Marçal Aquino e Fernando Bonassi alternam a escrita literária com o ofício de roteirista

Dupla comenta as diferenças e semelhanças do processo de trabalho e de cada linguagem

por Pablo Pires Fernandes 15/04/2016 13:19
Marlene Bergamo/Divulgação
Leona Cavalli e Ricardo Blat em Carandiru, de Hector Babenco, que teve roteiro adaptado por Bonassi (detalhe) a partir do livro de Dráuzio Varella (foto: Marlene Bergamo/Divulgação)
Diálogo constante, exercitando a escuta de opiniões contrárias com respeito e, sobretudo, com a consciência de que este é o melhor procedimento para se chegar a um bom resultado. Os escritores e roteiristas de cinema e TV Fernando Bonassi e Marçal Aquino trabalham sob esse princípio de segunda a sexta. Os dois estarão presentes na programação da Bienal do Livro de Minas 2016, que começa hoje e se estende por 10 dias. Dezenas de autores e uma grande feira vão preencher o Expominas com atrações para gostos variados. Parceiros em projetos, passados, presentes e futuros, ambos são categóricos em afirmar a grandeza do trabalho em conjunto. %u201CA nossa vantagem de trabalhar em grupo é que a gente se obriga a chegar num consenso%u201D, diz Bonassi. %u201CNa troca e no diálogo é que está a riqueza do processo de criação%u201D, completa Aquino. Bonassi e Aquino são autores de vários livros, mas têm dedicado muito tempo nos últimos anos à redação de roteiros para a TV %u2013 as séries Força-tarefa, O caçador e a inédita SuperMax, da Rede Globo %u2013 e a adaptações ou roteiros para o cinema. Embora busquem se completar com o outro na atividade de roteiristas, ambos têm processos de escrita completamente diferentes quando se trata da prática literária. Autor do recém-lançado Luxúria, Bonassi conta que gasta um tempo rondando um tema específico até conceber a estrutura final do livro, com as linhas gerais da narrativa e o desenvolvimento dos personagens. %u201CSei para onde ir. Pego o personagem e vou torcendo-o na direção do que eu quero.%u201D Ao contrário, Aquino revela que nunca sabe como vai terminar o livro que começou a escrever. %u201CÉ meio que se perder na história. A coisa mais prazerosa é você descobrir qual o livro que está escrevendo, não me interessa saber o fim da história. Eu me deixo ser conduzido por aquela história que está sendo %u2018contada%u2019 para mim%u201D, explica. Sobre o colega, Bonassi afirma ter %u201Cum plano mais rígido do que ele%u201D. %u201CEle se abandona mais%u201D, analisa. Aquino, autor de O invasor, admite ter um processo %u201Cextravagante%u201D de escrita: %u201CEscrevo a mão%u201D. %u201CJá ocorreu de eu não conseguir terminar uma história e, então, ficava falando sobre aquela história e construindo-a até que cheguei ao final. Aí perdeu o barato e a graça e a abandonei.%u201D Entretanto, no caso da adaptação de um livro para o cinema, os dois compartilham os mesmo processo. %u201CSempre faço questão que o diretor esteja presente no processo de escrita do projeto, dificilmente vou fazer um projeto do tipo que o diretor chegue e diga: %u2018vá e faça aí%u2019. Gosto de fazer batendo bola com o diretor, com ele sempre próximo%u201D, explica Aquino. Bonassi, também diretor de cinema, atribui seu %u201Crelativo%u201D sucesso profissional ao fato de ser um bom perguntador. %u201CConstruo com você uma relação terapêutica %u2013 minha e sua, não é só minha. A gente senta e vê que filme faremos, por que você escolheu aquele livro, por que você quer contar aquela história, com que tom? Preciso tirar isso de você%u201D, detalha, acrescentando que todo o trabalho se mantém em um constante %u201Cafinar a lente comum%u201D. Aquino segue o mesmo princípio de questionar o diretor ao receber uma proposta de adaptação %u201Cporque nada mais é do que uma leitura sobre o livro%u201D. %u201CSou um escritor puro e simples, é necessário que você me diga qual o filme que pode ser extraído daquele livro. Aí, a gente passa a pensar na adaptação visualmente e qual a forma de abordar aquele universo%u201D, completa, acrescentando que, ao saber que fará um roteiro a partir de uma obra literária, sua leitura se contamina. %u201CNão é uma leitura limpa, pelo prazer da linguagem, leio aquilo de maneira bastante funcional%u201D, aponta. A literatura de Bonassi e de Aquino é impregnada pela visualidade e, embora reconheçam que o ofício de roteirista pode contaminar seu fazer literário, cada qual tem uma explicação para a persença da imagem em seus textos. A visualidade está presente nos meus livros muito mais por causa dos quadrinhos, até pensei que fosse me tornar um desenhista, mas trombei com a literatura e deixei os quadrinhos de lado%u201D, conta Aquino, que ainda se serve de desenhos durante o processo de escrita. Ele também diz ter sido influenciado pelo cinema, mas por ter sido um espectador desde muito jovem. %u201CDescobri o cinema muito cedo e tenho uma cultura cinematográfica muito vasta por ter ido muito ao cinema, mas nunca pensei em trabalhar com cinema, foi acidental. Quando leio um livro pra mim é um livro.%u201D Bonassi relata que é fã da Nouvelle Vague francesa, mas que %u201Cno caso da literatura, a imagem não é importante%u201D. %u201CQuando estou dentro de um livro, a coisa tem que ter um resultado literário.%u201D Atualmente, trabalha na adaptação para o cinema de Luxúria e diz que tem que pensar a imagem separada do texto no roteiro do livro que escreveu. %u201CNo caso do cinema, a imagem vai ter que ter uma certa luz, um tempo e um certo barulho que só lá na montagem vai ficar pronta. Nunca sei o que vai ser aquela cena, mas é um esforço que a equipe vai ter que fazer%u201D, conta, atribuindo à linguagem do roteiro uma escrita mais fria e técnica. %u201CNo cinema, tudo aquilo que pode ser visto é melhor do que o que pode ser ouvido.%u201D %u201CSempre falo que a diferença entre o cinema e a literatura é que o cinema só precisa da sua atenção, ele não precisa da sua imaginação. O livro exige a imaginação. Um leitor sem imaginação é um mau leitor%u201D, destaca Aquino. A subjetividade, diz, é determinante na fruição literária. Bonassi segue a mesma lógica ao afirmar que %u201Cna literatura, quando você se coloca em uma situação, você preenche um determinado universo de maneira muito pessoal%u201D. Os dois comentam divertidamente sobre a ideia de que o livro é sempre melhor do que o filme. E concluem que o fato, geralmente, advém do confronto entre a subjetividade do %u201Cleitor imaginante%u201D e da visão pessoal que o diretor registrou. %u201CO cara lê um livro e se apaixona por ele de tal modo que acha que a única leitura possível é a dele, que é a definitiva%u201D, explica Aquino. E Bonassi completa: %u201CNa literatura, o que conta melhor prevalece; no cinema, o que mostra melhor prevalece%u201D.

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