Drogas já existentes têm potencial para combater doenças neurodegenerativas como o Parkinson

Medicamentos existentes são usados para hipertensão

Valdo Virgo / CB / D.A Press
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Apesar de descrita há quase 200 anos pelo médico inglês James Parkinson, a doença que leva o nome de seu descobridor ainda não foi completamente esclarecida. Mesmo com os avanços terapêuticos dos últimos anos, há apenas uma droga disponível para redução dos sintomas e, embora eficaz, ela pode acarretar inúmeros efeitos colaterais depois de três a cinco anos de tratamento. Uma pesquisa publicada na revista Science Translational Medicine oferece esperança de que um medicamento já existente no mercado, utilizado para hipertensão, seja eficaz para combater um processo inflamatório característico do Parkinson e de outros males neurodegenerativos.

Atualmente, a levodopa é a única substância disponível para enfrentar a doença. Ela age diretamente no cérebro, estimulando a produção de dopamina, neurotransmissor deficitário no caso do Parkinson. Contudo, os problemas no sistema dopaminérgico não são o único componente da enfermidade. Desde os anos 1990, os cientistas sabem que a mutação de uma proteína chamada alfa-sinucleína, encontrada dentro dos neurônios, também está associada a alguns distúrbios neurodegenerativos. O papel dessa molécula, porém, só foi estabelecido recentemente.

A partir de pesquisas com modelos animais e com células humanas cultivadas em laboratório, cientistas do Centro Médico da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, começaram a desvendar o mecanismo pelo qual a alfa-sinucleína atinge o cérebro. A neurologista Katheleen Maguire-Zeiss, uma das maiores especialistas em Parkinson no mundo, explica que, normalmente, essa proteína não é maléfica. Contudo, por motivos ambientais ou genéticos, ela pode mudar de formato e, assim, deflagrar um processo inflamatório crônico.

Maguire-Zeiss conta que as células micróglias, importantes componentes do sistema imunológico do cérebro, interpretam a malformação das proteínas como um impostor externo. O papel das micróglias é fundamental para evitar infecções, pois, ao detectar a presença de vírus e bactérias, elas se mobilizam para exterminá-los. “Quando uma proteína está mal enrolada, as células olham para ela e pensam que são inimigas. Passam a combatê-las incessantemente, então a inflamação do cérebro torna-se crônica”, explica.

Segundo o neurocientista Stefano Daniele, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Washington, necropsias realizadas no tecido cerebral de pessoas que tinham Parkinson e uma outra doença denegerativa chamada demência de corpos de Lewy indicaram um excesso de alfa-sinucleínas defeituosas. “Essa proteína é muito misteriosa e não sabemos tanto dela quanto gostaríamos. Mas já sabemos que, quando ela está mal enrolada e sai de dentro do neurônio, é combatida pelas micróglias. Então, pensamos que tínhamos de descobrir um meio de evitar que o sistema imunológico do cérebro as percebesse como um agente patógeno”, diz. “Acredito que fizemos um bom progresso nesse sentido.”

Remédios

Utilizando tecidos cultivados em laboratório, os cientistas conseguiram entender como as proteínas com defeito ativam as células micróglias. Eles perceberam que os soldados do sistema imunológico usam dois receptores para reconhecer e lutar contra a alfa-sinucleína, formando um complexo chamado TLR1/2. A equipe de Maguire-Zeiss testou um medicamento desenvolvido pela Universidade do Colorado que, justamente, tem esses receptores como alvo, assim como uma droga voltada ao tratamento de hipertensão, que também atua nesse sentido. Os remédios foram aplicados em células do cérebro cultivadas em laboratório. “Foi bastante surpreendente. As duas substâncias reduziram significativamente a inflamação”, conta a especialista.

Ao diminuir o processo inflamatório, as drogas evitaram os danos nos tecidos cerebrais que levam à doença de Parkinson e à demência de corpos de Lewy, entre outros males neurodegenerativos. Embora a neurocientista destaque a necessidade de ampliar o estudos antes que a abordagem possa ser testada em um grande número de pacientes, ela está bastante animada com os resultados. Afinal, essa é a primeira vez que se consegue combater — ainda que no tubo de ensaio — os efeitos da mutação das alfa-sinucleínas.

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Haakon Nygaard: teste com anticonvulsivos para tratar o mal de Alzheimer (foto: Divulgação )


Nova opção para combater o Alzheimer

O geriatra José Elias Soares Pinheiro, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e do Instituto de Neurologia Deolindo Couto, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que, atualmente, a medicina não tem muito a oferecer aos pacientes de Parkinson. “Hoje, se tratam apenas os sintomas. A doença evolui de forma a prejudicar muito a qualidade de vida do paciente”, diz. O tratamento com levodopa costuma ser bastante eficaz no início. Mas, passados de três a cinco anos, começam a aparecer os efeitos colaterais, sendo o mais grave os movimentos involuntários. “E ainda é o que temos de melhor”, destaca Pinheiro. “As pesquisas não param, são inesgotáveis, principalmente à medida que a população está envelhecendo, e a idade é um fator de risco”, diz o médico. Embora possa surgir a partir dos 40 anos, a prevalência é maior depois dos 60.

Para o geriatra, o estudo publicado na Science Translational Medicine é inovador, pois oferece uma abordagem diferente — em vez de atacar a dopamina, age diretamente na mutação da alfa-sinucleína. “A correlação dessa proteína e do Parkinson e outras doenças neurodegenerativas foi feita pela primeira vez em 1997, mas nunca houve uma terapêutica voltada para essas mutações. O foco desse estudo é muito interessante”, avalia.

Pesquisadores canadenses da Universidade de British Columbia (UBC) afirmaram que um medicamento para epilepsia é um tratamento promissor para a doença de Alzheimer. A descoberta, publicada na revista Alzheimer's Research & Therapy, reforça a teoria de que a hiperexcitação do cérebro desempenha um importante papel no desenvolvimento da enfermidade, e que drogas anticonvulsivas — aquelas que previnem ou reduzem a severidade da convulsão — representam um tratamento em potencial, merecendo estudos clínicos futuros.

Em pesquisas anteriores, diversos grupos testaram os efeitos do anticonvulsivo levetiracetam em modelos animais e em dois experimentos clínicos, que envolveram pacientes humanos com os primeiros sinais do Alzheimer, incluindo a perda de memória. Agora, Haakon Nygaard, professor da Faculdade de Medicina da UBC, testou os efeitos da brivaracetam, uma droga anticonvulsiva ainda em desenvolvimento para tratar epilepsia, e semelhante à levetiracetam. Já que ela é 10 vezes mais potente, pode ser utilizada em dosagens mais baixas. Nygaard e sua equipe constataram que o medicamento reverteu completamente a perda de memória em modelos de roedores com Alzheimer.

Enquanto a droga parece eficaz, os pesquisadores ainda não sabem como ela consegue reverter a perda de memória. Nygaard também destaca que o estudo representa dados muito preliminares quanto ao tratamento de pacientes com Alzheimer. “Agora, temos muitos grupos de pesquisa usando drogas antiepilepsia que visam o mesmo alvo, e todas apontam para um efeito terapêutico tanto para os pacientes com a doença quanto para os modelos de Alzheimer”, diz o pesquisador. “Essas drogas devem ser testadas em estudos clínicos maiores com pacientes nos próximos cinco a 10 anos. Esses testes são necessários antes de determinarmos quais terapias anticonvulsivas serão parte do futuro arsenal terapêutico contra a doença”, afirma.