqueca, mas isso precisa ser investigado em estudos futuros”, diz Martin.