'Política, propina e futebol' destrincha os bastidores da corrupção na Fifa

Livro do jornalista Jamil Chade detalha o desvio de recursos para paraísos fiscais

por Cláudio Arreguy 04/03/2016 12:30
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(foto: Divulgação)
Nos preparativos e durante a Copa do Mundo do Brasil, a expressão “padrão Fifa” foi consagrada no país como símbolo de algo que funcionava, status de eficiência, uma espécie de ISO 9.000 da bola. Estágio atingido depois de superadas as barreiras do atraso nas obras dos estádios e nas 12 capitais onde os jogos foram disputados. Menos de dois anos depois, o termo não só pode como precisa ser lido de outra maneira. E a eleição recente do suíço Giorgio Infantino para a presidência da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) é recebida no meio como esperança de que represente o fim de uma era: a do padrão Fifa da corrupção e da imoralidade.

Em maio do ano passado, o mundo do futebol foi sacudido por uma bomba de incontáveis megatons: às vésperas da eleição presidencial da Fifa, autoridades suíças prenderam nos principais hotéis de Zurique um time de cartolas envolvidos em falcatruas, compras de votos para escolhas de sedes de Copas do Mundo e malversação de verbas públicas. Enfim, um apanhado de crimes até então impunes. As imagens de cartolões sendo retirados em saguões de luxuosos hotéis protegidos por cobertores fizeram sucesso instantâneo em todo o planeta. Entre eles, o ex-presidente da CBF José Maria Marin, atualmente cumprindo prisão domiciliar em Nova York.

A detenção dos dirigentes foi resultado de investigação minuciosa do FBI, que rastreou o dinheiro lavado em contas de paraísos fiscais, manipulado em larga escala por quem deveria cuidar da lisura do jogo, mas dele se locupletava para construir e solidificar fortunas. Os norte-americanos investigam também o antecessor de Marin, Ricardo Teixeira, e o sucessor, Marco Polo del Nero, ambos sumidos de eventos públicos e evitando viagens ao exterior.

A ação dos policiais suíços, digna de filme, pegou de surpresa o vasto contingente de jornalistas presentes em Zurique ou que para ela se dirigiam para cobrir a eleição. Caso do paulista Jamil Chade, há 15 anos correspondente do Estado de S. Paulo na Suíça, que domina como poucos o universo nada salutar do outro lado do futebol. Com o conhecimento adquirido ao longo de centenas de conversas de bastidores com a maioria dos cartolas hoje trancafiados, ele acaba de marcar um gol de placa: Política, propina e futebol. Como o padrão Fifa ameaça o esporte mais popular do planeta.

O livro de Jamil, publicado pela Editora Objetiva, mostra com clareza, às vezes até em ritmo de romance policial, como dirigentes do futebol desviaram recursos, venderam caro sua influência e se transformaram em milionários, com comissões por baixo do pano em verbas de direitos de TV. Segundo as autoridades norte-americanas, a Fifa montou uma autêntica Copa do Mundo da fraude. Durante 24 anos, pelo menos US$ 150 milhões foram usados em propinas e subornos.

A corrupção na principal entidade do futebol já era denunciada desde os anos 1970, quando João Havelange assumiu a presidência. Sob o império do brasileiro, a Copa do Mundo se transformou num fabuloso negócio de bilhões de dólares. Seu herdeiro, Blatter, intensificou os ganhos – os quais, como um vírus, se espalharam pelas confederações continentais e pelas federações nacionais. Entre elas, a CBF, por muitos anos presidida pelo ex-genro de Havelange Ricardo Teixeira.

O Mundial do Brasil, à parte o sucesso de público, é esmiuçado por Jamil, que mostra em detalhes por que ele foi o mais caro da história. O autor não deixa pedra sobre pedra: as obras superfaturadas; a máfia dos ingressos, que, um ano depois, acabou derrubando o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke; como o governo brasileiro se aproveitou da imagem da Copa para ganhar prestígio em ano eleitoral...

Em Política, propina e futebol estão detalhes das prisões dos cartolas em Zurique, do funcionamento dos esquemas de propinas, de como o dinheiro para obras sociais e construção de campos era desviado para contas em paraísos fiscais, dos contratos que tiraram a alma da Seleção Brasileira e a transformaram num balcão de negociatas etc.

A leitura da obra de Jamil é um mergulho nos subterrâneos do futebol, que há décadas eram denunciados aqui e ali, mas ultimamente ganharam uma dimensão tão ampla que não se pode jogar para escanteio. Quem admira o mais popular dos esportes vai confirmar muitas desconfianças e se desiludir com várias situações. Mas, ao vê-lo passado a nu, sem máscaras, com tantas figurinhas carimbadas fora de cena, poderá também ter a expectativa de que a turbulência política marque o início de um novo tempo. Em que o craque volte a ser o principal protagonista.

Política, propina e futebol
• De Jamil Chade
• Objetiva
• 336 páginas
• R$ 39,90 e R$ 17,90 (e-book)

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