Tratar doenças relacionadas ao peso custa quase R$ 500 milhões ao SUS

Ministro anuncia ações e reduz idade mínima para cirurgia bariátrica

por Cristiane Andrade 20/03/2013 09:27

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Uma população em crescimento e que consome quase R$ 490 milhões anuais em tratamentos de saúde. Os recursos foram gastos para cuidar de 26 doenças relacionadas ao excesso de peso, entre elas diabetes, hipertensão arterial, diversos tipos de câncer e dislipidemias (altas concentrações de gordura no sangue). No pacote de intervenções, há também as cirurgias bariátricas, cuja idade mínima para ser feita caiu dos 18 para os 16 anos. No universo de obesos no Brasil, quem absorve mais recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) são as mulheres, responsáveis por 67% do total: R$ 327,7 milhões. Na avaliação do Ministério da Saúde (MS), que divulgou ontem os dados do primeiro levantamento desse tipo no país, feito pela Universidade de Brasília (UnB), o índice reflete maior número de problemas de peso (sobrepeso, obesidade e obesidade mórbida) entre elas.

De acordo com a pesquisa, baseada em custos de 2011, a maior parte do dinheiro é destinada para o atendimento hospitalar. No período, foram gastos R$ 289 milhões. Quando se leva em conta o avanço da obesidade, do sobrepeso e da obesidade mórbida, os números assustam: o excesso de quilos no corpo registra aumento médio anual de 1,05%; a obesidade, de 0,76%; enquanto a forma mais grave da doença cresce 4,3 vezes mais que a obesidade. Caso essa tendência não seja freada, os gastos com o tratamento de doenças relacionadas ao aumento de peso serão ainda maiores. “É um problema grave. Se considerássemos somente o custo da obesidade em si, teríamos R$ 32 milhões, que é o custo da cirurgia bariátrica (veja arte). Mas, a partir de dados epidemiológicos, em que avaliamos a associação a doenças e o percentual de casos de diabetes e hipertensão devidos à obesidade, conseguimos verificar o quanto a obesidade onera o SUS”, disse Michele Lessa Oliveira, autora da pesquisa.



Para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, este é o momento de agir. “Temos de adotar ações globais”, afirmou ontem, durante a entrevista de divulgação dos dados. Como o levantamento é inédito, não é possível comparar o crescimento dos gastos com a obesidade e doenças relacionadas com períodos anteriores. Para tentar estancar uma espécie de epidemia de gordinhos no país, Padilha anunciou um pacote de medidas para prevenção e oferta de tratamento aos pacientes. Entre elas, o aumento de recursos para cirurgias, a inclusão de novas técnicas para operação e a alteração da idade mínima para a cirurgia. Ao ser questionado sobre mudanças na legislação da propaganda de alimentos infantis, ele desconversou. “O assunto está sendo debatido no Congresso.”

ANSIEDADE
Entre os jovens que aguardam pela cirurgia bariátrica, a notícia de redução da idade para o procedimento dividiu opiniões. Aos 17 anos, com 127 quilos e muito desânimo, como ele mesmo avalia, César Augusto de Matos Soares já começou a fazer os exames de risco cirúrgico. “Acredito que operar seja o último recurso. Não sou contra a decisão de diminuir a idade, mas é uma decisão muito séria para ser tomada nessa idade.” Seu processo de ganho de peso começou aos 10 anos, quando diz ter sofrido bullying na escola. “Mas logo aprendi a conquistar meu lugar. Em casa, meus hábitos alimentares nunca foram bons, mas agora, porque estou assim, as coisas estão diferentes”, conta.

Aos 24 anos, Reginaldo Soares, com 216 quilos, aguarda há quatro anos pelo atendimento via SUS para vencer o excesso de gordura. Obeso desde a infância, ele é totalmente a favor da mudança na idade que permite o processo cirúrgico. “Isso é ótimo, várias crianças já são obesas e sofrem muito com isso”, afirma. Os hábitos à mesa sempre foram saudáveis, mas Reginaldo não quis seguir o padrão. Foi alvo de brincadeiras quando pequeno, mas diz não ter se importado. Há cerca de três anos, a perda da mãe influenciou ainda mais no ganho de peso. A preocupação veio a partir dos 18 anos, quando passou a valorizar mais a autoimagem. “O processo no SUS tem sido demorado e cansativo. Não recebo os retornos dos médicos para começar os exames e é tudo muito lento. Para ajudar na batalha, há quatro meses procurei o Núcleo Mineiro de Obesidade, e desde então perdi 10% do peso”, conta ele, que aguarda ansioso pela operação.

