Quinze minutos de fama: sucesso alcançado nas redes sociais é objeto de admiração e também de inveja

Especialistas afirmam que ainda é cedo para analisar as consequências

por Zulmira Furbino 06/12/2015 08:30
Paulo Salles/Divulgação
Com a supervisão da mãe, Patrícia Santos, Carolina Monteiro, de 8 anos, tem 7 milhões de visualizações no YouTube, com vídeos sobre preconceito racial (foto: Paulo Salles/Divulgação)
Quando os historiadores do futuro olharem para trás para contar como era o mundo nas primeiras décadas do século 21, além de crises econômicas, conflitos internacionais, desastres ambientais, secas no Brasil e da radicalização dos jihadistas e seus ataques terroristas, eles certamente vão analisar o fenômeno da internet e das redes sociais, marca do mundo contemporâneo. A era que viu nascer a comunicação sem fronteiras é a mesma que lança pessoas à fama de uma maneira inteiramente nova e que devora os internautas numa velocidade surpreendente, fazendo o passado chegar mais depressa.

De um ponto de vista privilegiado pela distância no tempo, os profissionais de história poderão compreender e explicar melhor as consequências dessa forma de comunicação que muda a cada momento e tem como regra número um a exposição das opiniões e da vida pessoal. No presente, o mergulho das pessoas nas redes sociais e o sucesso alcançado por uma minoria é objeto de admiração, controvérsia e inveja, mas ainda é cedo para analisar as consequências da mudança no comportamento da sociedade.

O que se sabe até aqui é que, como tudo na vida, tornar-se uma celebridade na internet tem um lado bom e um ruim. Psicólogos e psiquiatras alertam para os riscos do excesso de exposição, do isolamento social e do afastamento das relações “reais”. Dizem também que a exposição na internet equivale a dependurar o vazio interior numa vitrine que pode ser vista por milhões de pessoas. Dessa forma, à medida que as pessoas que se tornam muito populares nas redes sociais, ficam vulneráveis à opinião dos outros, que, nesse caso, são uma horda de internautas prontos para apedrejar qualquer um.

Referindo-se aos vlogs, ferramenta que pode ser considerada a evolução dos blogs e cujo conteúdo consiste em vídeos, a psiquiatra e especialista em dependências químicas e comportamentais Analice Gigliotti sustenta que são “um grande Big Brother”. Segundo ela, as redes sociais são uma grande marca da “modernidade líquida” e a pessoa que é admirada na internet não é necessariamente “amada”. Além disso, ainda há a questão da exposição de crianças e adolescentes, que precisam ser acompanhados pelos pais nessa jornada.

UMA BOA CAUSA
Uma piadinha do próprio Facebook, “ser famoso na internet é como ser rico no Banco imobiliário”, lembra Joana Ziller, professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pode ser aplicada tanto para o enriquecimento material quanto para a sensação de ser “querido” por muita gente.

Mesmo assim, há quem aproveite a oportunidade para surfar no sucesso e se profissionalizar e aqueles que aproveitam a popularidade na rede para divulgar uma causa, a exemplo da luta antirracista. É o que mostra a menina Carolina Monteiro, de 8 anos. Da primeira vez que ouviu um comentário preconceituoso sobre o seu cabelo, a garotinha negra se calou. Dona de uma autoestima inabalável, porém, em seguida, passou a responder aos comentários de que seu cabelo era feio, com frases como “Meu cabelo não é duro, duro é aguentar pessoas ignorantes dizendo que meu cabelo é duro”.

Hoje, ela tem mais de 7 milhões de acessos no YouTube e continua postando vídeos contra o preconceito racial, com a supervisão da mãe, a cabeleireira Patrícia Santos. Tudo pela causa.

Arquivo pessoal
Luisa Marilac queria apenas mandar um recado para o ex e acabou viralizando na internet (foto: Arquivo pessoal )
'Se isto é  estar na pior...'
Muitos vídeos duram apenas alguns dias, mas outros são tão chamativos que acabam conquistando muitos fãs, como o de Marilac, que já foi visto por 7 milhões de pessoas

Quando fez o vídeo da piscina, em 2011, com o qual ficou famosa na internet, a travesti Luisa Marilac não tinha a menor intenção de se tornar popular na internet. O que ela queria mesmo era vingar-se de um ex-amor italiano, por quem suspira até hoje, que a abandonara na Espanha, depois de roubá-la. Segundo ela, os dois planejavam se casar na terra de Dom Quixote, mas, chegando lá, descobriram que o dinheiro não era suficiente para dar entrada nos papéis. Diante disso, alugaram uma casa e ela começou a trabalhar para ganhar dinheiro. Depois de juntar 22 mil euros, um dia chegou em casa e o noivo havia fugido com tudo. Luisa diz que foi socorrida por uma italiana e que a casa com piscina digna de inveja na qual gravou o vídeo, em pleno verão europeu, era alugada. A ideia era mandar um recado para o ex. Na tela, ela aparece na piscina tomando um drinque, depois dá um mergulho e manda ver: “E teve boatos de que eu ainda estava na pior. Se isto é estar na pior, porra, o que quer dizer estar bem, né?!”.

