Repórter relata experiência com sexo tântrico

Prática promete expandir a consciência por meio da intimidade sexual

por Revista do CB 11/09/2015 10:00

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Reprodução Internet
Método enfatiza a busca por evolução espiritual através da troca de energias e do orgasmo (foto: Reprodução Internet)
Esqueça tudo o que você sabe sobre sexo: no tantra, a palavra de ordem (ao menos para nós, ocidentais) é desconstrução. Mais que a supervalorizada “pegada”, o método enfatiza a busca por evolução espiritual através da troca de energias e do orgasmo. Parece coisa de hippie, mas pode confiar. Passamos um fim de semana no Treinamento Multiorgástico do Centro Metamorfose e comprovamos: quando o assunto é sexo, ainda temos muito o que aprender.

O tantra não é novo. Os primeiros registros são da Índia antiga. O termo é amplo e os ensinamentos foram assimilados por diversas filosofias, como o budismo, o taoísmo e o hinduísmo. Por aqui, o método fez sucesso entre alternativos, esotéricos e místicos. Tanta mistureba fez com que os princípios originais se diluíssem, mas sempre há quem cavuque até encontrar as raízes novamente. Deva Nishok, guru do método adotado pelo Centro Metamorfose, pesquisou por mais de 20 anos até encontrar o combo meditação-massagem-vivência-filosofia, que promete desprogramar as memórias neuromusculares que criamos ao longo da vida chamadas de “couraças” no tantra.

Entre as muitas especificidades do tantra, a mais bonita talvez seja a quebra de paradigma no que diz respeito ao modo como conduzimos o sexo. Por isso, esqueça o machismo dos filmes pornôs, os tapas, os chicotes: o que importa aqui é a consciência e, principalmente, o respeito. Jogos eróticos, fetiches, fantasias são, nada mais nada menos, que escapismos do verdadeiro encontro consigo mesmo e com o outro. Aí está o primeiro paradoxo do tantra: é baseado no outro, mas centrado em você mesmo. Para aproveitar a técnica ao máximo, é preciso deixar de lado preocupações externas, crises — enfim, é preciso realmente estar lá, por inteiro. As tais couraças musculares seriam, portanto, nossa programação sexual, influenciada pela sociedade em que vivemos, por valores familiares, traumas infantis e, em casos mais graves, abusos sexuais.

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A ideia principal é reaprender a olhar o sexo de forma delicada (foto: Reprodução Internet)
Desabrochar do amor
No link de inscrição para o curso, os participantes já são informados: o tantra vai mudar sua vida. Melhora do desempenho sexual e da libido, tonificação dos músculos sexuais, aumento do volume anatômico do pênis e do clitóris são algumas das promessas mais chamativas. Achou pouco? Acrescente também “alteração dos estados alterados de percepção e consciência” e as palavrinhas mágicas “orgásmos múltiplos” (ejaculatórios ou não). Bom, prometer, todos podem, o importante é cumprir!

Confirmada a inscrição, outro e-mail dos organizadores informa algumas regras para que tudo corra como planejado. É preciso portar roupas leves, levar duas toalhas de rosto, um pendrive (para quem quiser levar as músicas do workshop para casa) e a programação dos três dias de imersão. Entre uma dinâmica e outra, pouco tempo para “descansar”. Para aumentar meu desespero, vejo que o primeiro trabalho é feito logo no primeiro dia de workshop, na sexta-feira, após o jantar.

O nervosismo domina e, antes mesmo de chegar à entrada do hotel, já penso em desculpas para desistir. “E se não der certo?”, “acho que esquecemos alguma coisa em casa” e outras preocupações sem sentido mas que, naquele momento, pareciam urgentíssimas. Meu companheiro se recusa terminantemente a dar atenção ao meu estágio pré-surto: está curioso demais para recuar. “No site estava escrito ‘orgasmos múltiplos’”, ele argumenta. Sem ter como discutir, estaciono.

Fizemos o check-in cerca de meia hora antes do previsto, às 18h30. Nesse meio tempo, outros casais se aproximam da recepção, todos com o olhar invariavelmente pregados no chão. Ninguém se fala, ninguém se olha. Um homem de cabelos longos, grisalhos e presos em um rabo de cavalo balbucia um “boa noite”. Sem resposta. Dois outros casais se aproximam, igualmente tímidos. Um deles parece debater — certamente, algum dos dois estava tão nervoso quanto eu e tinha seu pedido de voltar para casa negado.

