Com várias interpretações, a paixão é discutida em livro por psicanalista

Ao longo dos anos, o mundo passa por grandes mudanças nesse campo. Quem não já experimentou este sentimento clássico?

por Lilian Monteiro 04/07/2013 13:00

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Zahar/Divulgação
Marcus André Vieira, autor do livro 'A paixão', diz que a psicanálise entende esse sentimento como algo que nos transporta e que não dura muito tempo (foto: Zahar/Divulgação)
Definir o que é paixão não é tarefa fácil. Há quem tente. Mas acaba sempre numa descrição cheia de adjetivos, superficial. Marcus André Vieira, psicanalista e psiquiatra, membro da Escola Brasileira de Psicanálise, doutor em psicanálise pela Universidade de Paris VIII e professor de pós-graduação em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), lançou o livro "A paixão", pela Editora Zahar, em que discute esse sentimento. “A psicanálise não propõe a verdade sobre a paixão, mas um modo de lidar com ela. Em termos de definição, podemos endossar o sentido geral, a sabedoria comum. Ela sugere que a paixão é alguma coisa que nos transporta, nos ultrapassa e que não dura. É verdade que o sentido clássico do termo dava mais ênfase à passividade. Hoje, quando falamos em paixão, pensamos sempre em algo violento ou intenso, mas há passividade também nisso, já que somos tomados por uma incapacidade de dominar o que nos toma."

De maneira geral, é comum para a maioria das pessoas encarar a paixão como arrebatadora, sentimento que sufoca e despende energia. O amor seria a busca de todos, por ser mais “calmo” e “racional”. Marcus André diz que não colocaria o amor apenas de um lado, já que ele tanto pode ser enlouquecido quanto equilibrado. Com essa ressalva, ele concorda com essa oposição clássica. “De um lado uma vivência caótica, de outro um sentimento ponderado. De um lado o incêndio da paixão, do outro esse fogo controlado, cotidiano, como numa lareira, aquecendo a casa sem grandes riscos.”

Para Marcus, homens e mulheres vivem a paixão de maneira distinta se os entendermos como modos paradigmáticos de organização psíquica e sexual. Ele enfatiza que aprende-se a sentir e a gozar de maneiras variadas em conformidade com a anatomia, mas também com os acidentes da vida. “A sociedade oferece dois polos de identificação: um organiza seu prazer especialmente orientado por um ‘tudo ou nada’ evidente, este é o dos homens. O outro, organizado por um ‘mais ou menos’ sutil, o das mulheres. Estaremos sempre, cada um, em algum ponto dessa linha contínua de identidades que vai do ‘masculino total’ ao ‘feminino total’, nunca integralmente em um extremo. Acho que assim fica evidente como a paixão nesse sentido é feminina e a emoção masculina. O jogo de futebol do marido às quintas-feiras é emoção, a vontade de matá-lo ao deixar mais uma vez a toalha molhada sobre a cama é paixão.”

ANGÚSTIA

Zahar/Divulgação
(foto: Zahar/Divulgação)
No livro, Marcus fala de paixão contemporânea. Isso quer dizer que no passado era diferente? Ele ensina que uma indicação de Lacan é preciosa: se há um estado afetivo característico de nossos dias é a angústia. O filósofo chama nossa ansiedade de “angústia dos cientistas”. “Nossos tempos são marcados pela miragem de que a ciência tudo pode, de que, se tivermos dinheiro, podemos tudo. Quanto maior o leque, mais angústia, por isso, mais ‘cientificistas’. É um círculo vicioso: acreditamos tudo poder, então somos obrigados a tudo viver, então nos angustiamos por não conseguirmos tudo, então queremos uma solução para nossa angústia que, porém, é causada justamente por acharmos que tudo podemos, inclusive, encontrar uma solução pronta e disponível para a angústia, que dê logo resultado. Essa talvez seja a paixão maior de nossos tempos, a paixão do resultado. Exigimos de nós mesmos e do mundo resultados, concretos e imediatos.”

Diante de tantas questões, como jogar o jogo da paixão? Para Marcus, o tratamento freudiano começa quando a pessoa consegue jogar com a paixão da solução, do resultado. “Quando a gente consegue que alguém aceite voltar a nos ver sem que tenhamos dado uma resposta concreta, nem oferecido técnica infalível ou receitas de bem viver. Apenas proposto uma aposta. Apostamos que há alguma coisa na própria vida que tem sido deixada de lado e que pode dar um novo destino ‘às aflições’. É o que chamamos ‘inconsciente’.”

Marcus André não acha a paixão incontrolável ou excessiva. Para ele, são clichês. “Uma análise seria propor descobrir para cada um de que modo a paixão entrega o segredo que esconde: a toalha sobre a cama do marido enlouquece a mulher porque remete a ínfimos detalhes obscuros que estão coordenando o jogo da paixão sem que possamos fazer nada com eles. Torná-los parte visíveis é uma das tarefas da análise. A outra, principal, é decidir o que fazer a partir daí. Com relação a isso, cada um terá que inventar seu modo. O que posso afirmar é que, uma vez redescobertos companheiros e fantasias de festas passadas, uma vez mudado, nosso carnaval particular nunca mais será o mesmo.”

Amores e desamores

Uma das escritoras espanholas mais lidas da atualidade, Rosa Montero, escreveu "Paixões - amores e desamores que mudaram a história", Editora Ediouro, em que fala sobre as grandes paixões da história. Ciente dos limites que o tema impõe, ela tenta viver dentro dos biografados e o resultado é brilhante. Jornalista e colunista exclusiva do El País, jornal espanhol, ela nos brinda com um documentário que remete àquela ideia de “as paixões mais amargas de serem vividas são também as mais doces de serem lembradas”. Evita e Juan Perón, Marco Antônio e Cleópatra, Elizabeth Taylor e Richard Burton, John Lennon e Yoko, Verlaine e Rimbaud, são alguns dos casais que têm suas paixões reveladas.
Vale muito a pena ler.