Determinação para reduzir sódio e açúcar nos alimentos exige adaptações na indústria

Para alinhar produção às exigências do Ministério da Saúde, indústria busca se adaptar ao paladar daqueles que querem dieta mais equilibrada

24/06/2013 09:20

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Leandro Couri/EM/D.A Press
Ionice Ferreira Borges está atenta ao que compra: do iogurte, passando pelo pão e óleo, ao arroz, a ordem é ler informação do fabricante (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Se por um lado a indústria alimentícia se esforça para reduzir a participação da gordura trans, sódio e açúcar na composição dos produtos processados, conforme mostrou ontem o Estado de Minas, por outro investe pesado na adição de elementos benéficos à saúde, como vitaminas, fibras e minerais. O interesse em lançar cada vez mais produtos com apelo saudável não é por acaso já que há um número crescente de brasileiros em busca de um estilo alimentar que associe praticidade à qualidade de vida. Segundo pesquisa da Mintel, empresa inglesa especializada em inteligência de consumo e produto, 66% dos brasileiros dizem que ingerem frutas e vegetais diariamente e 22% afirmam que seguem uma dieta de baixo teor de gordura.

O resultado é a multiplicação de alimentos nas gôndolas voltados para a satisfação dessas necessidades. A pesquisa Estilos de vida saudável, também da Mintel, revelou que, nos últimos seis meses de 2012 em relação aos seis primeiros, foram lançados 22% a mais de produtos com redução de sódio, 14% a mais sem conservantes e 16% com adição de vitaminas. Sem contar o maior número de versões naturais de frutas e vegetais em embalagens prontas para o consumo. “Além de lançamentos com ênfase em menor teor de sódio, fortificados e com apelo light, é possível notar mais opções com destaque em ‘sem conservantes/aditivos’, feito com grãos integrais e contém ingredientes naturais”, observa a analista do setor de alimentos da Mintel no Brasil, Sheila Salina.

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos e Especiais (Abiad), o segmento já representa 5% do setor de alimentos do país, movimentando US$ 10 bilhões em negócios em 2012, valor 25% acima de 2011 (US$ 8 bilhões). Marco Milani, representante da XTC, empresa de pesquisa que acompanha as tendências de alimentos em 39 países, garante que o Brasil está avançando e há casos inovadores neste mercado. “Hoje já existe queijo com probiótico aqui, que se trata de algo bastante arrojado”, observa. Compostos de organismos vivos, os probióticos – administrados em quantidades adequadas, com orientação profissional – são grandes aliados da flora intestinal.

Esses são os chamados alimentos funcionais que, além de ajudar no bom funcionamento do intestino, como é o caso dos probióticos, ainda são capazes de prevenir o envelhecimento, reduzir a absorção de gorduras e combater radicais livres. “Alimentos com essas características devem ser ingeridos todos os dias. Se o consumo for interrompido, o efeito para”, orienta o nutrólogo e vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), José Alves Lara Neto.

NOVA ROTINA
Consumidora assídua de iogurtes com probiótico, a aposentada Ionice Ferreira Salgado Borges, de 62 anos, reconhece que se juntou à parcela da população que está atenta ao que consome. Desde outubro do ano passado, quando resolveu entrar para um programa de educação alimentar, a rotina mudou. “Agora fico atenta para as quantidades de sódio, açúcar e gordura indicados na embalagem e evito produtos com excesso desses ingredientes. Produtos com vitaminas já me chamam um pouco de atenção. Me preocupo também em consumir alimentos light, além de associar a alimentação com atividades físicas”, conta.

LONGO CAMINHO
Apesar das inovações frequentes, ainda há muito que se avançar neste mercado, na avaliação da analista da Mintel, Sheila Salina. “Em mercados mais desenvolvidos, como dos Estados Unidos e Reino Unido, o que se percebe é que há oferta de opções saudáveis e não saudáveis quase que nas mesmas proporções e em preços semelhantes. Isso significa que os consumidores têm opção significativa para escolher nas prateleiras se vão ou não consumir algo saudável, diferentemente do que ocorre no Brasil”, observa.

