Ciência descobre a chave para desvendar o estresse pós-traumático

Pesquisadores americanos descobriram um gene ligado ao transtorno e, por meio de um composto químico, conseguiram conter, em ratos, a formação de lembranças ligadas a situações de perigo e violência

por Paloma Oliveto 13/06/2013 09:25

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EM / DA Press
Pesquisadores americanos encontraram um gene associado ao chamado transtorno do estresse pós-traumático. Clique para saber mais (foto: EM / DA Press)
As cenas se recusam a sair da mente. Acompanham o indivíduo a qualquer hora, independentemente da situação. Pode ser o flashback de um campo de batalha, de um prédio pegando fogo, de um acidente automobilístico, de um beco escuro e até da casa da infância. Pessoas que sofreram episódios de extrema violência, como vítimas de guerras, desastres, estupro e abuso sexual, podem não conseguir retomar a vida normal, mesmo passado muito tempo depois do evento. Elas sofrem do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), uma condição pouco conhecida, mas que, no futuro, poderá ser evitada em pessoas comprovadamente predispostas.

Um grupo de pesquisadores dos EUA pertencente a duas diferentes instituições de ensino anunciou, na última edição da revista Science Translational Medicine, a descoberta de um gene que tem forte associação com o afloramento do TEPT. É o mesmo elemento do DNA previamente reconhecido por desempenhar um importante papel no medo, pois media a resposta do indivíduo a um estímulo ruim. Além disso, os cientistas conseguiram, em ratos predispostos geneticamente, evitar o surgimento do transtorno. Clinicamente, isso poderia significar uma terapia preventiva, voltada a pessoas comprovadamente mais suscetíveis. Para tanto, os pesquisadores utilizaram um composto químico ainda em fase de testes, o SR-8993, idealizado originalmente para o tratamento de dependentes em álcool e outras drogas.

O neurocientista Dwayne Godwin, coordenador de um programa de pesquisa sobre TEPT no Wake Forest Baptist Medical Center, explica que, após passar por situações envolvendo morte ou risco de óbito, é normal a pessoa ficar diferente por algum tempo. Pesadelos, sensação de perigo iminente, medo de qualquer coisa e alteração no humor, por exemplo, são manifestações comuns e naturais. Contudo, o que não está completamente esclarecido é o motivo pelo qual alguns indivíduos vão conseguir superar o problema, enquanto outros ficam fixados nas recordações a ponto de ter o dia a dia comprometido.

“Esse é um distúrbio muitas vezes incapacitante, que tem um grande impacto na capacidade de lidar com o cotidiano”, diz Godwin, que não fez parte do estudo divulgado pelo grupo na Science. O neurologista conta que, apesar da gravidade dos sintomas, o transtorno só começou a ser estudado amplamente na década de 1990, o que atrasou o desenvolvimento de um tratamento específico e eficaz. Hoje, a abordagem comum é aliar psicoterapia individual ou em grupo (no último caso, principalmente quando a vítima passou por uma tragédia que atingiu outras pessoas, como desastres naturais) a medicamentos. Godwin, contudo, acredita que os pacientes poderiam se beneficiar mais com remédios que enfrentassem os mecanismos diretamente relacionados ao TEPT. Para isso, contudo, é preciso avançar os estudos sobre o problema.

Descontrole hormonal Em busca de uma solução, a equipe do neurologista Kerry J. Ressler, da Faculdade de Medicina da Universidade de Emory, fez testes em animais juntando princípios da neurologia e da genética. Os cientistas descobriram que alguns indivíduos têm um defeito no gene Oprl1 que impede, no cérebro, a produção adequada de uma substância natural responsável pelo controle do medo e da dor. Em situações de perigo, o cérebro envia sinais para o restante do organismo com o objetivo de deixar a pessoa ou o animal em estado de alerta.

