Brasil une forças para combater o Aedes

Ministério da Saúde confirma a existência de mais 3.448 casos suspeitos e 270 confirmados de microcefalia em 24 estados. Forças Armadas colocam 60% de seus homens na guerra sanitária

por Carolina Cotta 28/01/2016 07:15
Paulo Filgueiras/EM/D.A Press - 25/01/2016
Colaboração das Forças Armadas já funciona em alguns estados, como Minas Gerais. Em Raposos, homens participaram do combate ao mosquito (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press - 25/01/2016)
O Ministério da Saúde confirmou nesta quarta-feira (27/01) o nascimento de 270 crianças com microcefalia. Em seis delas, foi detectada, por meio de exame laboratorial, a contaminação pelo zika vírus. Ainda estão em investigação 3.448 casos suspeitos da doença, que pode ter como causa outros agentes infecciosos. Os números são referentes a registros de outubro de 2015 a 20 de janeiro deste ano e já atingem 24 estados. Em razão do avanço da doença, as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) vão entrar em campo para tentar combater o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, chikungunya e também do zika. Cerca de 60% do efetivo vai ser deslocado para as grandes cidades e também nas 115 cidades onde há maior índice de contaminação por essas doenças.

Jhonatan Vieira/Esp CB/A.A Press
"Eu me surpreendo com o que estou vendo. Há casos muito graves. Não é só a cabeça menor, tem também os comprometimentos da visão e articulações" - Adriana Melo, médica que confirmou pela primeira vez a relação entre o zika vírus e a microcefalia (foto: Jhonatan Vieira/Esp CB/A.A Press)


Ontem, a incidência do zika vírus foi discutida na sede da Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), em Brasília, por representantes de diversos países. E uma das convidadas foi a médica Adriana Melo, 45 anos, que confirmou pela primeira vez a relação da microcefalia com o vírus zika. Adriana – especializada em ultrassonografia e em medicina fetal, mestre em Saúde Coletiva e doutora em Tocoginecologia – em outubro do ano passado, confirmou a existência de material genético do zika vírus no líquido aminiótico de duas gestantes do interior da Paraíba. Com esse argumento, e com a constatação de fragmentos do vírus no tecido de um bebê com microcefalia que morreu minutos após nascer no Ceará, foi possível relacionar o vírus à malformação congênita.

Como especialista em medicina fetal, Adriana passa os dias fazendo ultrassons. Foi assim que se deparou com o primeiro caso de microcefalia desse surto. Em setembro, outra especialista em medicina fetal levou a ela o resultado de um ultrassom com um padrão de malformação cerebral que nunca tinha visto. O exame tinha sido feito em um aparelho de ultrassonografia comum e Adriana quis repetir em um equipamento mais sofisticado.

NOVO
Em outubro, uma paciente particular chegou à clínica para o exame morfológico, na 20ª semana. “Eu mesma tinha feito o ultrassom anterior e estava tudo normal. Mas o novo exame tinha discretas malformações no cérebro. Pedi que ela voltasse em duas semanas. Quando ela retornou vi a microcefalia e as calcificações aumentadas, que sugeriam causa infecciosa. Disse à paciente que nunca tinha visto nada igual e que precisaríamos investigar. Estava de frente para algo totalmente novo”, recorda.

Era manhã de um sexta-feira quando Adriana pediu uma ressonância do cérebro fetal em busca de respostas. Durante a tarde, naquele mesmo dia, recebeu uma mensagem de Pernambuco. “Era uma médica contando dos 60 casos de microcefalia em Pernambuco, com o mesmo padrão dos dois que tinham passado por mim. Em comum, todas as pacientes tinham relatado manchas vermelhas pelo corpo. Liguei imediatamente para a minha paciente que confirmou ter tido o mesmo sintoma na 8ª semana de gravidez”, conta. Adriana tentou encontrar outras que relatassem o mesmo problema e chegou a mais quatro.

Em contato com a Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba, experimentou a descrença. “Já estava estressada. Ninguém aceitava o que eu estava falando”. Adriana entrou em contato com várias entidades de pesquisa, estudou o que podia e convenceu as duas pacientes a participarem daquilo. A coleta, em si, é algo simples, uma pulsão guiada por ultrassom. “Fiz tudo por conta própria. Levei as duas pra clínica particular, colhi as amostras, congelei e enviei para o laboratório da Fiocruz no Rio de Janeiro”, conta. Quando saiu o resultado, Pernambuco já tinha notificado mais de 200 casos de microcefalia.

Exército põe 220 mil nas ruas
Preocupado com o avanço da dengue e do zika vírus, o governo vai ampliar a quantidade de militares das Forças Armadas para atuar no combate ao mosquito Aedes aegypti. A ideia é que 220 mil homens atuem nessa frente, o que corresponde a cerca de 60% de todo o efetivo do Exército, Marinha e Aeronáutica.

