Cristina Silveira, psicanalista e psicopedagoga
Sabemos da importância dos contos de fadas na literatura infantil para as crianças na elaboração dos conflitos, na construção da criatividade e de suas fantasias.
Mas quando se utiliza a figura da “Princesa” separada desse contexto literário, simbólico, para transformá-la em um foco de mercado bem aquecido e lucrativo é no mínimo preocupante, como está sendo com a “Escola de Princesas”.
Muito sério, principalmente depois da declaração da dona do negocio: “Eu ensino postura, comportamento e modos de princesa, como etiqueta à mesa, dou dicas de moda e culinária”. Vivemos numa sociedade em que tudo parece ter sido mercantilizado, inclusive o universo infantil. Então, quando vejo um espaço de verdade, em forma de castelo, criado para atender meninas cujos produtos e serviços oferecidos não são somente tiaras de pedras ou longos vestidos de princesas, mas valores e princípios que vão supostamente ajudar meninas a se tornar “princesas de verdade” e a ter confiança em si mesmas, me preocupo. Primeiro porque a proposta não se sustenta, já que dificilmente essas meninas vão se tornar princesas. Segundo, porque é algo completamente distante da realidade vivida pela maioria das meninas nos dias de hoje, porque elas não associam a imagem da “princesa” a serviços domésticos, trocar um pneu furado ou mesmo enfrentaar um turno de trabalho de 12 horas seguidas.. Ou seja, essa escola vende uma falsa idéia de realidade.
Segundo o que li no site da escola, a sua missão é "oferecer serviços de excelência que propiciem experiências de natureza intelectual, comportamental e vivencial do dia a dia da realeza, para meninas com idade entre 4 e 15 anos que sonham em se tornar princesas e fazê-las resgatar a essência feminina que existe em seus corações."
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Sinceramente, questiono qual é a concepção dessa escola por essência feminina e o que de fato é ensinado a essas crianças, que estão numa fase essencial de construção de identidade e formação de valores. Esses valores incluem jóias, tiaras, vestidos rosa, saltose atitudes de princesas em seus chás da “ realeza” para poder serem aceitas e amadas numa sociedade, que na verdade, apresenta uma outra realidade para a mulher?
Tudo isso me remete ao tão falado "complexo de cinderela", que teve origem na educação, na cultura e nas sociedades essencialmente ocidentais. Pois durante muito tempo, o papel da mulher era ficar em casa, não trabalhava, pois a sociedade de forma geral, via o trabalho, o estudos e o conhecimento, quase exclusivo para os homens. Assim sendo, desde muito cedo, as pequenas eram educadas e formatadas para serem “princesas”.
O "complexo da Cinderela" ocorre quando existe um sistema de desejos reprimidos, memórias e atitudes que tiveram sua origem na infância. Neste fenómeno existe uma crença da menina ou princesa de que vai ter sempre alguém que a proteja e que a sustente, tal como acontecia com a Cinderela e o príncipe.
Independentemente da idade, dentro dessas mulheres, existe uma criança que vive assombrando todos os níveis da sua vida, criança essa que ambiciona ter um “príncipe perfeito” que a proteja e lhe proporcione uma vida sem esforço e sem perigos. Consequência dessa crença, existe uma insegurança em vários níveis da vida, dando origem a todas as espécies de medos e dúvidas.Por consequência desses medos, insegurança e desse príncipe que nunca mais chega, as mulheres que sofrem deste complexo, subestimam-se, sabotam-se e menosprezam-se.
Segundo o instituto Alana, que também debateu esse assunto,a professora de literatura da Universidade Federal do Ceará Lola Aronovich critica o que considera culto à ostentação e à maneira como as crianças são obrigadas a se comportar."A admiração aos padrões de beleza pela riqueza material e pela forma como as meninas devem se comportar merecem atenção dos defensores dos direitos da criança e do adolescente", diz.
O que é vendido é um estilo de vida a ser almejado e um modelo idealizado de beleza, família e comportamento para essas aspirantes a princesas. Agora será que essas meninas de hoje serão mulheres felizes amanhã? E escola não deveria ser espaço de exercício de cidadania e socialização? O que ensina de fato uma escola de princesas?