Hormônios como adrenalina e cortisona provocam efeitos conhecidos, como aceleração dos batimentos cardíacos, sudorese e a famosa sensação de “frio na barriga”. Sem isso, seria impossível se proteger contra as ameaças, daí a necessidade evolutiva do medo e do estresse. Contudo, o excesso dessas substâncias faz mal e pode deixar a pessoa em estado permanente de terror. O que os pesquisadores constataram foi a relação direta entre a prevalência de TEPT e uma variante no Oprl1 que impede o controle da produção dos hormônios.

O estudo foi realizado em ratos, mas seres humanos têm o mesmo gene, associado em pesquisas anteriores à sensação de medo. No laboratório, animais cujo DNA foi manipulado para exibir um defeito no Oprl1 demonstraram anomalias comportamentais, como ficar imobilizados em situações estressantes. Exames de imagem evidenciaram que a resposta das cobaias tinha relação com o medo, pois regiões do cérebro responsáveis por esse sentimento, como as amígdalas, ficavam hiperativas. Além de descobrir a associação, os pesquisadores constataram que bloquear a formação de recordações negativas é uma forte característica do problema.

“O transtorno do estresse pós-traumático é uma patologia grave, capaz de destruir a vida de pessoas que já passaram por situações muito ruins. Se conseguirmos identificar aquelas em maior situação de risco, será possível evitar os sintomas antes mesmo que se manifestem”, afirma Kerry J. Ressler, principal autor do estudo e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Emory. Ele reconhece que a estratégia preventiva soa polêmica — afinal, não há como afirmar quem, necessariamente, vai desenvolver o TEPT. Ressler, contudo, esclarece que, caso os resultados preliminares se confirmarem em humanos, o uso da substância SR-8993, que reverte os efeitos negativos da variante genética, ficaria restrito a indivíduos cuja predisposição foi identificada geneticamente. “Soldados com essa versão do Oprl 1 no genoma, por exemplo, poderiam se beneficiar da abordagem”, acredita.

Cautela
Kerry Ressler, psiquiatra da Universidade de Emory e coautor do estudo, lembra que a descoberta ainda está muito longe de se reverter em um tratamento, por isso ele acredita que não é hora de se discutir a viabilidade clínica dela. “Nós estamos falando de uma substância que, injetada no cérebro de roedores, conseguiu bloquear por até 48 horas o surgimento de estresse e de recordações relacionadas a uma experiência negativa. O que há de muito animador no estudo é o fato de termos identificado um gene específico, que está ligado ao transtorno. A pesquisa ficou mais incrível ainda quando vimos que existe uma substância capaz de impedir os sintomas do estresse pós-traumático. Isso abre possibilidades terapêuticas que precisam ser investigadas exaustivamente”, afirma.

A descoberta que a SR-8993 poderia prevenir e tratar o transtorno do estresse pós-traumático ocorreu por acaso. Ressler pesquisava os genes ativados no cérebro de ratos em situações de ansiedade quando acabou identificando o papel do Oprl 1 no TEPT. Sabendo que cientistas do Instituto Scripps, da Flórida, haviam desenvolvido uma molécula para evitar a recaída em dependentes químicos, que também tinha como foco esse gene, ele entrou em contato com os pesquisadores e os convidou para testar os efeitos da substância sobre o transtorno.

Para o psiquiatra Neil Roberts, pesquisador de TEPT do Hospital Universitário de Cardif, no Reino Unido, a busca de novas estratégias que combatam o transtorno é cada vez mais urgente. No ano passado, ele liderou um estudo sobre a eficácia da terapia cognitiva como prevenção, logo após a ocorrência de um trauma. Entre quase 100 participantes, Roberts constatou que apenas essa abordagem é insuficiente para evitar o surgimento dos sintomas no futuro. “Em alguns casos, a terapia precoce até piorou a intensidade do TEPT”, conta. “Embora esse tipo de tratamento tenha efeitos positivos em pacientes já diagnosticados, verificamos que ainda não há opções para a prevenção do transtorno na sequência de um trauma, e isso precisa ser solucionado”, afirma.