Por aqui, a grande barreira ainda é o preço. “Enquanto alimentos de perfil calórico ou de teor menos nutritivo são encontrados a preços baixos, aqueles que utilizam ingredientes naturais, sem conservantes ou orgânicos, são mais caros, muitas vezes posicionados como premium, e ainda não têm destaque nos supermercados, pelo menos nos mais populares”, pondera Sheila.

EM/ DA Press
Atenção aos rótulos: clique para ampliar e saber mais (foto: EM/ DA Press)
Os próximos passos da indústria devem ser dados no mesmo sentido de mercados mais amadurecidos como Estados Unidos e Reino Unido. “Nesses países, há um grande número de opções de alimentos totalmente orgânicos, com ‘GMO free, que significa alimento sem alteração ou modificação genética, ‘no animal ingredients’”, afirma Sheila. “Além de muitas opções naturais com foco funcional, por exemplo, antioxidante, bom para o sistema imunológico, fortalecimento dos ossos, funcionamento do cérebro, incluindo destaque para o uso das superfoods, como a quinoa”, acrescenta.

Entre 25 e 28 de junho serão apresentados no Brasil novos produtos inovadores durante a segunda edição do Salão Internacional de Alimentação para América Latina (Sial Brazil) e a expectativa é de que a funcionalidade e saúde sejam os principais motes dos futuros lançamentos.

Refrigerante fortificados com minerais, fast food acompanhado por frutas, achocolatado com vitaminas. Na corrida para dar os ares de saúde que todos procuram, produtos tradicionais das empresas entraram na onda e foram adaptados para atender um consumidor cada vez mais exigente. Mas para os nutricionistas e nutrólogos, a iniciativa é uma bela maquiagem. “Não há nenhuma evidência que comprove que a vitamina presente em uma bolacha, por exemplo, tenha a mesma capacidade de atuação orgânica que aquela proveniente de uma fruta ou vegetal”, alerta o professor do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rafael Claro.

“Um achocolatado pode até ser fortificado, mas vale lembrar sobre os níveis de açúcar presentes”, alerta a nutricionista da Clinlife, Mariana Andrade. A especialista aconselha que seja realizada uma análise criteriosa do alimento como um todo e não considerados apenas os benefícios destacados no rótulo.

Armadilha
“O iogurte que é integral, por exemplo, tem mais gordura. Mesmo contendo probióticos não é interessante a não ser que seja zero gordura ou light”, observa Mariana. Isso quer dizer que salgadinhos, biscoitos, cereais matinais, e até balas em versões fortificadas podem se tornar uma grande armadilha já que podem apresentar índices de gordura, açúcares e sódio capazes de elevar os riscos de obesidade e diabetes e sobrecarga dos rins.

“Os alimentos enriquecidos não têm a força necessária para garantir a dose diária de cálcio ou vitamina D, por exemplo, se não forem acompanhados de fatores como bom ambiente intestinal e realização de exercícios físicos regulares”, pondera Mariana.

O grande risco, na avaliação da especialista é que as pessoas acreditem que estão suprindo suas necessidades nutricionais com produtos processados e passem a não se alimentar corretamente. “Uma alimentação equilibrada é mais eficiente para absorção do nutriente, que está mais biodisponível para nosso organismo”, orienta a nutricionista.

Efeito comprovado
Carlos Eduardo Gouvêa, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos e Especiais (Abiad) reconhece que o consumo de produtos funcionais – que vão trazer algum tipo de melhoria benefício para o metabolismo – não pode ser relacionada com a prevenção de doenças, apesar de garantir uma dieta mais balanceada. “Há inclusive uma barreira de entrada nesse mercado que é o registro perante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para ser liberado para consumo, é preciso submeter um dossiê à agência provando as melhorias que aqueles que se propõem funcionais vão trazer para o metabolismo”, observa.