Jejum intermitente é a dieta queridinha do momento

Bastante restritiva, rotina alimentar está na crista da onda. Nutricionista de BH fez teste para entender como pacientes reagiriam e concluiu que sua indicação deve ser cautelosa

por Valéria Mendes 12/12/2016 09:00
Reprodução Internet
A proposta do jejum intermitente consiste em ficar sem comer nada, apenas tomar água ou chás, durante longos períodos (foto: Reprodução Internet )
Perder peso rápido comendo o que se gosta. Essa é a pegada da nova dieta da moda, o jejum intermitente. Apesar de o conceito não ser novo – porque as pessoas sempre jejuaram pelos mais diversos motivos –, o modelo foi testado pelo nutricionista sueco Martin Berkhan, que provou que a técnica ajuda a reduzir medidas em um curto espaço de tempo.

No Brasil, o assunto tem ocupado as revistas e sites de beleza e saúde desde que a atriz Deborah Secco afirmou que essa foi a forma que a ajudou perder peso depois do parto de Maria Flor, que completou um ano no dia 4. Após a revelação, a celebridade, que representa um padrão de beleza ainda valorizado culturalmente, acabou incentivando as pessoas a testar o método, muitas vezes sem nenhum acompanhamento especializado, o que pode ser perigoso.

Cristina Horta/EM/D.A Press
Carine da Mata fez o jejum por quatro semanas para avaliar benefícios e prejuízos do regime, e ter mais propriedade para indicá-lo ou não (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)

Com a chegada do verão, o desejo de emagrecer e o jejum intermitente em pauta, a nutricionista Carine Ribeiro da Mata, de 30 anos, imaginou que seria procurada por pacientes, e decidiu testar nela mesma os impactos desse tipo de restrição alimentar no corpo e no organismo. O fato é que em um mês de dieta ela conseguiu reduzir em 3% seu percentual de gordura. “Apesar de não ser nova, a dieta do jejum intermitente começou a ser muito falada recentemente e queria saber como uma pessoa se sentiria ao passar muitas horas sem se alimentar”, conta.

Resultado
Quando iniciou o padrão de alimentação que alterna períodos de jejum e não jejum, o percentual de gordura de Carine estava em 26%. Um mês depois, caiu para 23% e hoje ela alcançou a marca dos 20%. Ela, que se afirma como ‘falsa magra’, diz que, além de ter conseguido eliminar gordura corporal, viu um resultado muito bom no abdômen, com redução de medidas, além de se sentir mais bem disposta. Pelo relato, parece que o jejum intermitente é, de fato, uma boa alternativa para quem quer perder peso rápido.

No entanto, Carine associou a dieta com atividade física e montou um cardápio bem equilibrado, que não deixou faltar nenhum nutriente para o organismo. E é aí que mora o cerne da questão. “Eu só indicaria essa dieta a pacientes que já fizeram uma reeducação alimentar e nunca em uma primeira consulta”, revela. Isso porque, passar muitas horas sem comer, aumenta a vontade de ingerir carboidrato e comidas calóricas. Sem orientação e acompanhamento nutricional, a pessoa pode, em alguns casos, ganhar peso e, em outros, prejudicar o equilíbrio do organismo.

Arquivo Pessoal
Ana Paula Meireles, nutricionista e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (foto: Arquivo Pessoal )

Nutricionista do Instituto Mineiro de Obesidade e Cirurgia (Imoc), em Belo Horizonte, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica e especialista em transtornos alimentares e obesidade, Ana Paula Meireles reforça que o jejum intermitente não é para todo mundo. “O jejum prolongado altera os níveis de hormônio do organismo e, por isso, precisa de um aporte de cuidados para não ser prejudicial à saúde. É preciso considerar o perfil metabólico, o uso de medicação e o uso de suplementos. É contraindicado para pessoas com alguns tipos de doença de base, como hipertensão, diabetes, câncer ou para quem passou pela cirurgia bariátrica”, alerta. Além disso, ficar horas sem se alimentar pode provocar sudorese, enjoo, vista turva, pernas bambas, dor de cabeça e até desmaios. “A questão da hidratação deve ser levada muito a sério nos jejuns prolongados e é muito comum as pessoas se desidratarem na prática do jejum intermitente”, acrescenta.

