'Sem informação não há autonomia': mulheres marcham neste domingo contra projeto de lei que autoriza cesariana com 37 semanas

Em Belo Horizonte, protesto contra o 'PL da Prematuridade', assim denominado pelas mulheres, acontece no Parque Municipal a partir das 14h

por Valéria Mendes 07/07/2016 13:46
SHI TOU  / AFP PHOTO
A prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil no primeiro mês de vida (foto: SHI TOU / AFP PHOTO)
É recente a decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) de não autorizar a marcação de uma cesariana eletiva (ou seja, sem indicação médica) antes da 39ª semana de gestação. A resolução número 2.144 de 22 de junho de 2016 está em consonância com as melhores evidências científicas sobre os riscos de um bebê nascer prematuro de uma cirurgia agendada até 38 semanas e 6 dias. O Brasil, país campeão de cesariana, amarga ainda a taxa de 12,5% de meninos e meninas que nascem antes da hora. É quase o dobro das taxas de países desenvolvidos, que variam entre 6% e 8%. A prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil evitável. O que significa dizer que muitos bebês brasileiros não precisavam ter morrido.

Em 2013, o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia e a Sociedade de Medicina Fetal dos Estados Unidos elaboraram uma subdivisão que define o que é considerado gestação a termo e o que não é: bebê que nasce de 37 a 38 semanas e 6 dias é “termo precoce”; bebê que nasce de 39 a 40 semanas e 6 dias é classificado “termo completo”; bebê que nasce de 41 a 41 semanas e 6 dias é chamado “termo tardio” e bebê que nasce depois de 42 semanas, “pós-termo”. A expectativa é de que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) passe a adotar essa definição.

Seis dias depois de publicada a resolução do CFM, o deputado federal Victorio Galli (PSC-Mato Grosso) protocolou o projeto de lei nº 5687/2016 na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). O PL que “dispõe sobre o direito de pedido de cesariana à gestante ao completar no mínimo 37 semanas de gestação” gerou revolta entre as mulheres, mães e ativistas que lutam para garantir uma boa assistência ao parto normal e combater a cultura da cesariana que é uma realidade no Brasil. “É um projeto de lei absurdo em termos do conhecimento atual. É a prova de uma banalização maior da cultura da cesariana, da ideia de que tanto faz cesariana quanto parto normal. Em nome de uma pretensa autonomia da mulher, a indústria da cesariana vem se mostrando mais forte. Em uma relação hierárquica desigual, como é a relação médico-paciente, não se pode falar em autonomia”, resume a pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky.

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Neste domingo vai acontecer simultaneamente em várias cidades brasileiras a 'Marcha contra PL da prematuridade". Em BH, ato será realizado da Parque Municipal às 14h (foto: Reprodução Facebook)


A Associação Artemis, organização não governamental que atua na defesa dos direitos da mulher, formulou denúncia na CSSF, para onde o projeto de lei foi encaminhado, e mobiliza a ‘Marcha Contra PL da Prematuridade’, simultaneamente, em várias cidades brasileiras para este domingo, 10 de julho. Em Belo Horizonte, o ato está marcado para 14h, no Parque Municipal, e é organizado pelos grupos Gestar, Ishtar BH, Parto do Princípio e Ong Bem Nascer. “Só se pode dizer que uma mulher tem autonomia sobre o próprio corpo se ela souber 100% o que acontece no corpo dela a partir da cesariana. A autonomia não pode estar desacompanhada de informação de qualidade”, defende a diretora de relações legislativas da Associação Artemis, Valéria Sousa.

O decreto 20.931, de 1932, que disciplina o exercício da medicina no Brasil diz que é vedado ao profissional médico interromper a gestação sem motivo terapêutico. Se houver necessidade clínica, essa interrupção deve ser justificada por junta médica. “Ou seja, precisa de segunda opinião e precisa de motivo clínico. Assim, o PL que autoriza cesariana com 37 semanas contraria a legislação”, explica a advogada. Hoje, se um médico realiza uma cesariana sem justificativa clínica antes das 39 semanas ele está infringindo a lei de 1932, o Código de Ética Médica e a resolução do CFM.

A doula, coordenadora do Ishtar BH e ativista pelo parto normal, Polly do Amaral, afirma que “dizer que a mulher tem direito a optar por uma cesariana porque deve ter autonomia é uma fraude porque, na verdade, ela assina um monte de documentos que nem lê. O profissional deveria ser obrigado durante todo o pré-natal a informar sobre os riscos da cesariana e benefícios do parto normal baseados em estudos científicos, mas eles estão contaminados pela lógica de uma assistência obstétrica que só vai replicando processos sem questionar o que é benéfico para a mulher e para a criança. E as mulheres que querem ter direito a um parto normal bem assistido com as melhores práticas evidenciadas pela ciência?”, questiona.