Risos nervosos, constrangimento, aflição. Como todos estes sentimentos milagrosamente se transformariam em uma experiência oceânica era um mistério para mim. No horário marcado, Prem Gurutama, um dos facilitadores do workshop, convida todos a entrarem para começar os trabalhos. “Agora, já era”, penso, enquanto tiro os tênis e me acomodo em um dos sete colchonetes dispostos em roda no chão. O salão, iluminado com velas e lâmpadas de iluminação indireta, tem um ar intimista. Além dos colchonetes, há uma mesa com um computador e um jogo de luz, como os de uma boate, ainda desligado. 

Assim que os casais se acomodam, Gurutama e Daricha Sundari, sua esposa e companheira no ensinamento do tantra, se apresentam. Explicam um pouco sobre o que é o tantra e dão a primeira orientação para que a experiência seja vivida com toda a potencialidade que merece: nada de sexo. Gastar a energia (física e espiritual) com algo já conhecido, disseram eles, não faria sentido. Em seguida, eles querem saber sobre nós. Os casais se apresentam. O caminho que levou a maioria das duplas a procurar o tantra foram variados, mas, geralmente, relacionados a travas ou ressentimentos sexuais. Sem entrar em detalhes, um homem confessa que nunca teve prazer no sexo. Em tom angustiado, outro diz que propôs o curso à mulher como uma tentativa derradeira de salvar um casamento cheio de amor, mas carente de contato físico. Uma das mulheres se considera racional demais para se entregar de verdade ao ato sexual.

A ideia principal, explica Daricha, é reaprender a olhar o sexo de forma delicada. “O sexo não precisa ser um tatame de luta-livre”, compara. De fato, durante toda a experiência, as palavras “respeito”, “devoção” e “agradecimento” são comuns e repetidas quase à exaustão. Voltado para casais, outro objetivo é promover a reconexão entre os dois, perdida na rotina cheia de horários e prioridades que passam longe da cama.

Olhos nos olhos
O primeiro passo é aprender a respirar. Em uma espécie de meditação em dupla, enquanto um solta o ar, o outro inspira, sempre pela boca. Junto com a música cadenciada, o exercício, após um tempo, já é suficiente para entrar em um semitranse. Depois, é o momento chamado tratak, quando os dois, além da respiração conjunta, olham-se profundamente nos olhos. “Só isso?”, alguém pergunta, desapontado. Manter o contato visual, entretanto, é uma maneira eficaz de medir a quantas anda o relacionamento, segundo a facilitadora. “Muitos casais não conseguem nem se olhar nos olhos”, completa. “Isso é um indício de que algo pode estar errado entre vocês. Se isso acontecer, é bom que hoje à noite vocês já terão o que conversar.”

O giro tântrico é o próximo movimento da noite. Sentados de frente um para o outro e com as pernas entrelaçadas, os casais se mexem para frente e para trás, em movimentos circulares e sempre combinando os exercícios anteriores. Em seguida, Guturama e Darisha ensinam a técnica da sensitive massage, uma massagem feita apenas com as pontas dos dedos por todo o corpo do outro. “Não é obrigatório, mas, quem quiser ficar de roupas íntimas aproveitará melhor a experiência”, Guturama avisa. Tenho espasmos involuntários. Segundo Gurutama e Darisha, a manifestação é causada pela energia que circula pelo corpo.

A próxima lição é sobre feromônios, os chamados hormônios do prazer. De acordo com o método, é possível despertar os feromônios do(a) parceiro(a) por meio da saliva. Para isso, é preciso lamber áreas-chave, como pescoço, axilas, dobras do braço e dos joelhos, e, depois, aspirar o local com força, pelo nariz. “Que nojo”, pensei, mas resolvi dar uma chance. O resultado é realmente impressionante: com a meditação, os feromônios dão um certo barato. Tirando isso, não senti nada de especial. Decepcionada, fico confusa. Será que o problema é comigo? Está dando certo? Será que estou fazendo errado?

Na minha vez de executar os movimentos, meu parceiro tem espasmos cada vez mais fortes. Alguém do outro lado do salão chora. Fico ainda mais desapontada comigo mesma. Resolvo perguntar para Gurutama se devo me preocupar. “Não se preocupe, é normal. Garanto que amanhã você vai sentir alguma coisa.” Cheia de dúvidas, espero o dia seguinte. Mal sabia eu o que me esperava.

