Ativista e um dos fundadores da banda punk Crass, Penny Rimbaud vem a BH para bate-papo

Jeremy John Ratter defende que as transformações sociais começam por mudanças individuais

por Pablo Pires Fernandes 22/04/2017 13:51
Gee Vaucher/Divulgação
Colagem da artista visual Gee Vaucher. Evento terá exposições, feira e lançamento de livro (foto: Gee Vaucher/Divulgação)

Quando jovem, Jeremy John Ratter foi expulso de duas escolas, tentou estudar filosofia em Oxford, mas desistiu porque achou o curso demasiadamente doutrinador. A biografia deste inglês é notavelmente uma – ou muitas – história de inconformismo e revolta. E, hoje com 73 anos, ele se mantém fiel a seus princípios anarquistas. É um bom e velho punk.

Há décadas, Jeremy adotou a alcunha de Penny Rimbaud. Artes visuais, poesia e música são as formas com as quais este senhor expressa seu discurso e extravasa seu ativismo político. A firmeza de suas convicções é inerente.

Amanhã, Belo Horizonte terá o privilégio de receber este importante ativista para um bate-papo no MIS Cine Santa Tereza. Ele vai discorrer sobre sua própria experiência e trocar ideias sobre arte, anarquismo, música e outros temas. A presença deste velho punk na cidade será um evento que inclui feira de publicações independentes, barracas de comida vegana, exposição de fotografias e o lançamento do livro Eles nos devem uma vida – Crass, escritos, diálogos e gritos, uma compilação de textos e material produzido pelos integrantes da banda.

A iniciativa do coletivo belo-horizontino Metal Punk Overkill de trazer Penny Rimbaud a Belo Horizonte não poderia ser mais oportuna. Diante da instabilidade política no país e no mundo, de questionamento da representatividade das instituições e das relações de poder, indaguei-o sobre o futuro e ele me respondeu: “A alternativa que vejo pela frente é exatamente a mesma que via antes – uma vida de honestidade, de gentileza e amor. Sem a prática e a realização desses três princípios nunca vai haver uma paz global. Não há outro jeito – comece você mesmo”.

Rimbaud tem vasta experiência quando o assunto é “faça você mesmo”, princípio que norteou o ideário do movimento punk na década de 1970. Na década de 1960, em um sítio em Essex chamado Dial House, no interior do Reino Unido, instituiu de fato uma prática comunitária que hoje seria nominada de horizontal: sem líderes, regras debatidas por todos e baseadas na responsabilidade com o outro. Afinal, vivemos em sociedade.

A inquietude de Penny e de outros amigos e a necessidade de se expressar resultaram na formação da banda de punk Crass, em 1977. A indignação com a lógica político-social era o principal elo entre Rimbaud, Steve Ignorant, Eve Libertine, Joy De Vivre, N. A. Palmer, Phil Free, Pete Wrigth e Gee Vaucher. Muitos deles já produziam artes visuais, literatura e música na época, mas a decisão de projetar suas ideias por meio da música foi um grande salto.

A música poderia (e pode) ser radical, mas era bem fundamentada em conceitos da história da arte, seja o dadaísmo ou o atonalismo, por exemplo. As letras eram incisivas e defendiam pacifismo, ambientalismo, feminismo, direitos dos animais e, principalmente, a ideia de que a atitude individual é necessária para transformar o mundo e que “se você não está buscando soluções, você é parte do problema”.

A postura de enfrentamento teve seu auge quando a banda produziu uma peça de áudio, uma montagem a partir de falas da então primeira-ministra britânica Margareth Thatcher e o então presidente dos EUA Ronald Reagan. A Guerra das Malvinas (1982) estava em curso e uma suposta conversa telefônica na qual Reagan diz que usava a Europa como campo de batalha e Thatcher que tinha deliberadamente afundado um navio britânico para justificar a guerra causou impacto. As suspeitas recaíram sobre a União Soviética e poderiam ter provocado uma guerra nuclear. A banda assumiu o ato, que visava atrapalhar a reeleição de Thatcher.