APLICAÇÃO AMPLIADA
Indicada para a perda de peso em obesos mórbidos, a cirurgia bariátrica teve, nos últimos anos, suas aplicações ampliadas para o tratamento de doenças relacionadas à síndrome metabólica, como o diabetes tipo 2. Em função disso, houve aumento de sua indicação e também flexibilização dos critérios no aceite de pacientes a serem submetidos à intervenção. O índice de massa corporal (IMC) ainda é o principal marcador para determinar se alguém deve ou não fazer a cirurgia. Para ser elegível, o paciente deve estar com IMC igual ou superior a 35kg/m2 em casos que há outras doenças associadas, como o diabetes, a pressão alta e a gordura visceral. Como o IMC é encontrado pela divisão do peso pela altura ao quadrado, o cálculo indica de forma matemática se o indivíduo está com o peso normal (IMC entre 20 e 24,9kg/m2), sobrepeso (IMC entre 25 e 29,9kg/m2), obeso (30 e 39kg/m2) ou obeso mórbido (IMC acima de 40kg/m2).

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Minas Gerais, Paulo Augusto Carvalho Miranda, a intervenção para tratar a obesidade, com 30 anos de existência, desde que feita seguindo os protocolos embasados pela comunidade científica, traz muitos benefícios para os pacientes. “Ela consegue controlar o diabetes em até 80% das pessoas, reduzir novos casos dessa doença, diminuir a mortalidade por problemas cardiovasculares e controlar a hipertensão. A cirurgia já está cientificamente comprovada e deve ser feita em centros de referência, como a Santa Casa de Misericórdia e o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, ambos em Belo Horizonte”, diz.

Sobre a redução da idade mínima para o procedimento, Carvalho Miranda atesta que já há estudos nacionais e internacionais indicando que adolescentes que fizeram a cirurgia bariátrica tiveram benefícios de saúde. “Lembrando que a cirurgia não deve ser uma solução para a obesidade na infância e na juventude. Antes de se decidir pela intervenção, é preciso que o paciente jovem seja observado por uma equipe transdisciplinar, que haja uma ampla discussão entre os médicos e a família”, sugere. (Com agências)

BONS HÁBITOS VÊM DE CASA

Mudança no padrão alimentar, maior oferta de comidas com alta concentração calórica, acesso de mais pessoas a esse tipo de alimentos e redução nas atividades físicas. É esse o quadro de grande parte do contingente de crianças brasileiras hoje, de acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Minas Gerais, Paulo Augusto Carvalho Miranda, que alerta: “Se não fizermos essa abordagem na sociedade, do ponto de vista da prevenção dos problemas de saúde na fase jovem e adulta, teremos um grande problema no Brasil”, diz.

Para a nutricionista Elisabeth Chiari, coordenadora da Comissão de Fiscalização do Conselho Regional de Nutricionistas da 9ª Região/Minas Gerais, a família é quem mais influencia a atitude dos pequenos e dos jovens. “Muitas vezes a família não tem hábitos saudáveis. Outra situação corriqueira são os pais desrespeitando a saciedade da criança. Ela diz que não quer mais, mas os pais forçam a comer tudo. Daí, eles acabam comendo o que não precisam. É fundamental respeitar o gasto energético de cada um e estimular a atividade física.”

Elisabeth critica ainda o fato de a maioria das escolas brasileiras não trabalhar com projetos nutricionais em seus currículos de forma sistemática. Afinal, a educação começa na base. “Há uma lacuna de orientações para os alunos, sobre o que é saudável comer, como é importante nutrir o organismo. O que vemos são muitas propagandas na sociedade de produtos com alto teor de gordura, carboidratos simples e gordura trans. São alimentos de paladar muito gostoso, que atraem as crianças e jovens, mas pobres em nutrientes”, acrescenta.

Apesar de em Belo Horizonte estar em vigor a Lei da Cantina Saudável, em que os estabelecimentos dentro de unidades escolares não podem vender frituras, refrigerantes e balas, não é tarefa fácil administrar as crianças. “Meu filho de 8 anos ainda leva merenda de casa, mas não quer mais comer fruta na frente dos colegas, acha feio. Alguns professores tratam disso em sala de aula, mas de forma muito pontual. Se não houver o casamento da discussão da formação alimentar da criança na escola e em casa, fica difícil. Eles espelham muito o seu gosto nos hábitos da família”, opina a nutricionista.