A gravação, que hoje tem mais de 7 milhões de visualizações, só não foi retirada do YouTube logo que foi feita porque Luisa perdeu sua senha no canal. Depois de ficar adormecido por um ano, o vídeo foi descoberto e um belo dia apareceu com 50 mil visualizações. Pouco depois de chegar ao acesso de número 100 mil, a travesti, que ainda morava na Espanha e trabalhava como faxineira numa casa de shows, recebeu o telefonema de um canal de TV. “A produtora me ligava e eu desligava na cara dela. Não sabia como aquilo funcionava e só aceitei dar entrevista depois que ela insistiu muito”, lembra. Foi aí que tudo começou. “Ganhei bastante grana, mas não soube administrar, confiei nas pessoas erradas. Fiz propaganda de cerveja, de chicletes, participei de dois filmes e rodei bastante o Brasil, me apresentando em muitas boates”, diz. A travesti espera um pagamento de US$ 1.800 do YouTube pela monetização do vídeo e comemora o fechamento de um novo contrato para um comercial de TV.

Luisa acredita que uma das coisas mais gratificantes dessa experiência foi ver seu bordão repetido por artistas, como a cantora Ivete Zangalo, a atriz Débora Secco, Michel Teló, Gretchen e Xuxa, entre outros famosos. “Às vezes, fico triste, porque tem artistas que me imitam, mas, quando os procuro no Facebook para agradecer e dizer que achei legal, eles me ignoram ou, pior, me bloqueiam. Se me imitam, podiam pelo menos mandar um beijo. Tem gente que gosta de mim. Outras pessoas gostam apenas daquela que eu fiz na piscina”, desabafa.

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Para o psicólogo Rodrigo Prates, a popularidade na rede cai na autoafirmação (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

MAIS MADURA
Depois de um tempo, Luisa passou a se recusar a participar de programas nos quais era obrigada a seguir um script. “Tenho caráter. O pessoal vê a figura da mulher trans como caricata, uma palhaça, e quer rir da cara dela. Só que não quero que riam de mim. E quero rir junto. Hoje, as travestis que aparecem na mídia estão ali para fazer a palhaça. Como sou mais crítica, fui um pouco banida”, revela. Depois que foi deixada de lado pela mídia, ela vive graças às pequenas aparições em comerciais e palestras que realiza pelo país.

Questionada sobre suas expectativas na internet no futuro, Luisa Marilac responde: “O futuro a Deus pertence. Vamos falar igual ao Zeca Pagodinho, 'deixe a vida me levar'. Espero coisas boas lá na frente. Espero nunca mais passar pelo que passei. Tive de ir embora do meu país porque fui obrigada. Só que agora sou uma mulher madura e vivida. Não vou embora de novo. Desta vez, não vou fugir. O Brasil vai ter de me engolir”.

Para o psicólogo Rodrigo Prates, o sucesso na internet pode cair na distorção da percepção da vida e na distorção de valores. Na visão dele, a popularidade na rede esbarra na autoafirmação. “Não basta você saber que pula na piscina de uma forma legal. Você precisa mostrar isso e espera a confirmação externa de que realmente você é legal ou engraçado. Como em qualquer meio de comunicação, o sucesso na internet é volátil. Tem ator que fez fama há 10 anos e hoje nem é lembrado. Com a celeridade da informação nas redes sociais, o sucesso fica ainda mais volátil.”

