Vilarejo italiano tem 11,5% da população com mais de 100 anos: qual é o segredo da longevidade?

Peculiaridades genéticas e produção dos próprios alimentos estão entre os fatores identificados

por Correio Braziliense 21/09/2016 12:00
"Comemos um monte de peixe, produtos agrícolas que nós mesmos produzimos. Temos nossos coelhos, nossas galinhas. Todos são produtos da terra" - Amina Fedollo, 93, casada com Antonio Vassallo, 100
O segredo da longevidade pode estar na rotina simples de um pequeno povoado encravado entre o mar e montanhas ao sul de Salerno, na Itália. Com 700 habitantes, Acciaroli abriga 81 centenários, o equivalente a 11,5% dos moradores. Para se ter uma ideia, no Brasil - que, segundo especialistas, passa por um processo de envelhecimento populacional -, as pessoas com mais de 100 anos representavam 0,01% da população contabilizada no último Censo, em 2010. Depois de seis meses acompanhando os longevos italianos, cientistas identificaram ao menos três fatores que explicam tamanha divergência estatística: eles levam uma vida ativa, inclusive a sexual, seguem uma dieta equilibrada nutricionalmente e são beneficiados por alguns ajustes genéticos.

Uma equipe da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, ajudada por colegas da Universidade La Sapienza de Roma, desembarcou em Acciaroli na última primavera italiana para estudar os habitantes locais. Dos 80 centenários que participaram do estudo, 25 deles com mais de 100 anos de idade, nenhum tinha Alzheimer — segundo o Manual Merck de Informação Médica, a doença neurodegenerativa acomete 30% das pessoas com 85 anos ou mais. Os estudiosos também detectaram que esses moradores do povoado apresentavam propensão a quase nunca sofrer de doenças cardíacas e outros males cognitivos.

A ausência de um marcador biológico seria, segundo os cientistas, uma das razões da velhice saudável em Acciaroli. Os italianos estudados têm uma concentração menor do vasodilator adrenomedulina no corpo, que “parece agir como um poderoso fator de proteção, favorecendo um desenvolvimento ótimo da microcirculação”, explicaram os autores, em comunicado. A adrenomedulina participa de uma infinidade de funções fisiológicas do metabolismo, desde o controle da frequência cardíaca aos mecanismos de transmissão nervosa. Há, porém, a constatação de taxas altas dessa substância em casos de doenças. O nível pode dobrar, por exemplo, em pacientes com câncer, insuficiência renal e diabetes.

Os pesquisadores também analisaram a alimentação dos idosos italianos, conhecidos por seguir a famosa dieta mediterrânea. A baixa ausência de industrializados e o foco em alimentos produzidos pelos próprios moradores chamaram a atenção. “Comemos um monte de peixe, produtos agrícolas que nós mesmos produzimos. Temos nossos coelhos, nossas galinhas. Todos são produtos da terra”, conta Amina Fedollo, 93, casada com Antonio Vassallo, que recentemente comemorou os seus 100 anos. “Basta comer coisas saudáveis”, resume o italiano, ressaltando que o cuidado vale para um dos principais produtos das refeições de Acciaroli: o azeite de oliva. “Nós consumimos o que produzimos”, garante.

Mário Laporta / AFP
Os 700 moradores do vilarejo executam atividades básicas de subsistência, como pesca e criação de animais (foto: Mário Laporta / AFP )
Além das boas escolhas alimentares, há, segundo os pesquisadores, a possibilidade de a genética potencializar a dieta desses idosos. Eles teriam um gene que conseguiria extrair as propriedades benéficas de alguns produtos consumidos regularmente. “É o caso do alecrim, que melhora as capacidades do cérebro”, ilustra Alan S. Maisel, professor de medicina cardiovascular na Universidade de San Diego e integrante do estudo. O cientista também ressaltou que o estudo se baseou em avançadas análises sanguíneas, envolvendo o DNA e o metabolismo dos participantes, controle cardíaco e neurológico.

Ativos
Com relação aos hábitos, não há espaço para o sedentarismo. Todos os participantes do estudo praticavam ao menos uma atividade física diariamente — quase sempre relacionada aos cuidados alimentares, como pesca e manutenção da horta ou do jardim.  “Muitas dessas pessoas, aparentemente, mantêm uma atividade sexual”, complementou Maisel. Atividades livres, como caminhadas, também foram registradas. E com a vantagem de a prática ocorrer em um ambiente calmo e longe da poluição.


A equipe pretende dar continuidade ao estudo dos idosos de Acciaroli com o intuito de identificar fatores que favorecem a longevidade e possam ser repetidos em outras partes do mundo. “O que gostaria de fazer no final é criar um quadro clínico que estabeleça uma espécie de pontuação que deva ser mantida”, disse Salvatore Di Somma, professor de medicina da Universidade de La Sapienza. “O projeto não só vai ajudar a revelar alguns segredos para envelhecer bem, como também vai servir para unir cientistas de todo o mundo para alcançar um melhor cuidado clínico do envelhecimento da população.”




Sorria também

A compatriota Sardenha é classificada como a campeã mundial da longevidade. A média dos centenários em países desenvolvidos é de 19 a 20 por 100 mil habitantes. Nessa ilha italiana chega a 24. Um estudo divulgado em 2014 na revista Applied research in qualifity of life mostra que, além de fatores genéticos e dos hábitos saudáveis, o bom humor reinante no local interfere na quantidade de anos vividos. Para chegar à conclusão, Maria Chiara Fastame, pesquisadora da Universidade de Cagliari, na Itália, e Paul Hitchcott, da Universidade de Southampton Solent, na Inglaterra, analisaram moradores de Sardenha e de cidades do norte da Itália.


Ao todo, foram entrevistados 191 nativos de Sassari, Bargagia e Ogliastra, na ilha mediterrânea, e de vilas rurais de Lombardia. Os participantes tinham entre 60 e 99 anos e estavam mentalmente saudáveis. Foram ajustados fatores como gênero, estilo de vida, hábitos alimentares e prática de exercícios. Os cientistas descobriram, então, que a felicidade era uma característica comum entre os longevos habitantes de Sardenha. Já em Lombardia, onde o percentual de centenários é três vezes menor, os idosos tendiam a ser mais deprimidos.


À época da divulgação do estudo, a dupla ressaltou que, pelos resultados do trabalho, não era possível apontar a felicidade como um caminho para a longevidade. Mas há, segundo eles, fatores a serem considerados. “Acho que uma importante lição que eles ensinam, e que nossa pesquisa reforça, é que o fortalecimento da autoimagem e da autoestima pode ser uma importante intervenção psicológica para idosos”, disse Fastame.