Segundo o ministro da Defesa, Aldo Rebelo, 50 mil homens atuarão diretamente visitando residências para eliminar focos de proliferação do mosquito e orientar moradores. Essa ação ocorrerá entre os dias 15 e 18 do próximo mês e será articulada em conjunto com o Ministério da Saúde e com os governos estaduais e municipais. Atualmente, o número de militares que estão nas ruas é 2 mil.

A tropa completa, de 220 mil homens, vai ser mobilizada para atuar numa campanha de caráter educativo, com a entrega de panfletos com orientações à população. A mobilização está prevista para ocorrer no dia 13 de fevereiro e a ideia é visitar 3 milhões de casas em 356 municípios – 115 deles considerados endêmicos.

O Ministério da Defesa também vai disponibilizar homens e mulheres para participar da campanha que o Ministério da Educação vai realizar em escolas, para a conscientização de crianças e adolescentes. Paralelamente, os militares também vão fazer uma varredura em quartéis para eliminar eventuais focos do mosquito.

Questionado por que somente agora as Forças Armadas vão começar a atuar efetivamente no combate ao Aedes aegypti, Aldo evitou criticar o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro, e afirmou que já há militares ajudando no combate da epidemia em cidades onde a situação está mais crítica “Nós atuamos quando somos convocados. Esse esforço maior de participação é correspondente ao esforço que o governo vem fazendo para erradicar o mosquito”, disse.

(Foto: João Carlos Lacerda / Divulgação Fundação Altino Ventura)
Crianças com microcefalia terão direito a pensão vitalícia de um salário (foto: (Foto: João Carlos Lacerda / Divulgação Fundação Altino Ventura))


Minas
Representantes da Secretaria de Estado da Saúde, do Comando do Exército em Minas Gerais e do Ministério Público estadual participam ontem de uma reunião para definir estratégias de combate ao mosquito. A ideia é que os militares recebam treinamento para trabalhar em conjunto com agentes de endemias dos municípios e estado. O governo mineiro defende ainda a atuação de comitês locais para enfrentar o problema.

Para se ter uma ideia, dados da Secretaria de Saúde apontam que somente neste mês já foram registrados cerca de 20 mil casos de dengue em todo o estado. “Temos uma grande preocupação com a expansão da dengue, o que mostra uma presença importante do Aedes em Minas Gerais”, afirmou o secretário de Saúde, Fausto Santos. Já há a confirmação de dois casos de zika vírus: uma gestante, em Ubá, na Zona da Mata, e um bebê que tem características que se enquadram no protocolo de microcefalia, em Curvelo, na Região Central. Outros 16 casos estão sendo investigados.

Pensão para bebês e repelentes para mães
Bebês diagnosticados com microcefalia em todo o país vão ter direito a receber um salário mínimo por mês, uma espécie de aposentadoria, desde que pertençam a famílias com renda mensal de até R$ 220 por pessoa. A medida deve ser anunciada nos próximos dias pelo governo como forma de proteção às famílias pobres com crianças portadoras da malformação. O Ministério da Saúde já repassou a lista com os municípios onde foram registrados casos de microcefalia para que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) faça um cruzamento com o cadastro único do governo de benefícios sociais. Em nota, o MDS confirmou que está em diálogo com os técnicos do Ministério da Saúde.

O Benefício de Proteção Continuada (BPC), instituído pela Constituição de 1998 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), garante um salário mínimo mensal a idosos com mais de 65 anos e a pessoas com deficiência que não tenham meios para se sustentar nem podem ser sustentadas pela família, independentemente da idade. Atualmente, 4,2 milhões de pessoas são beneficiadas. O orçamento deste ano, sem incluir os casos de microcefalia, estima pagamentos de R$ 48,3 bilhões.

PROTEÇÃO
O governo iniciou ontem negociação para a compra de repelentes para fornecer a cerca de 400 mil grávidas que estão inscritas no programa Bolsa-Família para que elas possam se proteger do mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão do zika vírus. Em reunião no Palácio do Planalto com cerca de 30 empresas que fabricam o produto, os ministros Jaques Wagner, da Casa Civil, e Marcelo Castro, da Saúde, afirmaram que o governo já tem os recursos necessários para adquirir os repelentes e reforçaram o caráter de urgência da medida.

As empresas, por sua vez, ficaram de responder até sexta-feira a quantidade que cada uma pode fornecer imediatamente. Os ministros afirmaram durante a reunião que o governo está disposto a comprar produtos de diferentes marcas, desde que eles cumpram determinados requisitos. O Ministério da Saúde vai enviar um questionário técnico para cada uma delas para avaliar as especificidades dos repelentes, com perguntas como de quanto em quanto tempo é necessário reaplicar o produto.