Assista ao vídeo:



Valquíria Petrin/Divulgação
As irmãs Nathany e Mariany gostam da fama, mas não sabem até quando vai durar (foto: Valquíria Petrin/Divulgação)


Tudo tem seu preço
Crianças e adolescentes ficam divididos entre as brincadeiras, as tarefas escolares e o compromisso de atender o público que já espera por seus posts

As irmãs Nathany, de 13 anos, e Mariany Petrin, de 12, moram em Varginha, no Sul de Minas, e são duas pré-adolescentes que adoram coisas de pré-adolescentes: mexer no celular, ficar na internet, encontrar com os amigos. A diferença é que as duas são sucesso retumbante na internet. Tudo começou em 2013, quando, com o apoio da mãe, as duas criaram um canal no YouTube para falar de beleza. Era apenas uma brincadeira, mas evoluiu de tal maneira, que a mãe das meninas, que era projetista de móveis, deixou a profissão e virou empresária das filhas. Hoje, o canal das irmãs de Varginha conta com 780 mil inscritos e 68 milhões de visualizações. Cerca de 20% das seguidoras são meninas de Portugal. “É muito gratificante, porque posso acompanhá-las o dia todo. O canal começou com beleza, mas depois o lado engraçado delas começou a se destacar e o pessoal começou a pedir mais vídeos de brincadeiras e humor”, diz a mãe, que descobriu que era possível ganhar com as visualizações monetizando os vídeos.

Todo esse sucesso tem um preço. São três vídeos por semana, que vão ao ar pontualmente ao meio-dia das segundas, quartas e sextas-feiras. A pontualidade fez o canal crescer ainda mais, transformando-se em comprometimento com o público. Diante disso, as meninas têm uma rotina apertada. Estudam, têm amigos e se divertem, mas também vivem buscando coisas novas para o canal, o que demanda tempo. “A gente gosta de mexer na internet e no celular. Nossos amigos sempre nos apoiam e comentam os vídeos. Isso tudo é muito gratificante, é a melhor sensação do mundo”, diz Nathany. Já Mariany revela que o canal toma bastante seu tempo. “São três vídeos por semana e tem que ter tempo para gravar, estudar e me divertir.” Rotineiramente reconhecidas nas ruas, as duas gostam da relação com os fãs. É muito legal receber o carinho das meninas e a gente nunca imaginou isso, algumas choram. É muito bom e muito bonitinho”, diz Mariany. No futuro, elas reconhecem que terão menos tempo para se dedicar ao canal, mas sustentam que não pretendem acabar com ele.

A mãe das meninas, Valquíria Petrin, de 30, apoia as filhas, mas diz que sabe que tudo isso é passageiro. “No futuro, elas podem ser famosas ou não. Podem se cansar do YouTube e, hoje, já estão pensando no que vão fazer na faculdade. Nathany tem vontade de ser cirurgiã plástica. Até então, elas pretendem ter uma profissão que possa conciliar com o canal”, diz.

O psicólogo Rodrigo Prates chama a atenção para a importância de acompanhar as crianças e adolescentes na internet, que deve ser encarada como um meio e não como um fim. Partindo do princípio de que os pais são sensatos, ele chama a atenção para o fato de que a internet tem uma memória infinita e que é preciso resistir ao chamado de, em nome do sucesso, fazer qualquer coisa, a qualquer custo. “Se a exposição for feita de forma distorcida e deturpada, a repercussão pode vir tanto no curto prazo quanto mais adiante, gerando constrangimentos e exposição desnecessária”, comenta. Já a psiquiatra Analice Gigliotti acredita que os riscos dessa exposição é que o sucesso é efêmero e seu conteúdo, em geral, não é verdadeiro. Por isso, quando cai por terra, a pessoa está mais solitária.

BORDÃO
Foi o que ocorreu com um vídeo viralizado em meados de novembro, mostrando a briga de duas amigas, até então cordatas e carinhosas, no município de Alto Jequitibá, na Zona da Mata mineira. O desentendimento, marcado por tapas, puxões de cabelo e pontapés, deu-se por causa de ciúmes, como mostrou o Estado de Minas em 17 de novembro. Jéssica e Lara se desentenderam porque a primeira sentiu ciúmes quando percebeu que a outra estava falando ao celular com seu namorado. “Foi um dia de fúria", conta uma funcionária da escola.“Foi só uma briga de adolescentes, que passou um pouco da conta. Inclusive, não entendemos porque algo tão banal ficou tão famoso. De qualquer forma, não é a regra por aqui”, garantiu a servidora, que convive com as duas quase que diariamente desde o início do ano letivo. As imagens chegaram a ocupar o primeiro lugar dos trending topics mundiais do Twitter. O sucesso foi puxado pela frase de Lara, que, depois de apanhar da amiga, se levanta, ajeita o cabelo e dispara: “Já acabou, Jéssica?”.