Riscos para o bebê

Segundo o Ministério da Saúde, a cesariana aumenta em até 120 vezes a probabilidade de o bebê nascer prematuro e ter a síndrome de angústia respiratória. “Quando se pensa em infância, as principais condições de risco são a prematuridade e o baixo peso ao nascer - que geralmente andam juntos. Um bebê prematuro tem 20 vezes mais chances de morrer do que um bebê nascido a termo. É um risco enorme tirar, do útero da mãe, um bebê que não está pronto. Os riscos de mortalidade e morbidade são constatações científicas apontadas décadas atrás. Por isso, temos o dever de proteger ao máximo o bebê intraútero para garantir que ele amadureça tudo o que é necessário e desenvolva plenamente todos os seus sistemas: pulmonar, nervoso, intestinal”, enumera Sônia Lansky.

A pediatra reforça que a marca de 37 semanas é meramente administrativa e não é indicação de que um bebê está pronto para vir ao mundo. “Nenhum método existente é capaz de medir com precisão a idade gestacional do bebê. Somente o trabalho de parto é capaz de garantir que o bebê está maduro para vir ao mundo. Quando o conselho norte-americano publicou a resolução das 39 semanas para cesariana eletiva foi com o objetivo de mostrar que, antes disso, o risco de prematuridade é grande”, alerta a médica. Nos EUA, a resolução do Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia conseguiu reduzir taxa de prematuridade e de cesariana.

Sônia Lansky lembra ainda que 2/3 dos bebês vão entrar em trabalho de parto até 39 semanas, mas os outros 1/3, não. Esses podem ir até 41 semanas e seis dias. Ou seja, mesmo a marca de 39 semanas não garante a maturidade completa do feto. “O que as evidências científicas mostram é que, depois de 39 semanas, não tem diferença de risco de mortalidade, mas de morbidade, sim. Ou seja, na vida adulta essas crianças são mais propensas à obesidade, hipertensão e alergia. Além disso, estudos mostram que, durante o trabalho de parto, o bebê se beneficia dos hormônios da mãe para finalizar seu desenvolvimento”, explica.

Segundo a especialista, o Brasil, principalmente na rede privada, vive um desvio na curva do peso ao nascer. “Não conseguimos mais atingir a marca de 3 quilos (média de normalidade de bebê nascido a termo) em razão de cesariana eletiva e sem justificativa”, cita Sônia Lansky.

Um bebê prematuro ou um bebê imaturo, ainda de acordo com ela, que vai para a UTI neonatal tem risco maior de icterícia, distúrbio de deglutição que dificulta o aleitamento materno, dificuldades de linguagem. “Internado, ele fica longe do colo da mãe, essa separação dificulta o estabelecimento de vínculo, impede o contato pele a pele e interfere na imunidade”, pontua.

Janine Moraes / CB / D.A Press
A cesariana sem indicação aumenta em três vezes o risco de mortalidade materna em relação ao parto normal (foto: Janine Moraes / CB / D.A Press)

Riscos para mãe
A cesariana sem indicação aumenta em três vezes o risco de mortalidade materna em relação ao parto normal. O Brasil não conseguiu atingir a meta número cinco dos Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e previstos para 2015, que incluía a redução dessa taxa. Além disso, segundo a coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, existe o risco reprodutivo. “A cicatriz no útero em razão do corte da cesariana pode tanto ocasionar uma implantação anômala da placenta como aumenta o risco de morte intraútero do bebê em gestações futuras”, salienta Sônia Lansky.

Além de garantir, para o bebê, o marco de 39 semanas para cesariana eletiva, o Brasil precisa oferecer uma boa assistência ao parto normal, reduzir as taxas de cesariana e mudar a cultura de que essa cirurgia é um procedimento simples, controlado e sem risco. Valéria Sousa explica que a carta-denúncia elaborada pela Artemis e encaminhada à Comissão de Seguridade Social e Família tem o propósito de mostrar que o projeto de lei é uma violação de direitos humanos por ser um risco para a mulher e o bebê e também é uma forma de promover uma discussão mais madura sobre a forma como se nasce no país.

Na internet, uma petição pública está coletando assinaturas contra o projeto proposto pelo deputado Victorio Galli (clique aqui se quiser apoiar).