HPV: Campanha para vacinar meninas de 9 a 13 anos vai até sexta-feira em todo o país

Há mais de uma centena de vírus papiloma humano, mas são alguns subtipos que causam câncer do colo do útero

por Gustavo Perucci 09/04/2016 08:16
Monique Renne / CB / D.A Press
O vírus do papiloma humano é responsável por 70% dos casos de câncer do colo do útero (foto: Monique Renne / CB / D.A Press)
Responsável por 70% dos casos de câncer do colo do útero – quarta causa de morte por câncer entre mulheres no Brasil –, o vírus do papiloma humano (HPV) é alvo há três anos de campanhas nacionais de vacinação. Em 2016, a grande novidade é a diminuição de três para duas doses do anti-HPV para meninas de 9 a 13 anos. São mais de 36 mil salas por todo o país para aplicar a vacina. A campanha nacional de mobilização, coordenada pelo Ministério da Saúde (MS), segue até dia 15 deste mês, mas as vacinas continuarão disponíveis nos postos de saúde do país durante todo o ano. A meta desta campanha é imunizar pelo menos 80% das meninas de 9 anos de idade, formado por um total de 1,7 milhão de garotas.

A imunização é feita em duas doses injetáveis – a primeira, de preferência, nos meses de março ou abril e a segunda seis meses após a primeira. Depois de pesquisas, o MS resolveu diminuir a quantidade de doses. É importante ressaltar que a pessoa só estará protegida contra o HPV após a segunda dose. Meninas e mulheres, na faixa etária dos 9 aos 26 anos, vivendo com HIV ou Aids, também devem ser vacinadas. Nesse caso, o esquema vacinal consiste em três doses – a segunda é administrada dois meses depois e a terceira, após seis meses. Dados do ministério apontam que cerca de 59 mil mulheres de 15 a 26 anos vivem com HIV ou Aids no país atualmente.

O MS informou que foram gastos R$ 1,1 bilhão para a compra de 32 milhões de doses contra o HPV nos últimos três anos. A vacina usada pelo governo brasileiro é a quadrivalente e confere proteção contra os subtipos 6, 11, 16 e 18, principais responsáveis por casos de câncer do colo do útero e verrugas anais e genitais. Os dois tipos mais comuns de tumores malignos uterinos são os carcinomas epidermoides (80%) e os adenocarcinomas (20%).

Existem mais de uma centena de subtipos diferentes de HPV, mas somente alguns são associados ao câncer do colo uterino. Os classificados como de alto risco são os subtipos 16, 18, 45 e 56. De risco intermediário são os subtipos 31, 33, 35, 51 e 52. Já os de baixo risco são os subtipos 6, 11, 41, 42 e 44. “A vacina é segura e recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A dose já é utilizada em mais de 100 países”, afirma a coordenadora-geral do Programa Nacional de Imunização, Carla Domingues. Ela lembra que o vírus é atualmente muito disseminado e transmitido pelo contato direto com a pele ou mucosas infectadas. A estimativa, segundo ela, é que o país registre, este ano, 16 mil novos casos de câncer do colo do útero e cerca de 5,4 mil mortes provocadas pela doença.

Responsável técnica do setor de vacinas do Grupo Hermes Pardini, Marilene Lucinda atesta a eficácia da vacina quadrivalente. “Contra os subtipos de HPV que ela combate, ela tem proteção em torno de 100%. É uma das vacinas mais eficazes que conhecemos. São mais de 100 subtipos de HPV, e deles, 40 são transmitidos por relação sexual. Ela protege contra quatro ou dois subtipos, que são mais frequentes, responsáveis por mais de 80% dos casos do câncer do colo do útero”, esclarece.

ASSINTOMÁTICOS
Prêmio Nobel de Medicina em 2008, o virologista alemão Harald zur Hausen é o responsável pela descoberta, na década de 1980, de que o HPV é o agente etiológico do câncer do colo do útero. Ele é um dos principais defensores de que a vacinação seja estendida também para os homens, mais especificamente meninos que ainda não têm vida sexual ativa. A vacinação do sexo masculino, segundo Hausen, é importante, pois eles transmitem os vírus às parceiras. No caso dos cânceres anais, mais frequentes nos homens, assim como os orofaríngeos, quase metade dos casos são associados ao HPV.

Ao menos uma vez na vida, indivíduos sexualmente ativos terão contato com o vírus do papiloma humano, segundo diversas pesquisas realizadas pelo mundo. Como no Brasil a vacinação é focada nas mulheres, surge a questão da razão pela opção, já que, como é um vírus transmitido sexualmente, por que não incluir os homens?

