Cientistas descobrem acidentalmente molécula que aumenta produção de células vermelhas do sangue

Nova técnica pode ser arma contra anemia

por Vilhena Soares 11/12/2015 15:00
Universidade de Virgínia / Divulgação
(foto: Universidade de Virgínia / Divulgação )
Um acidente de percurso científico pode resultar na cura de um problema que afeta cerca de 1,6 bilhão de pessoas no mundo, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tentando buscar uma maneira de combater inflamações no pulmão causadas pelo vírus da gripe influenza, pesquisadores dos Estados Unidos acabaram identificando uma molécula que serve como gatilho para o aumento da produção das células vermelhas do sangue, combatendo, assim, a anemia. Os especialistas acreditam que, futuramente, a substância poderá ser incorporada a medicamentos voltados para o tratamento da doença do sangue mais comum no planeta.

Durante um experimento com ratos, os cientistas misturaram o vírus da gripe com um anticorpo que bloqueia a ação da CD24 - substância produzida pelas células dendríticas, que estão ligadas a infecções e inflamações nos pulmões - e aplicaram a fórmula nos roedores. “Montamos uma experiência para entender como o sistema imunológico responde à influenza e determinar o efeito dessa molécula no desencadeamento da gripe”, contou ao Correio Thomas J. Braciale, autor do estudo, imunologista e professor da Universidade de Virgínia.

Como resultado, porém, observaram que, ao interferirem na produção da CD24, provocaram um inchaço no baço dos roedores, reação desencadeada pelo estresse eritropoiese, quando o corpo produz células vermelhas do sangue devido a lesões ou a outras formas de estresse. “O que descobrimos é que o processo de regular o estresse no corpo é mediado, pelo menos em partes, pelas células dendríticas” disse o autor. “O estresse pode ser uma variedade de tensões diferentes. Essas células agem para iniciar uma resposta ao estresse, não se sabia, no entanto, que elas também participavam dessa retomada de glóbulos vermelhos”, completou.

O pesquisador espera que o achado renda uma terapia potencial e estratégica da para a anemia — provocando um efeito “definitivo”. “Ou, mais provavelmente, (torne-se) uma forma de aumentar ou tornar mais eficientes os tratamentos atuais para essa enfermidade, que incluem o aumento da ingestão de ferro por pacientes anêmicos e, naqueles com doença renal crônica e diabetes, consiste em amplificar o efeito do hormônio eritropoietina”, destacou.

Braciele conta que a próxima etapa da pesquisa está focada na produção de novos reagentes (moléculas ou drogas) que reconhecem a versão humana do CD24. “Vamos determinar isso em mais estudos com animais experimentais e, em seguida, em última análise, no ser humano, para descobrir se existem efeitos colaterais prejudiciais quando estimulamos a CD24”, destaca.

Cristiano Gomes / CB / D.A Press
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Demanda antiga
Eduardo Ribeiro, coordenador do Serviço de Hematologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, acredita que o trabalho norte-americano explora uma área que vem sendo muito investigada na área científica. “Essa é uma demanda antiga: encontrar vias de estímulo à produção de sangue que sejam diferentes das conhecidas tradicionalmente, já que muitos pacientes não respondem aos métodos de usados atualmente contra a anemia”, observa.

Apesar dos resultados positivos obtidos pelos cientistas, Ribeiro destaca que os efeitos constatados nas cobaias podem não se repetir em humanos. “São necessários mais estudos, já que as células dendríticas estavam em maior quantidade nesses ratos, que foram manipulados para ter mais dessas estruturas. Os humanos possuem menos”, compara.

Segundo o especialista, outro ponto a se considerar é a necessidade de descobrir uma maneira de provocar a maior produção de glóbulos vermelhos sem desencadear efeitos colaterais. “Direcionar o estresse para que tenha ação apenas para o sangue, um tratamento com o perfil apenas hematológico”, explica. Ribeiro ressalta ainda que há outros estudos com objetivos bem parecidos em andamento. “Um deles busca uma via localizada na medula óssea chamada de Gata1 e outro destaca a existência de uma via ligada ao fígado. Acredito que, futuramente, teremos resultados positivos ligados a esses trabalhos.”



Foco na origem
“É importante enfatizar que a anemia não é uma doença, mas um sinal de que o paciente está acometido por alguma enfermidade. Assim, o que deve ser tratado é a causa desse problema.O estudo é interessante, principalmente se for entendido como paliativo, enquanto o tratamento primário está sendo instituído. Porém, não leva em consideração as dezenas de fatores que podem provocar a anemia. Portanto, não teria indicação, por exemplo, para tratamento de leucemia aguda ou de um acidente com hemorragia grave, que tem a necessidade emergencial de transfusão de sangue. Mais estudos devem ser realizados.”

Carla Boquimpani, diretora técnica do Hemorio (Rio de Janeiro)




Tratamentos distintos
O tratamento designado para pacientes que sofrem com a anemia é indicado de acordo com a causa da enfermidade. Caso a doença seja provocada por deficiência nutricional, os médicos recomendam a ingestão de alimentos ricos em ferro, como fígado, beterraba, espinafre, brócolis e acelga. Suplementos também são uma opção e incluem o sulfato ferroso, vitamina B12 e multivitamínicos.

A anemia também pode ocorrer quando uma pessoa se alimenta corretamente, mas tem dificuldades de absorver nutrientes. Com as mulheres, essa perda pode ocorrer devido a uma menstruação intensa. Nos casos de anemias congênitas ou hereditárias, nas quais um gene defeituoso provoca anormalidade nas células vermelhas do sangue, o tratamento pode incluir medicamentos e transfusões.