Massagem íntima

O sábado é dedicado à massagem lingam e yoni — termos sânscritos para pênis e vagina, respectivamente. A prática em nada se assemelha à masturbação convencional. Na verdade, pouco tem da sensualidade tal como a conhecemos. Sempre com muito óleo, os movimentos são feitos inclusive com o órgão flácido. Outra diferença substancial com relação ao sexo ocidental é que, no tantra, a ejaculação pode ser seca. Segundo meu parceiro, inclusive, essa modalidade de orgasmo é consideravelmente mais potente que a ejaculação.

Antes da yoni massagem, mais demorada e complexa que a versão masculina, os homens aprendem a extrusão da glande clitoriana. Delicadamente, o homem suga a ponta do clitóris e o lambe, com movimentos circulares ou em cruz. Gurutama demonstra a técnica para os participantes no meio da roda, simulando, com os dedos no ar, o movimento da língua dentro da parceira. Chega a hora de colocarmos em prática. Em poucos minutos, os gritos aumentam a ponto de ultrapassar o volume da trilha sonora. Depois, é o momento da yoni massagem. Também feita com óleo em abundância, consiste na manipulação dos grandes e dos pequenos lábios, com movimentos ritmados e certeiros.

A massagem feminina inclui um vibrador tipo bullet, acessório que ainda não fazia parte do repertório de algumas mulheres do grupo. Assim que entenderam para que ele serve, algumas não contiveram a euforia. “Onde podemos comprar?”, “vocês deveriam incluir um no valor do curso”, “por que as pessoas fazem chá de langerie se podem apenas comprar um desse?” e outros comentários na mesma linha eram feitos ao mesmo tempo, descontroladamente, em um misto de incredulidade e excitação pela descoberta. Os homens, então, posicionam o bullet no clitóris — que, graças à extrusão, fica fácil de ser identificado. Semelhante a uma sessão de exorcismo, gritos, gemidos, choro, sonoras gargalhadas e frases desconexas tomam conta do salão. “Não vou conseguir, não vou conseguir”, repete sem parar a mulher do casal ao lado. Em seguida, um sonoro berro dá a entender que ela conseguiu: no fim da experiência, ela revelaria que não só chegou ao orgasmo quatro vezes, mas ejaculou em todas elas.

Prova de fogo
O último dia é a prova de fogo: respiração, feromônios, meditação e técnica se unem para o gran finale, a tão esperada descarga neuromuscular capaz de liberar energia suficiente para expandir a mente a universos desconhecidos. Além dos exercícios aplicados nos dias anteriores, aprendemos a técnica da penetração passiva. O homem penetra a mulher, porém, não deve fazer nenhum movimento. Enquanto o homem está imóvel, a companheira mantém o bullet no clitóris, vibrando. O ápice é acompanhado pela música, que aumenta de volume e intensidade de acordo com a energia dos presentes. O êxtase coletivo é tamanho que é impossível distinguir quem está gritando o quê, quem está chorando, berrando ou rindo copiosamente. “Entreguem-se, não tenham medo de ir rumo ao desconhecido”, orienta Darisha.

Ao fim da atividade, os casais retornam à formação de roda. É o momento de colocar a experiência em palavras. A mudança na atitude dos casais é visível. Carinhos, afagos e olhares de cumplicidade deixam claro que o propósito do tantra foi alcançado. Aqui, há outra mudança de paradigma: para muitos, o objetivo principal seria o tal orgasmo inesquecível. Contudo, nenhum casal mencionou esse fato quando questionado sobre o que levariam consigo do fim de semana. “Estamos mais próximos, como nunca estivemos antes”, disse uma das alunas. Quanto a mim e ao meu parceiro, levamos pelo menos dois dias para voltar ao normal. Sem entender direito o que tinha acabado de acontecer, tagarelamos ao mesmo tempo sobre como seria impossível voltar a fazer sexo como antigamente. Chegamos à conclusão de que o termo “experiência oceânica”, usada pelos adeptos do tantra para definir a sensação que fica, é um mero eufemismo.

"Levamos pelo menos dois dias para voltar ao normal. Sem entender direito o que tinha acabado de acontecer, tagarelamos ao mesmo tempo sobre como seria impossível voltar a fazer sexo como antigamente”