Tratar ou não a doença? Depressão na gestação e pós-parto deixa mães em um dilema

Tratando ou não a doença, elas podem colocar o bebê em perigo. Estudo recente mostra que filhos de mulheres depressivas são mais suscetíveis a problemas alimentares

por Isabela de Oliveira 07/03/2016 15:00
Soraia Piva / EM / D.A Press
Estima-se que 10% das grávidas e 13% das mulheres que acabam de dar à luz experimentem um transtorno mental, especialmente a depressão (foto: Soraia Piva / EM / D.A Press)
Notícias de novas gestações são geralmente recebidas com animação por familiares e amigos que imaginam a futura mãe em momentos sublimes no decorrer de nove meses. Ela, de fato, viverá uma emoção surpreendente. Não é regra, contudo, que seja de todo positiva: estima-se que 10% das grávidas e 13% das mulheres que acabam de dar à luz experimentem um transtorno mental, especialmente a depressão. Nos países em desenvolvimento, a taxa é ainda maior, ultrapassando 15% na gravidez e 19% após o parto. A mulher que faz parte da estatística sofre com a difícil decisão: não tratar a doença e colocar o feto em risco ou optar por remédios que podem provocar efeitos colaterais ao bebê.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é uma importante causa de morte entre grávidas e puérperas, que também podem sofrer episódios de psicose. Quando a doença negligenciada não atinge o extremo, ameaça a saúde mental do feto, que pode nascer irritadiço, com menor atividade motora e menos respostas faciais a expressões de alegria ou tristeza. As complicações seguem. Um estudo publicado, na segunda-feira, no periódico Archives of Disease in Childhood por cientistas do Erasmus University Medical Center, na Holanda, mostra que crianças pré-escolares com pais deprimidos ou ansiosos tendem a se alimentar mal, restringindo muito o cardápio.

Os pesquisadores descobriram que as mães dos “pequenos exigentes” sofreram crises de ansiedade e depressão durante a gestação. “Os médicos devem estar cientes de que não só a ansiedade severa e a depressão, mas também as formas mais leves de internalizar problemas podem afetar o comportamento alimentar da criança”, disse a principal autora, Lisanne de Barse.

Segundo Carlos Guilherme Figueiredo, diretor da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), as sequelas podem começar durante a gravidez.“Existem evidências robustas de que a depressão materna não tratada causa impacto e comprometimento significativos no desenvolvimento fetal e no comportamento do recém-nascido, além de maior incidência de aborto, prematuridade e baixo peso ao nascer”, lista o psiquiatra. Essas relações foram corroboradas por um estudo publicado em 2014 no British Journal of Psychiatry por pesquisadores da mesma universidade.

Os cientistas descobriram que sintomas depressivos em gestantes estão associados ao mau crescimento dos fetos. Bebês de mulheres que trataram a doença com medicamentos considerados seguros também foram prejudicados. “Nossos resultados sugerem uma associação entre a exposição pré-natal de inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) e traços autistas em crianças. Sintomas depressivos pré-natais sem uso de ISRSs também foram associados com traços autistas, embora a relação tenha sido mais fraca e menos específica. Testes de segurança de medicamentos a longo prazo são necessários antes que recomendações baseadas em evidências sejam possíveis”, disseram os autores.

Terapia comportamental

Helena Moura, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (Abp), confirma a potencial relação dos ISRSs com prejuízos ao feto. “Contudo, alguns achados ainda são controversos e, às vezes, é difícil distinguir se o problema foi provocado pela medicação em si ou pela própria depressão materna. Não há evidências de risco dessa classe de drogas no período pós-parto”, diz a psiquiatra. A alternativa a medicamentos pode ser a terapia cognitivo-comportamental, apontada por estudos como uma arma eficiente para tratar a depressão. Se os sintomas forem graves, contudo, o médico pesa o risco.

Nesses casos, além dos ISRSs, há poucas medicações disponíveis. Uma delas é o lítio, que, apesar do sinal verde, deve ser evitado durante o primeiro trimestre da gestação por mulheres com depressão leve ou moderada devido às chances de má-formação cardíaca. “De um modo geral, como o período de maior risco de teratogenicidade (má-formação) ocorre no primeiro trimestre, recomenda-se esperar até o quarto mês para iniciar a medicação. Deve-se dar preferência às drogas mais antigas, pois já foram mais estudadas. Os pacientes tendem a achar que as mais modernas são melhores, mas não necessariamente em todos os casos”, completa a médica.