Adotada na Austrália e Canadá, fica cada vez mais evidente que a imunização é eficaz para proteger jovens do sexo masculino do desenvolvimento de verrugas genitais e cânceres peniano, anal e de garganta. “Não só o governo brasileiro, mas alguns outros países também optam por vacinar somente as meninas. É importante a vacinação masculina porque eles são, além de transmissores, portadores assintomáticos. Eles portam o vírus, o transmitem, mas não apresentam a doença na maior parte dos casos. Se fizermos um bloqueio em ambos os sexos, atingiremos o objetivo mais rápido”, aponta Lucinda.

só meninas A médica, porém, não considera que a campanha voltada para garotas, adotada pelo MS, seja equivocada. O grande problema, segundo Lucinda, é a falta de adesão à vacinação. No primeiro ano, o governo atingiu a meta de imunizar mais de 80% do público-alvo. Nos anos seguintes, porém, a participação da população caiu muito, chegando, em alguns estados, a somente 30%. “Por que o governo opta só pelas meninas? Porque se ele vacinar o objetivo da campanha, que é de 80% das garotas na faixa etária dos 9 aos 13 anos, ele também atinge um nível de proteção para a circulação do vírus em ambos os sexos. O problema é que o governo não atinge a meta. Então, se não se vacinar os meninos quando se tem uma proteção baixa assim, não se atinge o objetivo, que é parar a circulação do vírus”, completa.

Marilene Lucinda orienta a meninas para que tomem as duas doses recomendadas, para garantir a eficiência da imunização da quadrivalente. Uma das principais causas da baixa adesão à campanha são a veiculação de notícias que relatam reações adversas à vacina. “Muitas meninas não tomaram a segunda dose por conta de campanhas negativas contra a vacina nas redes sociais. Muitas notícias sem fundamento científico, falsas, mas que circulam livremente. E isso, infelizmente, atrapalhou muito a campanha no ano passado e continua atrapalhando”, afirma.

Os homens que quiserem se imunizar devem procurar a rede privada, pois o governo não fornece a anti-HPV para o sexo masculino. O recomendado é que sejam aplicadas três doses neles.


Cláudio Antônio Bonjardim

Professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Qual a razão de o foco da campanha de vacinação do governo ser somente as meninas?

É uma questão de suscetibilidade. O sexo feminino é muito mais suscetível a infecção por HPV que leve a estados cancerígenos pré-malignos e malignos que o homem. Isso não significa que o homem não possa também desenvolver, quando infectado, alguns tipos de câncer. A ideia é proteger o maior número possível de adolescentes mulheres.

Na Austrália, a vacinação contra o HPV em ambos os sexos apresentou resultado muito efetivo. É mais efetiva a vacinação para homens e mulheres ou não?
É uma questão de estratégia política do governo e qual a extensão de cobertura que ele pretende. Quando você faz uma análise populacional, verifica se há maior incidência em mulheres do que nos homens e se há uma diferença regional. Não saberia dizer a situação pesquisada na Austrália. Aqui, nossa incidência é comprovadamente maior no sexo feminino. Então, é uma questão do que o governo prioriza. Até aqui, a estratégia é de que, como o maior risco é feminino, proteja-se mais as mulheres. A Austrália talvez tenha mais recursos. Mas o ideal, realmente, é que se fizesse isso também para homens. Mas acho que não tem o caráter preventivo como tem para as mulheres.

O objetivo do governo é combater o câncer do colo do útero. Mas o HPV pode também causar problema nos homens, não é?

Sim. Pode, inclusive, levar ao câncer anogenital masculino. Quando isso ocorre no homem, normalmente, é uma questão mais tardia, não é frequente em crianças e adolescentes e passa por outros fatores de risco ou falta de assistência médica. Já vi casos, quando trabalhava em São Paulo, de homens que chegavam ao hospital com o ânus completamente obstruído. Mas isso porque demorou a procurar um médico. Não é que não exista, pode sim existir. Mas é muito menos frequente e ocorre em situações de ausência de assistência clínica. Acho que não há necessidade de criar a situação de dizer que pode levar a câncer anal ou mesmo peniano, porque é uma situação que ocorre somente com extremo descuido. Mesmo em casos precoces, eles são tratáveis. Então, se comparado o risco entre a infecção intrauterina feminina e a de glande masculina, eu privilegiaria a campanha de vacinação para as mulheres. É uma questão de prioridade.