Rosa, metáfora plural

Sessenta anos depois de lançado, Grande sertão: veredas segue como obra instigante. Livro refundou a língua com costura literária unindo o arcaico ao refinamento criativo

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Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM %u2013 21/7/52 (foto: Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM %u2013 21/7/52)
Eduardo Murta



Mire Grande sertão: veredas por um ângulo. Veja por outro. Busque um terceiro, um quarto, outro mais. E lá estará a obra de Guimarães Rosa como um caleidoscópio. De que ponto se olhe, ela oferecerá uma instigante provocação – seja a partir da construção ou reconstrução da língua, da capacidade de alinhavar o arcaico a uma elaboração extremamente refinada das palavras, seja pela ambivalência presente a qualquer tempo, aí incluídos os cenários de rudeza e delicadeza. Para além disso, o escritor explorou grandes dilemas e valores universais com uma grandeza poética só presente em clássicos da literatura.



Não foi por acaso que atravessou seis décadas com uma relevância múltipla. E não foi por acaso que transpôs as paredes do idioma. Regionalista? Não, obrigado. Rosa fez foi transbordar esses limites, arrebentar cercas e, numa concepção quase messiânica, estabelecer uma carpintaria literária em que propunha simplesmente a refundação linguística: “É preciso distendê-la, distorcê-la, obrigá-la a fazer ginástica, desenvolver-lhe os músculos. Refundi-la no tacho, mexendo muitas horas. Derretê-la e trabalhá-la, em estado líquido e gasoso”.

Num trabalho denso, lançado em 1956, ele, definitivamente, conseguiu. Grande sertão: veredas é a melhor prova disso. Sobre a obra, este caderno especial traz a visão de dois estrangeiros radicados em Belo Horizonte, convida a professora da UFMG Marli Fantini a uma análise do legado do romance e mapeia a passagem do escritor pela capital mineira. Vai mostrar que a memória de Rosa, imortalizada por seus trabalhos, anda sob risco de descaracterização na cidade que o acolheu e que não consegue responder a perguntas tão simples, como o destino sobre a casa onde viveu. Feito um redemoinho o assombrando quase 50 anos depois de sua morte.

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