Chance de recaída

No fim de janeiro, os EUA lançaram uma campanha voltada para depressão em adultos. O país argumentou que há redução de 28% a 59% do risco da doença em gestantes submetidas a triagem e atividades de aconselhamento. Segundo o psiquiatra Joel Rennó Júnior, diretor do Programa de Atenção à Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a gestação é fator de risco para a recaída de condições psiquiátricas e início de novos transtornos. Em entrevista ao site da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), ele explicou que isso se deve à recomendação de descontinuar os medicamentos, a que se atribui em 75% das recidivas.

Faltam ações específicas no Brasil
Se países desenvolvidos, como a Holanda, encontram dificuldades em identificar e tratar suas grávidas, no Brasil, a situação tende a ser pior porque não há planos de ação específicos para a saúde mental da gestante. Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), considera a situação preocupante, pois a gravidez, por si só, é um fator de risco aumentado para transtornos mentais.

“É uma fase de alterações bioquímicas, fisiológicas e hormonais que, além de tudo, vem acompanhada de grande pressão social a respeito da maternidade. Uma das críticas é que não existem espaços em hospitais gerais ou unidades preparadas para receber mulheres com quadros psiquiátricos graves e seus bebês. Os índices são altos e explicam casos de infanticídio, abandono de crianças e mães com quadros depressivos gravíssimos. Elas deveriam permanecer com os filhos enquanto tratadas. Mas onde? No Brasil, não existe nada disso”, diz.

O psiquiatra Carlos Guilherme Figueiredo, diretor da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), completa que esse tipo de triagem para transtornos mentais não faz parte do pré-natal e do acompanhamento da mulher no período posterior ao parto. Muitos sintomas de depressão e de outras doenças são desconsiderados, e o preconceito impede o encaminhamento ao psiquiatria, dificultando o tratamento adequado.

Segundo ele, cerca de 85% das mulheres apresentam, nos primeiros dias do pós-parto, um quadro chamado disforia ou blues puerperal, que cursa com sintomas de choro fácil, labilidade emocional, irritabilidade e comportamento hostil sem, contudo, causar prejuízo funcional.

João Serafim da Cruz Neto, obstetra e coordenador do ambulatório de obstetrícia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, explica que os quadros depressivos são mais comuns logo após o nascimento do filho. “Durante nove meses, há aumento de hormônios como progesterona e estrogênio. Imediatamente após o parto, esses níveis caem de forma abrupta. Isso gera um impacto emocional muito grande e deve ser observado com atenção pelo obstetra”, detalha.

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Patrícia Medeiros de Souza, professora de farmacologia clínica e hospitalar da Faculdade de Saúde da Universidade de Brasília (UnB)

Existem evidências de estudo que corroborem a segurança de medicamentos psiquiátricos para grávidas?
Não, pois eticamente é errado fazer esse tipo de estudo. Gestantes, crianças e idosos são populações especiais. Por isso, não se faz testes clínicos com esses grupos. O que sabemos vem do acompanhamento dos filhos dessas gestantes por longos períodos. Por exemplo, o remédio para a epilepsia, que age no sistema nervoso, é muito importante para a mãe, pois, se ela não tomar, o bebê morre. Hoje, sabemos que, por volta dos 14 anos, os filhos dessas gestantes podem ter deficit de aprendizagem. O médico, em todos os casos, avalia o risco e o benefício. Mas pode aconselhar a mãe a terapias alternativas, como ioga e massagem, tudo para que os casos leves evitem medicação.

Como os medicamentos agem no bebê?
São remédios que atuam no cérebro da mãe e, para isso, atravessam uma barreira protetora do órgão. Facilmente, atravessam a placenta também. Porém, como a criança não tem doença nenhuma, ela acaba sofrendo apenas o efeito ruim do medicamento. Informações são importantes para ajudar as mães a decidirem com seus médicos se devem ou não tomar as drogas. No site www.farmacologiaclinica.unb.org, elas podem buscar livros com linguagem fácil e interativa para aprender sobre todos os remédios durante a gestação. Os destaques vão para Uso racional de medicamentos na infância: doenças na infância 1 e Bulas de medicamentos prescritos na gravidez e na amamentação. Os médicos também podem usá-los para ajudar as pacientes a entenderem as prescrições, inclusive as analfabetas. São muito didáticos e sinalizam o perigo a partir de cores.