O Crass ficou famoso e deixou evidente sua postura. Em uma entrevista de 2005, Rimbaud disse que o ativismo era mais importante do que a música. “O Crass queria mudar o mundo e, em certos aspectos, mudamos, mas não chegamos nem perto do que tínhamos proposto a nós mesmos. Queríamos minar as instituições do Estado e tudo o que elas representavam”, declarou.

Era de se esperar que este rebelde não mudaria de opinião. Quando pergunto se o atual modelo de representação política está falido, não titubeia: “Como nunca tive nenhum respeito por qualquer instituição política, não me dou conta se elas de fato crescem ou colapsam. Os políticos defendem suas próprias opiniões e, possivelmente, as opiniões de algumas pessoas ao seu redor. O que eles pensam não representa absolutamente nada para mim, sobretudo porque o tipo de verdade deles é obviamente baseado em mentiras”.

Descartada a possibilidade de qualquer diálogo institucional, Rimbaud se voltou para ações artísticas e a essência do espírito “faça você mesmo”. O Crass foi uma das vias, mas ele sempre manteve outras frentes como artista gráfico, pintor, poeta e ambientalista. A contracultura punk, para ele, representa um modo de vida e uma filosofia, que implicam constante busca por uma sociedade mais fraterna. A música punk do Crass foi o veículo para lutar por esses objetivos. A crítica que Rimbaud com frequência faz às bandas punks é de que ele se esvaziou. “O punk como eu conhecia tinha um propósito político. O que é classificado como música ‘punk’ hoje em dia é algo absolutamente vazio e covarde.”

No entanto, permanece convicto do caminho que ajudou a abrir. “Não concordo que as ideologias e os princípios do movimento punk foram pervertidos. Para aqueles que entenderam aqueles princípios com sinceridade e honestidade, eles permanecem imaculados e verdadeiros. Ideologias e princípios não mudam por si próprios, mas as pessoas que os sustentam, a cada tempo, sim”, comenta.

Ao comentar sobre seus ideais e a forma de buscá-los, Rimbaud é transparente e vai direto ao ponto, ao que realmente importa: “Realizamos mudanças reais na sociedade buscando fazer mudanças em nossas próprias vidas. Se não promovemos a paz, então, primeiramente, temos que aprender a entender o que significa a paz. Se quisermos viver em um mundo de amor e gentileza, primeiramente devemos aprender o que isso significa de fato e praticá-lo. Da mesma maneira que violência gera violência, amor gera amor. Nesse sentido, individualmente, nós somos responsáveis pelo mundo onde vivemos – mude você mesmo e você muda o mundo. Apenas uma atitude assim é capaz de provocar mudanças, seja pessoal ou globalmente”.
Metal Punk Overkill/Divulgação
Penny Rimbaud fala sobre sua trajetória no MIS Cine Santa Tereza (foto: Metal Punk Overkill/Divulgação)

Uma subversão orgânica

O legado do Crass para uma cultura radical é bem conhecido atualmente: o faça-você-mesmo como instrumento econômico e social, a popularização dos direitos dos animais, a centralidade de uma agenda feminista séria, o nascimento das manifestações anticapitalistas, a expansão dos squatts comunitários, a disseminação de um ethos para além das fronteiras nacionais, a centralidade dos fanzines para criar uma rede de comunicação que expresse política e culturalmente essa comunidade internacional e que drible o bloqueio da indústria cultural etc. Óbvio que o Crass não inventou a dissidência ou a subversão jovem e que esses diversos elementos já se encontravam aqui e ali mundo afora – inclusive no Brasil –, mas fato é que o Crass deu a unidade e a coerência para juntar todos esses elementos em um todo orgânico e, vale frisar, muito antes de pensarmos em redes sociais virtuais e na internet.

CONVERSA  COM PENNY RIMBAUD

A programação inclui a exposição Dial House: sobre autonomia, subversão e amor, com fotografias de Marina Knup,  reproduções de colagens de Gee Vaucher; feira de publicações e música independente e comida vegana; e o lançamento do livro Eles nos devem uma vida – Crass, escritos, diálogos e gritos. Amanhã, a partir das 14h. MIS Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89, Santa Tereza).
Entrada franca.

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