Como sair de casa sem os pais surtarem

Na hora de levantar voo para construir o próprio lar, os filhos ainda se deparam com a resistência de quem jurou criá-los para o mundo. Será possível sair de casa sem a mãe surtar? E voltar, pode?

por Gláucia Chaves 16/09/2013 09:18

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“Você precisa criar seus filhos para o mundo.” O conselho, distribuído a torto e a direito por parentes e amigos quando um casal anuncia a decisão de ter filhos, é mais fácil de escutar do que de seguir. Quando o momento do voo solo finalmente chega, muitos pais se sentem assustados, preocupados e solitários no ninho. O processo é natural. Dúvidas, inseguranças, culpa e superproteção, contudo, também são sentimentos normais e podem surgir no processo da mudança. De um lado, pais que se perguntam o que falta em casa para que o filho deseje sair. Do outro, filhos que não necessariamente têm problemas de relacionamento com a família, mas querem liberdade. Como lidar com isso?


Para Fernanda Machado, presidente da Associação de Terapia Familiar de Goiás (Atfago), mestre em psicologia, terapeuta de casais e de famílias, os pais não precisam dramatizar a situação. A vontade de ter seu próprio canto não quer dizer que os filhos não querem mais tê-los por perto. A motivação teria muito mais a ver com necessidade de autonomia e autoafirmação. “Acredito que esse momento surge quando o fato de estar vivendo na casa dos pais não traz mais para o jovem tranquilidade ou sensação de bem-estar”, completa a especialista.

Não há idade, momento ou motivo específico para que esse desejo de se sentir mais livre aflore. Em seu consultório, por exemplo, Fernanda Machado ouve frequentemente que “o espaço ficou pequeno” — quando há a vontade de viver novas experiências, tocar projetos ou mudar hábitos, sem as limitações que seriam comuns no ambiente familiar. “Os jovens sentem que as regras existentes na casa dos pais significam uma barreira para que esses novos projetos e atitudes sejam colocados em prática”, detalha.

Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Pedro Guilherme de Souza Martins e Lucas Araque dos Santos Freire, 21 e 23 anos, tiveram que negociar a saída para montar uma república (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Pedro Guilherme de Souza Martins e Lucas Araque dos Santos Freire, 21 e 23 anos, respectivamente, passavam por isso quando decidiram montar uma república, em março deste ano. Nenhum dos dois estudantes tinha grandes problemas de relacionamento com os pais, mas ter a chance de receber amigos, ter privacidade e decorar o lugar da forma que lhes viesse à cabeça falou mais alto. No caso de Pedro, a notícia inicialmente não fez muito sucesso. “Minha mãe ficou muito chateada no começo”, conta. “Ela me perguntou o que tinha feito de errado, do que eu estava sentindo falta em casa, mas depois ela entendeu que era só vontade de ter minhas próprias experiências.”

Quando ainda morava com a mãe, Pedro já sabia algumas coisas básicas da vida adulta, como operar uma máquina de lavar e cozinhar o trivial. “Isso já me fez economizar um tempo”, brinca. Agora, o desafio é outro: além dele e de Lucas, outros dois amigos dividem o mesmo apartamento. Ele conta que a primeira providência que tomaram, antes mesmo de escolher o local onde morariam, foi definir regras de convivência. As duas principais são: sempre lavar a louça assim que ela for usada e consultar os demais moradores antes de convidar amigos. “Geralmente, ninguém se incomoda com isso, mas, às vezes, um tem que acordar mais cedo no outro dia. Então, perguntamos.”

A liberdade recém-adquirida também tem seus revezes. As obrigações, que vão de manter a casa limpa a terminar os trabalhos da faculdade, são “silenciosas”, por assim dizer. “O mais difícil para mim é a falta de cobrança. Quando ninguém te cobra, você acaba ficando um pouco relapso”, admite Pedro. Enquanto não se acostuma a todas as novas obrigações, ele aproveita a privacidade de chegar em casa e fazer o que quiser — inclusive nada, dependendo do seu humor.

Para Lucas, ser independente era um desejo antigo. Quando completou 18 anos, foi logo avisando à mãe que queria um canto para chamar de seu. “Como ela já sabia, a notícia não foi tão impactante”, relembra. Mesmo assim, ela pediu para o filho ficar. Depois de muita conversa, Lucas conseguiu explicar seu ponto de vista para a família, no melhor estilo “não são vocês, sou eu”. “O ritmo deles era muito diferente do meu”, justifica. “Morávamos eu, minha mãe, meu irmão, a esposa dele e meus dois sobrinhos. Saía muito cedo de casa e chegava tarde. Gosto de resolver minhas coisas à noite e não podia, por conta das crianças dormindo.”

Mudar de Águas Claras para a Asa Norte também foi um motivador, segundo Lucas. Se antes a rotina começava com um metrô lotado, agora, ele mora perto do trabalho e da faculdade — e pode acordar um pouco mais tarde. Contudo, além dos problemas logísticos, Lucas queria saber, finalmente, como era se sentir responsável por si mesmo. Coisas triviais, como lavar sua própria roupa ou preparar seu jantar, passavam longe da antiga rotina. “Lá, minha mãe me paparicava, fazia tudo para mim. É importante fazer essas coisas, para não chegar aos 30 sem ter aprendido nada.”

"Os filhos devem entender que a vida recebida dos pais foi-lhes dada para ser vivida da melhor forma possível. Se a independência resultar em felicidade, automaticamente será convertida em felicidade para os pais também.”
Fernanda Machado, terapeuta de família

Quero voltar. Pode?
Assim como sair, voltar para a casa dos pais é um momento que precisa ser conversado com cuidado. Tânia Zagury, filósofa, mestre em educação e autora do livro Encurtando a adolescência (Record, 2008), diz que é normal a realidade se mostrar diferente do que foi planejado. Mas algumas regras precisam ser observadas.

Se o filho deu um passo além das suas possibilidades, não deve haver constrangimento em pedir para voltar. Mas é preciso que seja um pedido, não uma imposição.

Caberá aos pais analisar essa vontade de voltar: o filho realmente não se adaptou, está com problemas financeiros? Ou apenas “enjoou” de tentar? É importante lembrar que a casa pode ter sido reestruturada — o quarto, por exemplo, pode ter virado um escritório.

Os pais não são obrigados a sustentar os filhos para sempre. É importante que eles (filhos) saibam que não é uma brincadeira. A tentativa de morar fora tem que ser por alguns meses, no mínimo.

No retorno, as coisas não podem voltar a ser como se o filho nunca tivesse saído. É preciso usar o que aprendeu enquanto esteve fora, como ajudar na cozinha ou nos gastos da casa. Tais atitudes demonstram que a pessoa voltou como um adulto, não como o filho dependente que costumava ser.