Coordenadora de nutrição clínica do Hospital do Coração (Hcor), em São Paulo, Lilian Sant’Anna concorda que o que é bom para um pode não ser para outro e reforça ainda que a ausência de nutrientes, a longo prazo, pode acarretar alterações importantes no organismo, como queda ou enfraquecimento do cabelo, constipação intestinal, osteoporose, anemia, dificuldade de concentração, ansiedade e irritação.

Conceito
Dieta queridinha do momento, a proposta do jejum intermitente consiste em ficar sem comer nada, apenas tomar água ou chás, durante longos períodos. Esse jejum pode variar entre oito, 10, 12, 16 ou mais horas. No caso da atriz Deborah Secco, ela chegou a ficar 23 horas sem comer nada e tem pessoas que ficam mais de um dia sem comer. “Existem vários protocolos e períodos de jejuns. No jejum intermitente, há o que chamamos de ‘janela de alimentação’ que é o período que a pessoa tem, ao longo de todo o dia, para fazer suas refeições. O mais comum é essa janela ser de oito horas (16 horas sem comer nada). Nesse intervalo, o paciente ou a paciente pode fracionar as suas refeições, que podem ser duas ou três no dia”, explica Ana Paula Meireles.

Considerando a janela de alimentação de oito horas, o período que a pessoa teria para se alimentar é das 12h às 20h, por exemplo. O que é mais praticado, segundo a especialista, é jejuar entre o jantar (última refeição do dia) até o almoço (primeira refeição do dia). “É importante ressaltar que as refeições devem ser balanceadas, devendo ser, inclusive, low carb (baixa ingestão de carboidratos) para que os resultados sejam melhores, e sem esquecer a hidratação”, observa. A nutricionista diz que o tempo do jejum intermitente vai depender da necessidade e adaptação de cada pessoa.

No caso de Carine Ribeiro da Mata, ela não quis adotar o jejum intermitente em todos os dias da semana e jejuava por períodos de 14 horas. As refeições tinham pouco carboidrato e a saciedade vinha, segundo ela, de uma dieta balanceada que incluía proteínas de alta qualidade. Como associou com atividade física, fracionou mais as refeições, incluindo pequenos lanches antes de ir para a academia. “O jejum intermitente é bom ainda para desintoxicar o organismo e diminuir os níveis de glicose do organismo”, diz.

ROTINA Na primeira semana de dieta ela jejuou apenas um dia; na segunda semana, dois dias; na terceira, um dia novamente; e na quarta, dois dias. “Em todos os outros dias, dieta balanceada”, explica. É possível, sim, se manter bem nutrido fazendo jejum, mesmo considerando as alterações hormonais. Para a nutricionista Ana Paula Meireles, no entanto, é preciso ter um olhar crítico para as dietas da moda, considerando a conduta individual, que cada um tem a sua necessidade nutricional e carrega sua carga genética, que as características físicas são diversas e que as atividades ao longo do dia variam de pessoa para pessoa. E não se esquecer de que não existe milagre: qualquer pessoa que quer ou precisa emagrecer tem que aumentar o gasto calórico.

Outra ressalva é que, para evitar o efeito sanfona, a pessoa que passou pelo jejum intermitente não pode retomar o padrão dietético anterior. “Se não for bem orientado, o ganho de peso vem rapidamente. O corpo compreende que está passando por uma restrição alimentar e gasta a gordura acumulada para dar energia ao organismo. Por outro lado, quando esse corpo tem acesso novamente a alimentos muito calóricos ele entende que é preciso armazenar para ter para gastar no caso de nova privação alimentar”, salienta.

A nutricionista Lilian Sant’Anna lembra ainda que o corpo precisa de energia extra na hora da malhação. “O lanchinho leve antes do treino tem de fazer parte da rotina. Ignorar essa necessidade pode causar fraqueza, tontura e até mesmo desmaios, em decorrência da hipoglicemia, que é a queda da taxa de açúcar no sangue”, observa.

LEVE NA BOLSA
Sugestões de lanches leves que você pode carregar no dia a dia, levar para o trabalho e na bolsa para não passar fome:

» Mix de oleaginosas, como castanhas e nozes
» Maçã, uva, banana e também
minicenouras ou tomate-cereja
» Barras de cereal, mas evite as versões com chocolate
» Biscoitos integrais
» Iogurte light

Fonte: Lilian Sant'Anna, coordenadora de nutrição clínica do Hospital do Coração (Hcor), em São Paulo.