Paulo Salles/Divulgação
Carolina Monteiro tem respostas na ponta da língua para as críticas que recebe (foto: Paulo Salles/Divulgação)
Quando Carolina Monteiro, de 8, ingressou no ensino fundamental, passou a sofrer ataques racistas. Ao chegar em casa, ela contava o ocorrido à sua mãe, a cabeleireira Patrícia Santos, de 37, que sempre se surpreendia com a espontaneidade das respostas da filha. Até que ela gravou um vídeo para mostrar às amigas, que insistiram para que ele fosse postado no YouTube. Seis meses depois, postaram um novo vídeo. Daí pra frente, outros foram feitos, sempre a pedido de mães e crianças que passavam pelo mesmo problema. Hoje, Carolina é reconhecida por onde passa. Por outro lado, passou a receber mais ataques racistas. “É uma faca de dois gumes. Ela recebe muitas mensagens, mas, no dia a dia escolar aumentaram os insultos. Isso não ocorria nos primeiros vídeos. Depois, as ofensas apareceram também no YouTube. Às vezes, sou obrigada a excluir alguns comentários, que são muito pesadas para o canal de uma criança”, diz Patrícia.

“Algumas meninas e meninos da minha sala diziam que meu cabelo era duro e feio, que era Bombril. Da primeira vez, fiquei chateada, mas não respondi. Depois, falei que gosto do meu cabelo do jeito que ele é e que ele é bonito assim. Até hoje, todas as pessoas que respondi ficaram caladas. Depois que fiquei popular no YouTube achei muito legal. Quando falam mal do meu cabelo, fico muito brava e dou uma resposta”, conta Carolina.



Arquivo Pessoal
Jefferson e Suellen da Silva Barbosa ficaram populares, 'para nossa alegria' (foto: Arquivo Pessoal)
Momento de aproveitar a onda
A professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Joana Ziller explica que, se existem 15 minutos de fama, talvez as celebridades da internet vivam a experiência de um minuto e meio de fama. “Do mesmo modo com que algumas personalidades da internet fazem sucesso de maior duração, há centenas de outros casos em que isso não ocorre. Alguns fenômenos não têm como durar, porque são registros acidentais que viralizam”, comenta. Nesse caso, é preciso aproveitar a onda.

Enquanto sua popularidade na internet não acaba, os irmãos evangélicos Suellen, de 21, e Jefferson da Silva Barbosa, de 22, que moram em São Paulo, tentam aproveitar a temporada de fama, que eles atribuem ao “toque de um anjo do Senhor”. Os dois aparecem num vídeo postado no YouTube cantando, de modo desafinado, um hino da igreja. Na primeira vez que olharam, eram 68 visualizações, na segunda 880 e, no terceiro dia, 8.880. Em três segundos, pularam para 10 mil, horas depois, eram 22 mil. No quarto dia, na hora do almoço, o número chegava a 5 milhões. Foi quando apareceram as TVs para entrevistá-los. Por causa do vídeo, os dois lançaram um CD e “realizaram alguns sonhos”. Hoje, fazem apresentações em igrejas e praças, dão palestras, participam de inauguração de lojas e, em breve, deverão participar de um comercial de TV.



Fernando Gardinali/Divulgação
Marco Túlio Vieira garantiu sua independência com canal no YouTube, em que comenta o game Minecraft (foto: Fernando Gardinali/Divulgação)

JOGO
Desfrutando de um sucesso mais consolidado, o jovem Marco Túlio Matos Vieira, de 19, acaba de mudar-se para São Paulo com recursos próprios. A independência foi garantida por um canal que ele criou no YouTube, em 2011. Na plataforma, ele joga e comenta Minecraft, um game em primeira pessoa, que dá ao jogador a chance de explorar um mundo feito por blocos de terra, pedra areia e outros elementos encontrados na natureza, e criar a sua própria aventura. “Jogo comentando de uma maneira divertida”, diz Marco Túlio, que se define como youtuber e produtor de conteúdo. Atualmente, em seu canal, ele posta três vídeos diariamente. Hoje são quase 1,2 bilhão de visualizações e 200 mil inscritos. Seu faturamento vem dos anúncios que acompanham os vídeos do YouTube.

“Profissionalizei o canal e amadureci bastante. Chegando aqui, as oportunidades se abriram. Depois que me formei e passei a dar atenção total ao canal, conquistei minha independência financeira. No início, meus pais se assustaram com a mudança, porque achavam que eu era muito novo e ainda não era o momento”, observa. Como tudo na vida, porém, ele assegura que tem consciência de que uma hora tudo isso pode acabar. “Nesse momento, espero estar fazendo outras coisas, não só ligadas ao canal, e espero que meus fãs me acompanhem”, arremata. (ZSF)